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segunda-feira, 20 de março de 2017

I ❤ Bette Davis


A saborear o terceiro episódio de Feud, sobre a lendária guerra sem quartel que Bette Davis e Joan Crawford mantiveram durante toda a vida. O cenário é a rodagem de Whatever Happened to Baby Jane?, de Robert Aldrich, seguramente um dos dez primeiros DVD que comprei.

Com duas actrizes como Susan Sarandon e Jessica Lange só podia sair coisa muito interessante, assim o texto fosse bom. É. O texto é muito bom. Mas, mesmo gostando muito de ambas, quer-me parecer que Susan Sarandon está ainda melhor como Bette do que Jessica Lange como Joan. E acontece que eu toda a vida adorei a grande Miss Davis.

Confesso que o meu primeiro impulso foi pôr isto no Facebook, sinal inequívoco de que me desabituei do blogue. Mas depois pensei que não senhor, o lugar certo é aqui, na minha casa mais antiga, e que me é muito querida. E que é convosco que quero partilhar em primeira mão esta pérola de diálogo (e ainda me faltam 35 minutos do episódio).

Bette Davis (Susan Sarandon, já sabem, e está realmente de cortar a respiração) e o realizador, Robert Aldrich — Alfred Molina) discutem um actor possível para integrar o filme.

Bette Davis: You said he was from Broadway. He's not. I checked. All his stage work (aqui baixa a voz e sopra, indignada) is from San Diego!

Robert Aldrich: Yeah, the Old Globe! He's a distinguished Shakesperarian actor!

Bette Davis (ar exasperado): Oh, I'm sure his Falstaff is the talk of Tijuana!

sexta-feira, 21 de março de 2014

Mae West e os Beatles


Foi por causa de um comentário do Abel na minha página do Facebook que me lembrei de que Mae West aparece na mais do que lendária capa de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Quando contactada pelos Beatles para dar a necessária autorização, Mae West (então com 74 anos) mostrou-se inicialmente relutante, com uma observação bem ao seu género:

— What would I be doing in a lonely hearts club?

Os Beatles ter-lhe-ão enviado então uma carta tão devastadoramente cheia de charme que Mae West capitulou, passando assim a figurar na capa mais icónica da história da música.

E o Abel, também grande admirador desta bomba platinada, revelou-me uma coisa que eu não sabia: no ano anterior, 1966, Mae West tinha cantado uma canção dos Beatles no seu álbum Way Out West: Day Tripper (também canta Twist and Shout, mas essa não é um original deles). Só o Abel para saber destas coisas!


I ♥ Mae West


Podia ter apenas 1,52 m de altura (como acabo de descobrir, quase chocada), mas era larger than life.

A carreira no cinema começou invulgarmente tarde, numa época em que as carreiras, principalmente as femininas, começavam e acabavam muito cedo — a incomparável Greta Garbo, por exemplo, retirou-se com apenas 36 anos. Mae West (nascida em 1893) tinha 39 anos quando fez o seu primeiro filme, e a imagem acima, dos seus tempos mais gloriosos, é de 1936.

Devo dizer, para grande vergonha minha e para mostrar como se pode ser parvinho quando se é muito novo, que a detestei ao princípio, lá pelos meus 13 anos — a televisão deu em passar muitos dos seus filmes nas tardes de domingo, e eu dei em achá-la reles, ordinária, e detestava-lhe a voz. A coisa foi agravada por um artigo sobre ela numa qualquer revista de televisão da época, que mostrava fotografias de Mae West no então presente, já com 80 anos. A somar-se ao resto, achei-a uma velha ridícula e desavergonhada.



Teriam de passar mais alguns anos, e vários ciclos especiais de cinema na Gulbenkian e na Cinemateca, para que eu, já na casa dos vinte, me rendesse à grandeza desta mulher única. Há pelo menos uns 14 anos que criei no computador um documento em que fui arquivando as suas frases mais memoráveis.

Como o documento tem quatro páginas, deixo-vos as que tenho assinaladas como grandes favoritas, apenas metade.

Marriage is a great institution. I'm not ready for an institution yet.

– Goodness, what lovely diamonds.
– Goodness had nothing to do with it, dearie.

No gold-digging for me... I take diamonds! We may be off the gold standard someday.

I'm no angel, but I've spread my wings a bit.

Between two evils, I always pick the one I never tried before.

– I can always tell a lady when I see one.
–Yeah? What do you tell 'em?

Give a man a free hand and he'll try to put it all over you.

Every man I meet wants to protect me. I can't figure out what from.

Any time you got nothing to do and lots of time to do it come on up.

All discarded lovers should be given a second chance, but with somebody else.

Men are my hobby, if I ever got married I'd have to give it up.

Is that a gun in your pocket, or are you just glad to see me?

I'm no model lady. A model's just an imitation of the real thing.

Women with "pasts" interest men because men hope that history will repeat itself.

I never worry about diets. The only carrots that interest me are the number of carats in a diamond.

The curve is more powerful than the sword.

I didn't discover curves; I only uncovered them.

When I'm good I'm very, very good, but when I'm bad, I'm better.

When a girl goes bad – men go right after her.

A woman in love can't be reasonable – or she probably wouldn't be in love.

You can do what you want, but saving love doesn't bring any interest.

