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terça-feira, 18 de outubro de 2011

Trinta anos

Trinta anos certos são os que nos separam hoje, à Luísa e a mim, desta imagem. Foi justamente a 18 de Outubro de 1981, eu com vinte e um anos, ela com vinte. Nas voltas da vida, esta fotografia e outras viriam a ser-me discretamente surripiadas de um álbum, a Luísa trouxe-ma de volta há dois meses, no dia dos meus anos.

Trabalhávamos então no Great American Disaster do Marquês de Pombal, que inaugurámos e que nos deixou histórias hilariantes para o resto da vida. Era um trabalho em part-time (para nós duas, no mesmo turno, e amigas para sempre, terças, quintas, sábados e domingos ao almoço, do meio-dia às quatro), só admitiam estudantes universitários e eram esquisitíssimos na selecção — era bem trabalhar no Disaster, de filhos de embaixadores a filhos de ministros havia de tudo. Em Outubro um amigo do Vasco, que era um dos donos, ia abrir o Biergarten em Cascais e pediu-lhe pessoal para a inauguração. Já não me lembro de quem fez a selecção, se ele ou o Vasco, só sei que eu e a Luísa fomos convidadas e depois destacadas para ficar à entrada, a receber os convidados, naquelas fatiotas ridículas, uma espécie de dirndls pindéricos.

O trabalho de duas noites foi regiamente pago, andou perto do valor de um mês de ordenado no Disaster. Como ocupou as noites de sábado e domingo, o M. ficou muito melindrado. Na primeira noite, quando me foi buscar, já madrugada e com trombas de palmo e meio, entregou-me uma carta. Sim, nessa época os namorados escreviam-nos cartas, e ele escrevia especialmente bem. Nunca esqueci uma frase dessa carta daquele 18 de Outubro: "Não há dinheiro no mundo que possa pagar o tempo que devia ser nosso."

Como se pode ser tonto quando se é muito novo! Foi justamente esse dinheiro que tanto o irritava que nos custeou uma semana de férias no Baleal. O M., cabecinha brilhante, tinha-se formado em Junho. Já trabalhava na empresa havia um ano, assim que se formou foi logo promovido a director financeiro (era uma grande multinacional do ramo automóvel). Mas como tinha comprado um carro e tinha prestações muito altas para despachar aquilo mais depressa, a liquidez era pouca. Posso dizer que a partir de meio do mês saídas (o nosso adorado Stone's) e cigarros eram pagos pela minhas gorjetas no Disaster. E eu era positivamente a campeã das gorjetas. É provavelmente por isso que ainda hoje faço questão de deixar uma gorjeta simpática nos restaurantes, nunca abaixo de dez por cento — nos Estados Unidos é que dói mesmo na pele, aí já acho um exagero. Mas tenho histórias delirantes de gorjetas, à cabeça a do dono das Caves Aliança (a Luísa deve lembrar-se) e a de um certo casal americano.

E agora desceu sobre mim uma saudade. Lembrei-me do Jorge, do querido Jorge. Foi ele que me telefonou um dia a dizer que o Great American Disaster precisava de empregados, estaria eu interessada? Eu jantava lá com muitas vezes, à época era sítio na moda, achei a ideia divertida. Anos mais tarde, seria também o Jorge a telefonar-me a dizer que o Rui precisava de uma secretária, e que achava que eu era a pessoa certa. E assim, estranhamente, o Jorge ficou para sempre ligado a coisas que tão importantes viriam a ser na minha vida por tudo o que me trouxeram, pessoas, vivências, aprendizagem.

domingo, 22 de novembro de 2009

Despedida

Vêm-me à memória Os Maias, e o Alencar, num Ramalhete enlutado, a seguir à morte dessa grandiosa personagem que é Afonso da Maia, todo na emoção de lembrar o passado e os amigos desaparecidos: «O que me vale agora são vocês, rapazes, a gente nova. Não me deitem à margem! Senão, caramba, quando quiser fazer uma visita, tenho de ir ao cemitério.»


