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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

27 de Janeiro de 1945 - Libertação de Auschwitz

O texto que se segue foi inicialmente publicado no Delito de Opinião
em Abril de 2011, a convite do  Pedro Correia. 
Repito-o porque hoje se cumprem 70 anos sobre a libertação de Auschwitz. 
Como música de fundo, o Requiem do meu muito amado Mozart. 
Porque faz hoje 259 anos que Mozart nasceu.



O Gato de Janeiro

Nunca esquecerei o dia 24 de Janeiro de 2009. Foi o dia em que cumpri a promessa, antiga de muitos anos, de prestar homenagem aos cerca de três milhões de vidas que pereceram em Auschwitz. Três dias antes do 64.º aniversário da libertação do campo, a 27 de Janeiro de 1945.

A lista de nomes ilustres que por lá passaram ou lá perderam familiares é infindável (os pais do grande Billy Wilder, por exemplo, morreram em Auschwitz). Mas um nome ressalta, luminoso, a simbolizá-los a todos. O nome de uma adolescente de apenas quinze anos cuja voz cristalina continua a ecoar e a lembrar-nos que aquela tragédia aconteceu, que o Holocausto foi uma realidade: Anne Frank. O destino fez com que Anne Frank não se salvasse por muito pouco, por duas vezes, como que querendo que o seu diário (que, muito provavelmente, nunca teria vindo a público, tivesse ela sobrevivido) proclamasse para todo o sempre a infâmia, como um dedo acusador e indesmentível para toda a eternidade. O comboio que a transportou para Auschwitz foi o último a sair da Holanda com destino aos campos; Anne morreu no princípio de Março de 1945: se tivesse ficado em Auschwitz teria, possivelmente, sobrevivido; mas o exército vermelho avançava, vindo de Leste, e algures entre o fim de Outubro e os primeiros dias de Novembro de 1944, Anne e a irmã, Margot, foram levadas para Bergen-Belsen, mais a Ocidente, já na Alemanha. Recomendo a todos o extraordinário documentário Anne Frank Remembered, vencedor de um Oscar em 1995. Quando for a Amesterdão (que não conheço) hei-de visitar a casa-museu de Anne Frank. Outra peregrinação.

Ao contrário do que sucedeu em Dachau, há oito anos, desta vez fiz fotografias. Muitas. É que aquilo não pode ser esquecido. NUNCA. E levava uma incumbência. Pôr uma pedra (Os Judeus não põem flores, põem pedras) em memória do bisavô materno de um amigo, senhor respeitadíssimo e de rara erudição, de quem ele herdou um dos nomes, que morreu em Auschwitz, bem como quase toda a família desse lado, originária da Polónia. Recolhi em Auschwitz I uma pedra que depositei depois em Birkenau (Auschwitz II). É que o fim da linha de comboio, a linha de pesadelo que para entrar no campo passava por baixo daquela torre sinistra, ominosa, que visita às vezes os meus pesadelos como símbolo absoluto do Mal, era em Birkenau. Logo ali, junto à plataforma, eram feitas as selecções. Três quartos das pessoas seguiam directamente para a câmara de gás, só o quarto restante era usado (por tempo incerto e, quase sempre, muito breve) como mão-de-obra escrava. Para as crianças, os idosos e os deficientes Birkenau era o fim da linha, a morte imediata.



O Gato de Janeiro apareceu-nos numa manhã gélida, logo à entrada do campo, a seguir ao medonho letreiro de ferro que diz que o trabalho liberta. Baixei-me, ficámos uma eternidade em mimos, cócegas nas orelhas e no pescoço, ele a dar-me encorajadoras marradinhas nas pernas. Quando tentei despedir-me atirou-me uma sapatada certeira à bainha das calças, a puxar-me, acompanhada de um miado dengoso. «Não vás já embora! Quero mais mimo!» era a única interpretação possível para aquele gesto imperioso. Na atmosfera opressiva do campo, em que se fala baixinho, num sussurro respeitoso pelos horrores passados, aquele encontro cheio de afecto foi como uma pequenina clareira de sol ameno.