You may admire a girl's curves on the first introduction, but the second meeting shows up new angles.

Brains are an asset to the woman in love who's smart enough to hide 'em.

Look your best – who said love is blind?

An ounce of performance is worth pounds of promises.

The best way to behave is to misbehave.

I'm single because I was born that way.

Don't come crawlin' to a man for love – he likes to get a run for his money.

Don't cry for a man who's left you – the next one may fall for your smile.

Don't keep a man guessing too long – he's sure to find the answer somewhere else.

Don't ever make the same mistake twice, unless it pays.

– I'd give half my life for just one kiss.
– Then kiss me twice.

– Oh, Miss West, I've heard so much about you.
– Yeah, honey, but you can't prove a thing.

Never ask a man where's he's been. If he's out on legitimate business, he doesn't need an alibi. And, girls, if he has been out on illegitimate business, it's your own fault.

– What kind of man is most satisfactory?
– Personally, I like two types of men – domestic and foreign.

Save a boyfriend for a rainy day – and another, in case it doesn't.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Romy Schneider: mourir d'aimer

Como escrevi aqui, há muito tempo, «faço parte da última geração que ainda cresceu com a música e a cultura francesas, muitos autores franceses na fabulosa Colecção Dois Mundos da Livros do Brasill e, claro, os livros da Bouquins e da Folio, preferencialmente comprados na Livraria Férin, na Rua Nova do Almada.» A minha geração recebeu em cheio o agonizar da cultura francesa como cultura dominante. Claro que na época não nos apercebemos disso, éramos demasiado novos, mas não deixa de ser curioso lembrar-me de que Vergílio Ferreira, algures pelo fim de 1975 ou princípio de 1976 (os meus 15 anos), nos tenha apontado o facto numa aula. Foi certamente uma das primeiras pessoas que se aperceberam dessa gigantesca mudança a acontecer.

Hoje, olhando para trás, consigo ver que a mudança começou primeiro na música, sendo quase de certeza os Beatles os responsáveis principais, porque os iniciais. Amigas e amigos meus, apenas sete ou oito anos mais velhos, lá pelo meio dos anos 60 ainda compraram discos de Adamo, Sylvie Vartan, Johnny Halliday, Hervé Vilard, Richard Anthony ou Alain Barrière, discos que arrumavam em ábuns muito giros que qualquer papelaria de bairro tinha à venda. Eu, quando cheguei à idade de comprar discos, semanadas religiosamente poupadas, já só aspirava a Mozart e aos Beatles, que se separaram quando eu tinha apenas nove anos (10 de Abril de 1970).

E depois, mais tarde, já nos anos 70, a mudança atingiu também o cinema. Lisboa tinha então bem mais do dobro das salas de cinema que tem hoje. E havia ainda muito cinema francês a ver, realizadores conceituados que na década seguinte desapareceram por completo. Havia também muito filme parvo, claro (eu não suportava Louis de Funès, por exemplo, e havia sempre mais um novo filme dele em exibição). Mas o glorioso Aventura é Aventura, de Claude Lelouch, continua a ser para mim uma memória preciosa. Confesso que até tenho medo de o rever agora, não vá desiludir a lembrança hilariante que dele guardo.

Com tanto filme francês sempre em exibição, duas actrizes houve que criaram raízes fundas no nosso afecto, naqueles distantes anos 70: Annie Girardot e Romy Schneider. Annie Girardot ficará possivelmente para outro dia, hoje é mesmo de Romy Schneider que quero falar.

Romy Schneider foi uma das mais belas mulheres do seu tempo, talvez até a mais bela de todas. Jacqueline Bisset, por exemplo, e sua contemporânea, era de uma beleza de cortar o fôlego, mas nunca lhe chegou aos calcanhares como actriz; e não tinha, principalmente, aquele je ne sais quoi que Romy Schneider tinha. Jacqueline Bisset era linda, Romy Schneider era bela, tinha mais qualquer coisa que irradiava de dentro para fora. Ainda hoje, quando imagino a Maria Eduarda de Os Maias, não consigo conceber outra actriz tão adequada para o papel.

Nos anos 70, na época em que havia sempre mais um filme com Romy Schneider a estrear nas salas de cinema, vi muitos filmes com ela. E fui sabendo algumas coisas da sua vida privada, compradora semanal da iHola! que já era. Foi assim que fiquei a saber da história de amor com Alain Delon, aquele deus grego, que bem estavam um para o outro, também ele o mais belo homem do seu tempo! Chegou a haver, fugazmente, alguém a poder fazer-lhe sombra, um Helmut Berger, o menino dilecto de Visconti, mas as drogas deram cabo dele com uma rapidez assustadora.

Nas páginas da iHola! fui acompanhando a atribulada vida de Romy Schneider, encolhi-me de horror perante a tragédia que foi a morte do filho adorado de 15 anos, morte absurda que nem vou contar. Apenas dez meses depois dessa perda monstruosa, Romy Schneider foi encontrada morta, tinha apenas 43 anos. A hipótese de suicídio chegou a surgir, tendo a acreditar mais num ataque cardíaco: Romy tinha uma adorável filha de quatro anos, Sarah, não quereria certamente faltar-lhe. Acho mesmo que foi o coração que lhe faltou, um coração desmedido.