O meu amigo Jorge partiu na madrugada de ontem. Bateu-se como um leão, mas a doença, que eu julgava que ele venceria, pôde mais. Aguentou estóico até ao fim, sem um queixume, escreveu no blogue até à antevéspera. A última entrada é de quinta-feira, às 18h37, a última de onze nesse dia. Detenho-me a analisar as horas a que cada um dos seus últimos pensamentos públicos foi publicado, tentando aproximar-me um pouquinho dele, tentando levantar um pouco a ponta do véu que cobre o grande mistério. À hora a que o Jorge escrevia pela última vez no seu Tomar Partido, eu estava ainda no Colosso. Os comentários não chegaram a entrar, tenho a certeza de que haverá muitos como o meu, a deixar-lhe um último beijo, a dizer-lhe que ele é importante nas nossas vidas.

Nos últimos anos tínhamos perdido contacto, reencontámo-nos graças ao Facebook, num dia de Outubro passado estremeci de alegria ao encontrar um pedido de amizade dele, de quem havia tanto nada sabia. Foi uma festa! Nesse dia, feriado, falámos horas e horas. O que nós falámos, santo Deus! E iguais a sempre, iguais aos anos perdidos da Católica, às aulas em que nos sentávamos lado a lado, aos gelados na Pindô, aos cafés no Penta. O Jorge chamava-me, já nesse tempo, Teresinha, assim continuava a chamar-me. Foi nesse dia 5 de Outubro que soube da doença. Mais recentemente, soube da recaída. Continuei sem acreditar, era absurdo pensar a morte do Jorge, um ano e um dia mais novo do que eu. E logo ele, uma pessoa tão boa, tão íntegra, tão exemplar! Deus não ia permitir.

Mas Deus permitiu. Não me revolto contra o que não compreendo, aceito, como aceito o sofrimento que daí me vem, tal como faço dele oferenda, desejando que possa servir para resgatar uma outra dor qualquer, algures, neste mundo tão cheio de sofrimento. Fico apenas perplexa, além de muito triste. E com uma noção ainda mais aguda da minha própria própria mortalidade. O Jorge, o querido Jorge, como disse, era mais novo do que eu um ano e um dia — chegámos a festejar juntos os nossos anos, o meu dia a prolongar-se no dele.

Impressiona-me também muito que o blogue do Jorge agora continue eternamente igual, imutável, a moderação de comentários a barrar a entrada de novos testemunhos. Não, decididamente, não quero a tal moderação de comentários no meu, mesmo correndo o risco de apanhar comentadores anónimos e peçonhentos — eu, que nada tenho a dar ou a dizer ao mundo, estou demasiado afeiçoada a este meu insignificante espaço, quero-o sempre vivo, vivo enquanto puder sê-lo, mesmo que eu não possa acompanhá-lo. Há muito que me saiu das mãos e que deixou de me pertencer.

Foi pela Helena, a milhares de quilómetros, em Berlim, que soube da partida do Jorge. Tinha lido a notícia, não era mais uma notícia de uma morte qualquer, anónima, esta morte tinha uma cara, a de uma pessoa que tinha conhecido recentemente e de quem guardava uma lembrança muito grata. Foi ao blogue, começou a ler a etiqueta "Pessoal", tropeçou numa referência a mim, escreveu-me imediatamente.

A página do Jorge no Facebook é neste momento uma interminável sucessão de testemunhos, de homenagens. Foi graças a esses testemunhos que fiquei a saber que, como se tudo o mais não bastasse, o Jorge também tinha sido um extraordinário Professor, daqueles que nos deixam marcas para a vida inteira. As mensagens entristecidas e carinhosas dos seus alunos, em que perpassa uma enorme admiração, são imensas. É de lágrimas nos olhos que as leio e releio, feliz de o saber tão querido.

É com um sorriso enternecido que releio a sua última entrada no Facebook, a trair aquela que era, a par da política, a sua outra grande paixão: o futebol (e o Benfica, claro!).



A notícia do Público:

Morreu Jorge Ferreira, o político frontal e generoso
21.11.2009 - 18:33 Por Maria José Oliveira 



Das lutas políticas travadas no Liceu Gil Vicente, em Lisboa, após o 25 de Abril, até à fundação do Partido da Nova Democracia (PND), em 2003, e, mais recentemente, ao activismo espelhado no seu blogue (tomarpartido.blogs.sapo.pt), Jorge Ferreira manteve intocável uma das faculdades que mais o distinguiram na vida político-partidária: a frontalidade. É essa a qualidade mais evidenciada por quem acompanhou a sua vida política, ao seu lado e no campo adversário.