Esta manhã, dois anos volvidos, descobri que o meu Gato de Janeiro é célebre. Uma pesquisa no Google com as simples palavrinhas "Auschwitz cat" trouxe-me incontáveis notícias sobre ele. Apareceu um dia no campo e lá vive, anda sempre por perto da entrada, justamente na zona em que se deu o nosso encontro. Já houve até uma petição ao Governo polaco para lhe arranjar um abrigo, dados os frios rigorosos da região no Inverno. E não é ele, é ela. Insistem em chamar-lhe Rudolf ou Bruno. Prefiro chamar-lhe agora Messalina, em honra da inesquecível siamesa que morreu no meu colo três dias mais tarde, poucas horas depois do meu regresso de Cracóvia. A 27 de Janeiro, aniversário da libertação de Auschwitz, aniversário do nascimento de Mozart.

Aqui a têm, em imagens colhidas na Internet:







quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Trégua de Natal

A Grande Guerra, a que também chamaram esperançosamente «a guerra para acabar com as guerras», tinha começado a meio do Verão, em Julho de 1914. Os soldados a caminho da frente de batalha estavam genuinamente convencidos de que a luta seria breve e chegaria ao fim antes do Natal.  Tal não aconteceu. O horror prolongou-se por quatro longos anos e fez mais de 16 milhões de mortos.

aqui disse em tempos que a I Guerra Mundial foi a última guerra a reger-se ainda por padrões centenários, apesar de já haver aviação, apesar da invenção monstruosa do gás letal. Em boa verdade, poderá considerar-se que só com ela o século XIX acabou verdadeiramente. A guerra não matou apenas milhões de pessoas, matou também uma ordem social estabelecida. Mais do que qualquer outra nacionalidade, a britânica foi abalada até ao âmago e não mais seria a mesma. A fina-flor da nobreza (que viria a perecer em números aterradores), imbuída ainda dos ideais e códigos dos cavaleiros de outros tempos, persistia em ver no inimigo meramente um adversário, como se o confronto mundial se tratasse de uma justa da Idade Média. 

O ânimo com que oficiais e soldados partiram para a frente cedo esmoreceu. Com a chegada dos frios do Outono e logo a seguir dos rigores maiores do Inverno, começou a instalar-se o desânimo, um desespero surdo no fundo da miséria lamacenta das trincheiras. Acredito que, se dependesse dos soldados anónimos dos dois lados do conflito, a guerra poderia ter acabado naquele Dia de Natal de 2014, faz hoje cem anos.

Faz hoje cem anos que, em vários pontos ao longo da frente ocidental, soldados britânicos e alemães fizeram espontaneamente uma trégua, confraternizaram, improvisaram até partidas de futebol e — o que mais me comove — deram juntos sepultura aos camaradas caídos na terra-de-ninguém.

Sobre essa justamente célebre trégua do Natal de 2014 muito se escreveu e disse, deixo aqui apenas  um muito breve documentário, encontrarão outros mais extensos e aprofundados no YouTube — valem a pena.


Em 1983 Paul McCartney lançou o álbum Pipes of Peace. O vídeo da canção-título recriava a trégua de quase 70 anos antes:

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

220 anos

Diz-nos o nosso amigo Google, nesta deliciosa imagem, que faz hoje 220 anos que o meu querido Rossini nasceu. Eu diria que retrata a lição de música do Barbeiro; que vos parece, Helena e Paulo?

Em jeito de homenagem, não resisto a vir aqui pôr uma das suas aberturas que me são mais queridas, a de La Gazza Ladra, um encanto de vivacidade e alegria tonta.

E já que falamos em tonteira, e porque Rossini nasceu a 29 de Fevereiro, seguindo a teoria divertidíssima dos piratas para manteresm Frederic ao seu serviço até à sua maioridade, na minha adorada The Pirates of Penzance, podemos concluir que Rossini afinal não passa de um muito jovem senhor de 55 anos.

Auguri, Maestro!


sábado, 5 de novembro de 2011

Happy Big 70, dear Art Garfunkel


O meu arcanjo loiro de voz inacreditável faz hoje 70 anos. Como é possível? Tantos?