E é aqui que começa a história de Romy Schneider que eu desconhecia. Há coisa de um mês descobri no YouTube uma série de fabulosos documentários, produções recentes da televisão francesa, de seu nome Un jour, un destin (fica aqui a lista completa, boa parte deles está no YouTube, já os devorei quase todos). E acreditem que tenho mesmo muita pena de todos aqueles que já não tiveram, como eu tive, o Francês como disciplina obrigatória na escola. O Francês, para começar, é uma língua linda. Se eu não tivesse aprendido francês nunca teria podido ler no original autores como Proust, Balzac, Stendhal, Céline ou Jean d'Ormesson.

Romy Schneider nasceu em 1938, filha de uma mãe, Magda Schneider, que se fazia terrificamente ao piso ao poder vigente, poder esse que se chamava Hitler. Romy cresceu nos Alpes da Baviera, a casa de família a escassos quilómetros de Berchtestgaden. Romy nunca mais, em toda a sua vida adulta, conseguiu superar o trauma, o medonho sentimento de culpa. Aos 16 anos, obrigada pela mãe, Romy fez a trilogia de filmes que a projectaram para a fama mundial, e que sempre odiou, tentando desesperadamente dissociar-se da imagem delicodoce da imperatriz Sissi (contracenava com Karlheinz Böhm, o imperador Francisco José, filho do grande maestro Karl Böhm; ainda hoje, com tantas gravações da minha adorada Flauta Mágica que tenho, é a sua a que mais oiço, principalmente por ter Hermann Prey como Papageno). Recém-chegada a Paris, o cinema francês a querer tomar posse dela, refugiou-se na amizade com Marlene Dietrich, quase 40 anos mais velha, mas também ela inimiga declarada do III Reich. Tamanho era o sentimento de culpa da alemã Romy Schneider (acho que a Helena vai perceber isto melhor do que qualquer outra pessoa) que casou com um judeu, deu aos dois filhos que teve nomes judeus (David e Sarah) e foi a enterrar com uma estrela de David ao pescoço.

Alain Delon, quase de certeza o grande amor da sua vida, acompanhou-a até ao fim. Vejam o documentário, caso saibam francês, porque vale mesmo a pena. Chama-se Romy Schneider: Ange et Démons.





sábado, 29 de dezembro de 2012

Só para amantes de Ópera


Percebemos de repente que estamos a perder faculdades — ou que estamos simplesmente com a cabeça na lua — quando entramos numa loja de artigos de cabeleireiro e perguntamos se têm produtos da Elisabeth Schwarzkopf. Ou isso ou gostamos demasiado de Ópera.

Empregada perplexa a digerir a minha pergunta e a responder finalmente que não. Foi nesse instante que me apercebi do absurdo que tinha dito. Dame Elisabeth Schwarzkopf (the nazi diva, como lhe chamava um amigo meu muito tricha, Hitler adorava-a, como adorava Marlene Dietrich, nenhuma delas foi na conversa) foi uma das mais extraordinárias cantoras de ópera do século XX. Nada que ver com produtos capilares. Que havia na loja, sim. A marca claro que era Schwarzkopf.

E a trabalheira que a senhora devia ter a dar autógrafos, com aquele nome descomunal?

sábado, 17 de março de 2012

Mágicas noites de Teatro: The Breath of Life

O que acontece quando uma mulher decide confrontar aquela que foi, durante muitos anos, a amante do marido? O que acontece quando a mulher traída é Dame Judi Dench e a amante é Dame Maggie Smith e tudo isto se passa no palco de um teatro? Magia pura.

O encantamento começou logo que entrámos na sala do belíssimo Haymarket Theatre, um dos mais antigos de Londres. A cortina subida deixava-nos ver o cenário e a minha reacção foi igual à de toda a gente que avançava pela coxia: um grande "oh!!" deslumbrado. Que me lembre, só tive  tal reacção a um cenário duas outras vezes. A Street Car Named Desire no National Theatre (Londres, com Glenn Close como Blanche Dubois e um Woody Harrelson a aplaudir furiosamente de pé umas filas atrás), e Dinner at Eight, no Lincoln Center, em Nova Iorque. Não eram cenários, eram interiores que só por si contavam histórias.

Escrita pelo grande David Hare (autor, entre muitas outras coisas, do guião de The Hours), a peça agarra-nos desde o primeiro segundo. Apenas duas actrizes, mas quem precisa de mais quando as actrizes se chamam Judi Dench e Maggie Smith?

O encontro-confronto das duas mulheres não começa da melhor maneira, como seria de esperar. Madeleine, a amante durante 19 anos, conservadora de museu reformada e mulher com o seu quê de excêntrico, vive agora na ilha de Wight. Frances, a mulher, a legítima, fingiu ignorar a traição durante grande parte da sua duração. Tinha sabido quase desde o princípio e tinha-se calado. Aquilo que nunca tinha dito ao marido, que entretanto a abandonara para ir viver com uma pateta com metade da sua idade, vem agora dizê-lo à antiga rival. Um confronto de titãs e muitas mágoas dos dois lados.