Jorge Ferreira, 48 anos, morreu esta manhã, em Lisboa, vítima de doença prolongada. O velório realiza-se hoje, a partir das 20h00, na igreja da Penha de França, em Lisboa. E o funeral sai amanhã, às 15h00, da igreja para o cemitério de Oeiras.

Na passada semana enviou aos seus alunos do Instituto Politécnico de Tomar, onde dava aulas há dez anos, uma carta de despedida. E no blogue que criou em Dezembro de 2006, o último texto que escreveu (sobre os cálculos do Governo para o défice deste ano) data da última quinta-feira, dia em que publicou 11 “posts”.

Através deste blogue, que actualizava quase diariamente, os leitores ficaram a conhecê-lo um pouco melhor: gostava dos Queen, de coleccionar postais antigos, e do filme “Era uma vez na América”, de Sergio Leone.

O activismo político deste advogado teve início nos movimentos associativos estudantis. Seguiu-se a Juventude Centrista (JC), onde conheceu Manuel Monteiro, e depois o CDS-PP. Durante a liderança de Monteiro ocupou as funções de vice-presidente do partido e, entre 1996 e 1998, foi líder da bancada parlamentar. “Já nas reuniões da JC nunca se preocupava em ter votos ou palmas, mas antes em dizer a verdade. E fez o mesmo no Parlamento”, recorda Monteiro. Que diz ter partilhado com Ferreira uma “lealdade” e uma “cumplicidade” singulares na política nacional. “Eu não perco um amigo; perco o amigo. Deu-me muito mais a mim do que eu a ele.”

Foi quando Ferreira liderava o grupo democrata-cristão que Maria José Nogueira Pinto se estreou no Parlamento, tendo sido a sua sucessora na presidência da bancada. “Foi extremamente generoso porque ensinou-me e explicou-me tudo na fase de transição”, afirma. “Tinha um feito muito especial. Era frontal e impulsivo”, lembra, sublinhando que “são pessoas assim que fazem falta.”

A frontalidade e a generosidade de Ferreira são também evocadas por Miguel Relvas, o social-democrata que, nas autárquicas, reencontrou-se com o seu amigo na corrida à câmara de Tomar – Relvas foi candidato à Assembleia Municipal, e Ferreira encabeçou o movimento independente “Tomar em primeiro lugar”. “Muitos dos seus adversários”, diz, “confundiam a sua frontalidade com uma atitude belicista, mas ele era muito generoso”.

João Almeida, secretário-geral do CDS/PP, afirmou, citado pela Lusa, que Ferreira “fez parte de uma geração que renovou o partido” em meados dos anos 90.»



Do político Jorge Ferreira não sei muito, a não ser que tentava persistente e baldadamente levar-me para o CDS. Só sei do meu amigo Jorge, e foi justamente por essa obstinação dele que há pouco mais de um mês muito rimos a lembrar uma história muito antiga. O Jorge andava havia dias a moer-me o juízo para me convencer a ir a um jantar de homenagem do CDS a Lucas Pires (que, por acaso, até era nosso professor). Eu despachava-o risonhamente, ele voltava sempre à carga. Ainda me lembro do preço do jantar: 500$00 (dois euros e meio, hem?). Não me lembro da data, julgo que terá sido em 1978 ou 1979. O que sei é que o jantar era na Churrasqueira do Campo Grande, e que o Jorge era um dos organizadores. No dia do jantar, ao fim da tarde, a caminho de casa, a passar num quiosque vejo os títulos nos vespertinos: a Churrasqueira do Campo Grande tinha sido quase totalmente destruída por um incêndio. Com a malícia dessa idade, enfiei-me imediatamente numa cabine, a telefonar ao Jorge, a anunciar-lhe que não ia haver jantar. O pobrezinho, que não sabia de nada, estava prestes a sair de casa, a princípio achou que eu estava a inventar. Suponho que o jantar de homenagem a Lucas Pires se tenha realizado noutro dia, noutro lugar, a Churrasqueira do Campo Grande ficou fechada durante mais de um ano para obras.


Não cheguei a estar com o Jorge, há tão pouco tempo reencontrado. Resta-me a memória. Voltaremos a encontrar-nos, meu querido.


Pachelbel — Canon in D Major