Art Garfunkel será sempre para mim a voz que cantou a canção de amizade mais perfeita de todo o sempre, Bridge Over Troubled Water

Art Garfunkel será sempre a outra metade daquele duo que para mim é um amor eterno, tão grande como o amor que tenho aos Beatles. Art Garfunkel é um dos amores da minha vida. Eu sei, são muitos. Mas ele é um dos maiores- É só ter ouvidos. A voz dele, santo Deus! A voz!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dois milagres e estranhas coincidências

Faz hoje precisamente um ano, a 13 de Outubro de 2010, eu ia assistindo no gabinete, de olhos maravilhados, ao resgate de 33 mineiros encurralados nas profundezas da terra havia 69 dias. E a cada mineiro que aquela estreitíssima cápsula ia devolvendo à superfície, à vida, à família e aos amigos, dava graças a Deus e pensava que estava a assistir a um milagre em directo.

Não me perguntem qual foi a estranha associação de ideias que fiz, mas de repente lembrei-me de um outro milagre, ocorrido muitos anos antes, e que me tinha impressionado tanto que nunca o esqueci: o do desastre dos Andes, em que um avião uruguaio que transportava uma equipa de râguebi, familiares e amigos em deslocação ao Chile, se tinha despenhado na alta montanha (ver aqui). Na altura eu tinha apenas 12 anos, mas lembro bem o muito que noticiários e jornais divulgaram a história. Anos mais tarde, já em 1977, já com 16 anos, foi com emoção que vi no cinema Roma um filme que reconstituía toda a trágica odisseia. A destacá-la de outros acidentes aéreos, a notícia que, após o resgate dos 16 sobreviventes, cedo correu mundo: isolados de tudo, a 3600 metros de altitude, com temperaturas de muitos graus negativos, sem água e sem comida, tendo ouvido pelo rádio do avião que as buscas tinham sido abandonadas, não tiveram outro recurso para se manter vivos senão alimentar-se dos corpos dos mortos. Só ao fim de 72 dias, e porque dois do grupo entretanto gastaram dez dias montanha abaixo em busca de socorro, em condições inimagináveis, seriam resgatados.



A televisão continuava a mostrar a subida dos mineiros à superfície, um a um. Comentei com a Conceição (dez anos mais velha do que eu) e com a Manuela (cinco anos mais velha, que tinha ido ao nosso gabinete por cinco minutos, só para se livrar por um bocadinho que fosse da insuportável colega). Ficaram a olhar para mim como se eu fosse marciana. Desastre de avião nos Andes? Hã? Estás a falar de quê?! E eu não conseguia acreditar. Como era possível que as duas — já adultas quando tudo aquilo tinha acontecido, enquanto eu era apenas uma catraia — não se lembrassem? Um pedacinho irritada, socorri-me do meu infalível amigo Google, já a virar o monitor para a Manela, que estava de pé, com um impositivo «anda cá, ó tonta!»

De repente, franzi os olhos, sou capaz de jurar que empalideci, a Manuela pelo menos disse que tinha ficado com uma cara muito estranha. Estranha? É possível, muito possível. O que fiquei foi muito perturbada. O terrível acidente dos Andes tinha sido justamente naquela data, a 13 de Outubro de 1972, fazia nesse dia 38 anos, faz hoje 39. E na véspera, precisamente na véspera, alguns dos sobreviventes tinham estado no Chile, no local das operações de resgate, para encorajar mineiros e familiares com o exemplo da sua história de sobrevivência, de tenacidade e de fé. 

Tinha planeado escrever aqui sobre isso nesse dia, infelizmente o trabalho arrastou-se até muito tarde, já era madrugada quando saí do gabinete. Ficou para hoje, um ano depois. Infelizmente, já não encontrei muita da informação então disponível. Há dois dias, através da sua página oficial (¡Viven!), enviei uma mensagem, tentando confirmar a sua presença no local e explicando as razões. A resposta não tardou a chegar, pelas mãos de Javier Methol, um dos sobreviventes, o mais velho de todos. Com palavras calorosas e encantadoras, tratou-me por tu, explicando-me que à época do acidente já era pai de quatro filhos e a sua mais velha era pouco mais nova do que eu, despediu-se com um abraço paternal. Obrigada, Javier, muito obrigada! Foram palavras que calaram fundo. Deus vos abençoe a todos. Não reproduzo a mensagem, que é de foro privado, o que posso garantir é que muito me comoveu.