Posso garantir-vos que poderíamos ouvir cair um alfinete, tamanha a magia do que acontecia no palco. Podíamos ouvir como as pessoas não respiravam, suspensas, chegadas à frente nas cadeiras. E assistimos fascinados à conversa destas duas mulheres no ocaso da vida, uma conversa que traz memórias antigas, que esclarece dúvidas, que revela outras infidelidades das quais nenhuma sabia («não, isso não foi comigo»). As horas correm, o último barco que sai da ilha ja partiu, Frances fica para jantar e para dormir, e a conversa continua. Noutras circunstâncias, poderiam ter sido grandes amigas. Ficamos todos a fazer votos por essa amizade quando finalmente se separam, ambas apaziguadas, e Frances, no dia seguinte, muitas horas de muita conversa depois, apanha o barco que a leva da ilha. O traste passou a ser assunto devidamente arrumado para as duas. E mesmo no ocaso da vida, há vida para diante.


Apontamento cómico: Um mês depois o Vítor voltou a Londres e tinha novamente bilhetes para a peça (compra sempre dois, mesmo que vá sozinho). Eram disputadíssimos, the hot ticket in town, lembro-me de o meu amigo Pedro, irmão da actriz Margarida Marinho (uma grande actriz, na minha opinião)  me ter contado que ela tinha ficado inconsolável por não ter conseguido ver a peça. O Vítor chega ao Haymarket Theatre e há à porta uma data de gente suplicante a pedir um bilhete. Ele ia sozinho, puxou do bilhete extra. Antes que pudesse abrir a boca, um senhor ofereceu-lhe 300 libras por ele. Ia recusar, não? E o senhor, na certa, nem pôde acreditar na sua sorte quando viu que o lugar era na terceira fila ao centro.


sexta-feira, 16 de março de 2012

Elas

Há grandes actrizes nas novas gerações. Mas ainda lhes falta qualquer coisa. Tempo, experiência, vivências, não sei. O que sei é que estas são para mim as maiores entre as maiores. Talvez tenha deixado alguns nomes de fora, mas estas são mesmo as minhas escolhas.


Meryl Steep, a grande, a única. Descobri-a era ainda adolescente, em Holocausto, nunca mais a perdi de vista. A escolha da fotografia, tão antiga, foi deliberada: é desse tempo. Meryl é também, com enorme mágoa minha, a única das minhas eleitas que nunca vi no teatro.



Dame Vanessa Redgrave. Os mais furiosos amantes de teatro consideram-na a maior actriz viva. Vi-a no National Theatre naquela coisa desgarradora que foi The Year of Magical Thinking e tenho por ela um afecto muito especial, até por causa dos escassos minutos em que mais tarde, no restaurante, estivemos à conversa (contei aqui).


Patti LuPone, a grande dama da Broadway. Vi-a duas vezes, a primeira em Noises Off, a segunda em Gypsy, que lhe daria o seu quarto Tony. Foi a primeira Fantine, primeiro em Londres, depois na Broadway (e segundo Tony), e nunca ninguém conseguirá cantar I Dreamed a Dream como ela (estragou-me a música em palco, nunca consigo chorar, fica sempre aquém). Há dias arregalei os olhos quando lhe vi uma fugaz aparição em Glee, num episódio passado em Nova Iorque. Miss LuPone estava a jantar no Sardi's. Apropriado.

Glenn Close. Provavelmente a actriz mais injustiçada da história do cinema. Fiquei boquiaberta quando, há coisa de um ano, li que lhe tinha sido atribuída uma estrela no passeio da fama de Hollywood. E todas as outras flausinas sem qualquer mérito que a tiveram antes dela? O Oscar este ano fugiu-lhe mais uma vez, mas a rival era de peso. Perder para Meryl Streep é digno. Perder para Cher, como já aconteceu, é uma anedota de mau gosto. Vi-a no National Theatre como Blanche Dubois em A Street Car Named Desire. Nunca esquecerei essa noite.


Dame Maggie Smith. Adoro-a. Não é só a actriz genial, é a mulher irreverente e de sentido de humor perverso. Merecia mais Oscars do que os dois que tem. Vi-a em Londres em The Breath of Life. Muito possivelmente a experiência teatral mais electrizante de toda a minha vida. Hei-de contar.

Dame Judi Dench. Faz muito mais teatro do que cinema, para grande prejuízo dos comuns mortais como nós que não podem vê-la em cena. Vi-a uma vez, uma única, e foi suficiente para lhe perceber a genialidade. Foi em The Breath of Life (pronto, tenho mesmo de contar).

Dame Helen Mirren. Uma carreira no cinema que cresceu aos poucos, porque para ela o grande amor também é o teatro. Vi-a em Nova Iorque há mais de dez anos, em The Dance of Death, de Strindberg, numa parceria formidável com Sir Ian McKellen. Inesquecíveis.

quinta-feira, 8 de março de 2012

A não perder


A Tê, leitora sem blogue que me acompanhava há três anos sem eu saber, veio anteontem deixar pela primeira vez um comentário. E um presente. Um presente fabuloso que muito bem ilustra a minha opinião sobre a diferença entre os grandes actores e os meramente bons.

Desconhecia por completo a existência desta Web Therapy, série online criada e produzida por Lisa Kudrow (a inesquecível Phoebe de Friends), cuja personagem é a terapeuta Dr.ª Fiona Wallice, E há nem mais nem menos que três episódios com Meryl Streep, no papel de Camilla Bowner (o que este apelido me fez rir, santo Deus!), conselheira e orientadora sexual especializada em restituir aos homens a sua condição natural, ou seja, a deixarem de ser gays.

