Isto devem ser resquícios de infância. Ainda me lembro com uma ponta de amargura de que, quando Vicky Leandros ganhou a Eurovisão com o grande
Après Toi (ainda falarei disso), o broche de cerejas que levava como único enfeite em cima do severo vestido preto fez furor. Quinze dias depois, as réplicas vendiam-se em toda a parte e toda a gente usava aquilo. Eu também queria! Até porque uma colega de turma já tinha! Chamava-se Anabela, o que podia ser uma pista. A minha Mãe despachou-me e atirou-me para canto com um ríspido «isso não é para a tua idade» e eu lá engoli a decepção como pude. Tinha onze anos, idade em que se é mesmo muito piroso.
Todos temos os nossos recantos obscuros. Eu tenho esta costela pirosa, não há volta a dar-lhe. Não vou ao ponto de gostar de Il Divo... mas tenho cá as minhas asas quebradas, que acabam por redundar em piroseira. O patriotismo é uma delas. Há lá coisa mais bonita que ver subir a nossa bandeira num mastro, em terra estrangeira, ao som do hino nacional? Até parece que fui eu a ganhar aquilo, choro sempre, é infalível. Então se forem as imagens da vitória de Carlos Lopes na maratona dos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, sai dilúvio. É que choro mesmo baba e ranho!

Sou benfiquista de alma e coração. A fotografia à esquerda, da dedicatória do querido Rui, a quem tanto devo, num livro no qual muito trabalhei, bem o atesta — é uma história engraçada, fica para breve. Embirro solenemente com o Porto, nada a fazer. A não ser que (alto lá! aí pára o baile) o Porto jogue com estrangeiros: transformo-me na mais leal adepta, vejo o jogo numa ansiedade. É Portugal,
carago!
Eu levo estas coisas do Europeu e do Mundial muito a sério, tenham lá paciência. Bem sei que em nada melhoram a vida do povo português, tão longe de ser fácil. Bem sei que são apenas um hiato num quotidiano muito duro. Bem sei que cada vitória é só isso, uma vitória, e que no dia seguinte a realidade é a de sempre. Mas é Portugal, e eu gosto de me orgulhar de Portugal!
Não vivi o mítico Mundial de 1966, era muito pequena. Vivi o Europeu de 1984 com toda a intensidade. Acabei rouca de tanto gritar naquele desaire no Parque dos Príncipes, nos feriados de Junho, estava eu no Algarve. Vivi em cheio o Europeu de 2000 até ao momento da derrota, aquele Portugal-França de 28 de Junho a que não assisti em directo porque um outro amor, infinitamente maior, tinha falado mais alto: a Música. Estava num concerto de Andreas Scholl, já contei
aqui. Vivi — e como! — o Europeu de 2004. Com todos os sinais exteriores de saloiice. Bandeira na janela, bandeira no carro. Ia o Europeu a meio, o meu amigo António convidou todo o grupo do Liceu para uma sardinhada na sua coutada do Alentejo. O dia foi prodigiosamente divertido, não obstante... a) eu detestar sardinhas — fui pelo
convívio; b) ter sido o dia mais quente desse Verão, para mim ainda mais grave por o rafeiro tinhoso que por lá andava se ter tomado de amores por mim e ter resolvido instalar-se em cima dos meus pés durante o longo almoço; e c) ter sido impiedosamente achincalhada pelo grupo todo por andar de bandeira nacional na janela do carro; a Vanda também. Aguentámos os sarcasmos de cabeça erguida e em atitude de desafio.
A Vanda é uma das pessoas mais inteligentes que conheci em toda a minha vida. Eu não sou completamente estúpida. Por natureza, somos avessas a superstições. Coisa curiosa, criámos superstições nesse Europeu de 2004. Ela, por mero acaso, tinha comprado mais um Swatch no dia da primeira vitória de Portugal e estava com ele posto aquando do jogo. Passou a usá-lo sempre que Portugal jogava. Eu, por mero acaso também, e porque o restaurante onde almoçava todos os dias fechava à quarta-feira, fui no dia do nosso segundo jogo, que era contra a Rússia e que ganhámos, almoçar aos frangos de Chão de Meninos. Passei a ir lá almoçar sempre que Portugal jogava, não fosse o Diabo tecê-las...
Isto para não falar em cachecol ao pescoço enquanto vejo o jogo. A bandeirinha, como devem ter percebido, está na janela do carro.