Não percam, porque isto é brilhante! Comecei a rir assim que Meryl Strrep apareceu no ecrã, com aquele penteado híbrido de Dolly Parton e Victoria Principal em Dallas, o ar de dona de casa suburbana e a vozinha de veludo. Meryl Streep, já sabemos, dispensa adjectivos, seja em que registo for. Lisa Kudrow, aqui muito formal, mostra uma vez mais a extraordinária comediante que é. 

O segundo episódio com Meryl está aqui e o terceiro aqui., Na barra lateral encontram ainda alguns extras.

Obrigada, muito obrigada, Tê, por me dar a conhecer esta coisa deliciosa!

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ALELUIA!!

Foram precisos 29 anos e 14 nomeações em outros tantos papéis extraordinários perdidas em brancas nuvens para que a minha adorada Meyl Streep voltasse a ganhar o Oscar de melhor actriz principal. O seu desempenho como Margaret Thatcher é coisa de nos tirar a respiração, não é Meryl que vemos ali, é a Dama de Ferro, de tal forma ela mergulhou no papel e se diluiu na personagem, aparência, postura, voz e acentuação incrivelmente iguais.

Ninguém teve tantas nomeações para o Oscar, mas ainda só conquistou três, um deles como melhor actriz secundária. Espero que ainda  ultrapasse os  quatro da lendária Katharine Hepburn, quatro como melhor actriz principal. Meryl merece infinitamente mais. Só comecei verdadeiramente a gostar de Katharine Hepburn a partir da sua meia-idade, só aí a considero verdadeiramente uma grande actriz.

Tive muita pena por Glenn Close, outra grande, que adoro, e que está extraordinária em Albert Nobbs. Acresce que tem uma carreira menos activa e que lhe são dados menos papéis em que possa brilhar como neste, enquanto Meryl, ano após ano, surge com novas grandes actuações. Provavelmente esta terá sido uma das últimas ocasiões em que Glenn Close poderia ter ganhado o Oscar (e nunca perdoarei à Academia que o tenha dado a Cher e não a ela).

Outra alegria foi o Oscar deste grande senhor. O teatro é o seu amor maior (quem me dera poder vê-lo actuar!), e no cinema especializou-se em papéis secundários a que imprime sempre a marca pessoalíssima de um grande actor. 


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Joan Plowright como Lady Bracknell

Dame Joan Plowright, baronesa Olivier, Lady Olivier, a viúva de Lord Laurence Olivier, o actor mais reverenciado de todo o século XX, fundador e primeiro director do meu tão amado National Theatre. Adoro-a. Dame Joan detém também a glória de ser, até hoje, a única actriz a ter conquistado dois Globos de Ouro no mesmo ano.

Abaixo a sua assombrosa prestação como Lady Bracknell. Que, apesar de tudo, não é a minha favorita. Prefiro-lhe a caricatura de Dame Wendy Hiller. Dame Joan é, fisicamente, uma Lady Bracknell mais adequada, mais nova, diria que com a idade certa. É também, seguramente, a mais socialmente acertada e aceitável, com uma contenção admirável e, no entanto, irresistivelmente cómica. Dame Joan, não podemos esquecer, vem de uma escola de teatro mais natural e realista, fez a primeira produção do Entertainer de John Osborne, participou activamente em toda a renovação do teatro que foi o grupo dos Angry Young Men.

Uma grande senhora e uma das maiores glórias do teatro britânico.


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Agatha dearest

«One knows that an author has been well loved if, when he or she dies, fans wish there was one more book left for them to read; no one is more deserving of such an accolade than Agatha Christie.»

Estas são as linhas finais de um livro que li há pouco tempo, graças à I., já que lhe desconhecia a existência, e que me apaixonou: Agatha Christie and the Eleven Missing Days, de Jared Cade.

Tanto a I. como eu achámos o livro apaixonante e (palavras dela em privado, com as quais concordo integralmente), escrito com muito carinho e humanidade. Eu vou um bocadinho mais longe: acho que o livro é uma soberba biografia. Para devotas da obra de Agatha Christie como nós, juntou muitas pontas soltas, pontas muito dolorosas para a escritora, coisas que nem sequer remotamente aflorou na sua autobiografia (cuja leitura, ainda assim, recomendo).

Muitas vezes, ao reler Agatha Christie (sim, eu releio-lhe os livros), tropecei na sua imensa compaixão por amores desesperados, nas descrições que intuí serem quase pessoais. À cabeça ponho a Elinor de Sad Cypress (em português Poirot Salva o Criminoso), senti que havia ali muito do seu imenso amor pelo primeiro marido, Archie; ponho também a Elsa de Five Little Pigs (Poirot Desvenda o Passado), que me parece um exercício quase catártico. Outras personagens há. Até no ciúme feroz e orgulhoso de Mary Cavendish, no seu primeiro livro, poderíamos já encontrar pistas para o seu trágico primeiro casamento.

À medida que vou envelhecendo, os livros de Agatha Christie vão-me sendo ainda mais queridos. Comecei a lê-la aos 16 anos, incitada pelo D., o meu namorado. A Colecção Vampiro Gigante, que ia publicar a sua obra integral por ordem cronológica, tinha acabado de ser lançada. Um livro novo de três em três meses, dei comigo a desejar que aquilo se prolongasse muito mais, não queria o dia em que já não houvesse um livro novo para ler.

Outras palavras de Jared Cade que me tocaram muito, por perceber muito bem aquilo de que ele fala, aquela nostalgia de um tempo perdido:

«Agatha was destined to be known as the disappearing novelist in more ways than one; much of the world she knew and wrote about has almost completely vanished: a world of chauffeured Daimlers and Bentleys, solvent aristocracy and stately homes.» — a isto voltarei amanhã, a propósito de Miss Marple.

Não foi fácil encontrar um retrato de Agatha Christie para pôr aqui, um retrato que lhe fizesse justiça, o mais provável é que fosse apenas pouco fotogénica. Jared Cade é peremptório, era uma mulher muito atraente e com grande encanto, foi-o até depois dos 40 anos, quase até aos 50, repete-o várias vezes ao longo do livro.

E agora temos um novo destino de sonho, a I. e eu: Greenway.

Mais, muito mais haveria a dizer sobre Agatha Christie. Acho que fica para outro dia, tão cansada me sinto.

Recado para a Charlotte: corre a comprar o livro. É uma autêntica biografia. E das melhores.

Apontamento à margem: este retrato de Agatha Christie é de 1926, o ano da grande tempestade, que só detonou em grande em Dezembro. Aposto que o casaco de malha que Agatha veste era de Archie: abotoa ao contrário, à homem.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

As good as new

Chegou. Nunca encomendo um único artigo, prefiro juntar dois ou três, o suficiente para perfazer as 25 libras que me isentam de portes de envio. Juntei este e o de Sondheim na mesma encomenda.

Hardcover, como eu gosto. Em muito bom estado, diz o honesto vendedor. O preço está à direita, se carregarem na imagem conseguem vê-lo. E, de caminho, perceber por que é cada vez mais raro eu comprar livros em Portugal. José Rodrigues dos Santos a vinte e tal euros? Nem dado, quanto mais por esse preço!

Em muito bom estado? Está como novo!

Obrigada pela sugestão, I.!


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Mais uma nomeação para o Oscar

Mesmo sem ver o filme, não é preciso ter artes de vidente para prever que Meryl Streep terá no próximo ano mais uma nomeação, a sua 17.ª nomeação, recorde absoluto. Como Margaret Thatcher, em The Iron Lady.



(informação recolhida em Enchanted Serenity of Period Films. Thanks, Charleybrown!)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Elizabeth Taylor

Mais um assombroso retrato desta mulher inacreditavelmente bela, aqui na maturidade dos 50 e tal anos.

quarta-feira, 23 de março de 2011

O outro lado de Elizabeth Taylor

Há vantagens em ser mais velha (ou simplesmente velha, como me chamam recorrentemente na blogosfera, e eu sorrio da rapidez com que vão chegar à minha idade, é que nem sonham). Para começar, lembramo-nos de mais coisas, pelo menos enquanto o senhor alemão não anunciar a sua visita. Podia enunciar muitas outras vantagens, mas correria o risco de me acusarem (sempre os mesmos adoráveis anónimos) de estar a armar-me em boa, dizem que é coisa que faço o tempo todo.

Tenho idade para ser mãe de boa parte dos meus leitores favoritos (uma mãe novinha, pronto). A maior parte dos meus leitores não pode sequer supor o que foi o terror de uma nova doença que o mundo conheceu em 1983, uma doença chamada SIDA. Doença que matava e que trazia uma conotação odiosa, aparecia colada à homossexualidade. Muitos tentaram fazer passar a ideia de que era um castigo, eu mantive-me apenas fiel às minhas amizades. Como Elizabeth Taylor.

Estava eu de férias na Suíça quando Rock Hudson morreu, em Outubro de 1985. À época entrava numa série de televisão famosa  que nunca será escolha minha, toda a gente que contracenou com ele em Dinasty entrou em pânico, era a Idade das Trevas, sabia-se muito pouco sobre a doença. Elizabeth Taylor, nunca esqueçamos, foi a primeira pessoa a dar visibilidade à doença, A perda de um grande amigo, o seu co-protagonista em Giant, lançou-a na batalha. E angariou muitos milhões de dólares. Reconheço-me nesta lealdade aos amigos.

Muitos anos antes, o enorme actor que foi Montgomery Clift, o seu galã no inquietante A Place in the Sun, teve um terrível desastre de carro, saído de uma festa em casa de Liz. Foi ela que deu com ele, foi ela que lhe salvou a vida, enfiando-lhe resolutamente os dedos  garganta dentro, a cara  perfeita uma massa de sangue de arrepiar, os dentes partidos a sufocarem-no. 

Todos sabemos que o seu grande amor foi Richard Burton, as lendas vivem de amores assim. Não houve filhos biológicos desse grande amor, houve uma filha muito amada, Maria, criança adoptada por razões muito precisas. Era doente, estava em risco de vida, escolheram-na por isso mesmo. 

Deus tem um lugar especial para Elizabeth Taylor, aposto. E Richard Burton estará lá com ela.

A última grande estrela


Elizabeth Taylor. A mulher dos olhos violeta. A mulher de uma beleza de cortar a respiração. Grande actriz, não obstante a vozinha irritante. Contudo, será sempre como a Martha de Who's Afraid of Virginia Woolf? que a lembrarei. O papel deu-lhe o segundo Oscar, nesse ano a Academia devia ter também premiado Richard Burton, seu marido por duas vezes, senhor de voz inesquecível, o amor maior da sua vida de muitos amores e muitas tragédias.

Acredito que se reencontrarão.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Scarlett who?

Greta Garbo, cena final de Queen Christina

Ou a abissal diferença entre ser bela e ser apenas boa.

O título, roubado à Luna, é de uma rubrica a que ela volta ciclicamente, tão grande a embirração que tem por Scarlett Joansson, e que eu e muitas outras mulheres partilhamos, como pode ler-se na caixa de comentários deste post de ontem, numa animação fervilhante.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

La Stupenda più non è

Dame Joan Sutherland, La Stupenda
7-11-1926 — 10-10-2010

A minha adorada Dame Joan Sutherland partiu ontem, a menos de um mês de completar 84 anos, a 6 dias de festejar o 56.º aniversário de casamento com o Maestro Richard Bonynge.  

Foi só a meio da tarde que soube, e confesso que foi um choque tremendo. E também confesso que chorei, o mais discretamente possível, a cabeça a esconder-se por trás do monitor. Tal como não consigo impedir que as lágrimas corram agora, já em casa, a ouvir-lhe a voz miraculosa, como em tantos outros milhares de vezes no passado. Muitas vezes a voz vinda do Céu, fosse como Lucia, Norma, Violetta, Amina, Elvira, Donna Anna, Semiramide, Lucrezia, Anna Bolena, Maria Stuarda , ou qualquer outra das suas tantas heroínas, me fez chorar. Mas hoje é diferente. Porque Dame Joan já não é deste mundo, e Dame Joan foi, é e será sempre todo um mundo para mim.

Que pena tenho do marido, que pena tenho do filho! E como Marilyn Horne deve estar triste! Grande amiga, companheira de tantas e tantas noites de glória, a portentosa voz que de tal modo se entrelaçava na sua nos duetos que às vezes chegava a ser uma vertigem, uma saturação de beleza, eu já desnorteada, sem saber bem quem cantava que notas, tão assombrosa era a fusão.

Hoje e nos próximos dias só se ouvirá Dame Joan Sutherland cá em casa. Esta noite farei serão, não me deito sem ter ouvido pelo menos Lucia e Norma na íntegra. E, se não estivesse precisamente na semana mais dura de trabalho de todo o ano no Colosso, era rapariga para tirar dois dias de férias para ouvir religiosamente tudo o que Dame Joan cantou. Assim, e porque não tenho outro remédio, todas as outras ficarão, aos bocados, na medida do possível, para os próximos dias.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Life imitates Art

A mais nobre das dinastias do Teatro: Vanessa, Corin e Lynn Redgrave; Rachel Kempson, a mãe


Quando, há menos de dois anos, vimos Vanessa Redgrave no National Theatre na pele de Joan Didion em The Year of Magical Thinking, estávamos longe de imaginar as sucessivas tragédias que se aproximavam. Quando, menos de duas horas mais tarde, as tivemos como vizinhas de mesa no restaurante, mãe e filha, Dame Vanessa e Natasha Richardson, estávamos a anos-luz de poder sequer pensar que aquela lindíssima mulher, tão nova, que o Vítor apanhou a sacudir desesperadamente o isqueiro à porta do The Wolseley, deixaria este mundo no breve espaço de oito meses. Quando, uma hora antes dessa cena tão cómica, conversei brevemente com Dame Vanessa e concordámos que o texto da peça era poderoso, era magnífico, estávamos ambas longe de imaginar que aquela tremenda frase que é a abertura da peça, And it will happen to you, iria abater-se sobre ela, a vida a imitar a arte, a vida sempre entretecida com a morte a levar-lhe também a filha adorada que jantava ali com ela nessa noite, à nossa beira, tal como tinha levado a filha de Joan Didion, que ela tinha representado no palco.

A morte de Natasha Richardson perturbou-nos demasiado aos dois. Principalmente porque era impossível dissociar aquela terrível perda, a mais dura que um ser humano pode sofrer, a perda de um filho, da perda de Joan Didion a que Dame Vanessa tinha dado voz. A vida a imitar a arte. «Life imitates Art far more than Art imitates Life», nas palavras do meu amado Oscar Wilde.

Natasha Richardson, a nossa inesquecível Sally Bowles do Cabaret de Sam Mendes, teve uma morte absurda, a 18 de Março do ano passado. Condoemo-nos indizivelmente do sofrimento de Vanessa Redgrave. Um ano mais tarde, a seis de Abril, parte Corin Redgrave, o irmão, com 70 anos. Menos de um mês depois, ontem, foi a vez de Lynn, a irmã, aos 67. O Teatro está hoje de luto. É um lugar-comum, mas é terrivelmente verdadeiro, tão grande é a importância da dinastia Redgrave. Vanessa era a mais velha dos três irmãos, com 73 anos.

E eu tenho uma compaixão infinita pela sua dor esta noite, dor que nem consigo começar a imaginar, somatório de dores tremendas e sucessivas, mal a deixando respirar, ao longo de um único ano. The Year of Magical Thinking — como se, ao vestir a pele de Joan Didion em palco,  ao dar-lhe voz, tivesse atraído para si perdas igualmente terríficas. A seguir à morte de Natasha tive a certeza de que ela nunca mais conseguiria levar aquele papel ao palco, tão desgarradoramente pessoal o texto se tinha tornado. Enganava-me, aparentemente, houve notícias no meio teatral de que voltaria a fazê-la (e eu estaria lá, nem que fosse em Asunción, Paraguai). Não pelo morbo (eloquente substantivo castelhano para o qual não encontro tradução que me satisfaça), mas para render homenagem a uma verdadeira  heroína. Agora tenho a certeza absoluta e definitiva de que Dame Vanessa não voltará a dizer em palco o monólogo de mais de hora e meia que esta noite deve passar-lhe inteiro na cabeça, uma e outra vez, todo aquele revolver da perda, das perdas tremendas. Lembro o seu gesto tão espontâneo e caloroso, a afagar-me o pulso em agradecimento da emoção que sentiu genuína, aquele «Thank you. Thank you.» A Vida imita a Arte, sim. Mas esta noite ela é só a mãe e a irmã, respeitemos. E é por isso que prefiro que desta vez se lixe a Arte e que o mundo perca mais uma extraordinária representação de Dame Vanessa Redgrave (que muito boa gente, que sabe bem mais disto do que eu, considera a maior actriz de palco viva). Tenho tanta, tanta, tanta pena!
Natasha Richardson e Vanessa Redgrave, Evening

quarta-feira, 10 de março de 2010

Love Song to a Stranger

Joan Baez canta esta noite em Lisboa e eu não estou no Coliseu, por decisão consciente, por não querer macular a lembrança mágica daquela noite de 2 de Agosto de 1980, dos meus 19 quase 20 anos, eu sentada no chão na primeira fila do Dramático de Cascais, as lágrimas a correrem numas bochechas muito lisas e frescas. Joan Baez foi de tal forma omnipresente na minha adolescência que aquele encontro funcionou um pouco como a  conclusão oficial desses anos tão felizes e tão cheios. Para a frente vinham tempos duros, muito sofrimento, coisas que à época eu não poderia ter pressentido. Três anos mais tarde, quando Joan Baez voltou a cantar em Portugal, lá estava eu outra vez, mais velha, já com cicatrizes, mas continuando sempre com uma fé inabalável nas palavras do poema de Dylan que ela voltou a cantar, aquele maravilhoso Forever Young que tanto continua a comover-me. O concerto decepcionou-me terrivelmente. De repente lembrei-me dos versos de Álvaro de Campos sobre Portugal, sobre sermos um povo que ficou sem trabalho depois de descoberta a Índia. Joan Baez, acabada a guerra do Vietname, andava à deriva, à procura de uma causa. Pior ainda, foi nessa noite que descobri a sua nunca resolvida obsessão por Dylan. Ouvi-la cantar uma coisa patética e de qualidade abaixo de zero chamada Children of the Eighties, parte do seu disco mais recente, exasperou-me. Um certo verso, que ainda lembro perfeitamente (e nunca mais voltei a ouvir tal coisa, graças a Deus), até me fez revirar os olhos: «And we don't care if Dylan's gone to Christ.» Só me apeteceu gritar-lhe «Ó mulher, get over it already! Ele até te trocou pela Judy Collins!»

Não, foi mesmo melhor não ter ido esta noite ao Coliseu (sala que, de resto, abomino — pior só mesmo o Pavilhão Atlântico). Tenho os tantos discos, a voz linda, isso anda sempre comigo. E esta Love Song to A Stranger, uma das músicas da minha vida, que continua a comover-me tanto hoje como na primeira vez que a ouvi.  Letra e música dela. A contarem uma história verdadeira, como fiquei a saber pela sua autobiografia, And A Voice To Sing With, que o M. me trouxe há muitos anos de uma viagem de trabalho ao Canadá, a mesma que pegava com uma abortada ida nossa a NY, que tivemos de trocar por... Cantanhede. Isto só comigo!

O bilhete à esquerda não é meu, é de uma Old Soul também presente no concerto, só viríamos a conhecer-nos quase trinta anos depois, não é curioso?

Love Song to A Stranger
How long since I've spent a whole night in a twin bed with a stranger
His warm arms all around me?
How long since I've gazed into dark eyes that melted my soul down
To a place where it longs to be?
All of your history has little to do with your face
You're mainly a mystery with violins filling in space

You stood in the nude by the mirror and picked out a rose
From the bouquet in our hotel
And lay down beside me again and I watched the rose
On the pillow as it fell
I sank and I slept in a twilight with only one care
To know that when day broke and I woke that you'd still be there

The hours for once they passed slowly, unendingly by
Like a sweet breeze on a field
Your gentleness came down upon me and I guess I thanked you
When you caused me to yield
We spoke not a sentence, took not a footstep beyond
Our two days together which seemingly soon would be gone

Don't tell me of love everlasting and other sad dreams
I don't want to hear
Just tell me of passionate strangers who rescue each other
From a lifetime of cares
Because if love means forever, expecting nothing returned
Then I hope I'll be given another whole lifetime to learn

Because you gave to me oh so many things it makes me wonder
How they could belong to me
And I gave you only my dark eyes that melted your soul down
To a place where it longs to be