De caminho confirmou que sim, que cinco deles tinham estado no Chile. O grupo inteiro, solidário, queria ir. O Presidente do país dissuadiu-os, era demasiada gente, a confusão já era muita, seria um circo mediático ainda maior, os que não foram ficaram a postos para o que fosse necessário


Banda sonora: The Bee Gees - New York Mining Disaster 1941

Happy Big 7O, dear Paul Simon


Um dos meus amores maiores na música, um certo génio chamado Paul Simon, faz hoje 70 anos.

Paul Simon tinha apenas 25 quando Bookends, um dos mais extraordinários álbuns de sempre, foi lançado, e quando compôs esta música, Old Friends, que há tantos anos nos obceca a mim e ao Vítor, com os terríveis versos:

«Can you imagine us years from today,
Sharing a park bench quietly?
How terribly strange to be seventy!»

Repito que Paul Simon tinha apenas 25 anos quando os escreveu. Os setenta anos, idade tão estranha e longínqua quando se é muito novo, chegaram. Não resisto a colar a Old Friends aquilo a que há muitos anos chamo o minuto mais perfeito da História da Música, Bookends Theme, a música que se segue no álbum, e que é o seu remate perfeito.

«Time it was, and what a time it was, it was
A time of innocence, a time of confidences
Long ago, it must be, I have a photograph
Preserve your memories, they're all that's left you.»

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A mais mágica das noites




Há duas noites às quais eu, que Deus me perdoe, teria mesmo vendido a alma ao Diabo para poder ter assistido. Uma é a da primeira Lucia di Lammemoor de Dame Joan Sutherland em Covent Garden, a 19 de Fevereiro de 1959, que a catapultou para o estrelato — uma impossibilidde absoluta, se considerarmos que nem sequer tinha nascido. A outra é a do concerto de Simon & Garfunkel no Central Park, que faz hoje trinta anos.

A televisão transmitiu-o algum tempo depois, já em 1982, e vi-o com o querido Tio Fernando, já velhinho, no Hotel Florida, onde ele vivia. Ia-lhe explicando a importância daqueles dois rapazes (tinham passado apenas dez anos desde a separação do duo) e por que lhes tinha eu tanto amor. Ele sorria, divertido, bonacheirão, até porque eu não resistia a cantarolar as letras que sabia de cor. Mas a certa altura, quando começaram a cantar The Boxer, seguramente uma das suas três maiores canções, dei um pulo sobressaltado no sofá. «Que foi, filha?», perguntou o tio Fernando, admirado. Toquei-lhe no braço a pedir silêncio, depois explicava, toda eu olhos e ouvidos para os versos que eu não conhecia, que não estavam no disco original.

«Now the years are rolling by me
They are rockin' evenly
I am older than I once was
And younger than I'll be, that's not unusual.
No it isn't strange
After changes upon changes
We are more or less the same
After changes we are more or less the same.»

Foi com um nó na garganta que os ouvi. As lágrimas saltaram-me com o olhar de soslaio que Paul deita a Art aos 2:29, o sorriso de quem tem muita história comum ao baixar os olhos logo a abrir-se num riso alegre,  e correram livremente aos 2:42, com a mão carinhosa de Art nas costas de Paul. Tanto passado, o daqueles dois!

No Verão de 1983, de férias no Algarve, costumava passar ao fim da tarde, depois da praia, no Calypso, o lindo bar ao lado do Summertime, ambos decorados por Pinto Coelho. Tinham um ecrã gigantesco e tinham o filme do concerto. Revi-o incontáveis vezes, àquela hora havia pouca gente e os empregados adoravam-me. Acho que no fim das férias todos eles sabiam também todas as letras de cor.

Mais uma vez, o site em que alojo a música está em baixo. Por isso mantenho a tocar American Tune, a música que ouvi pela primeira vez no concerto e que muito depressa se tornou para mim uma obsessão. É só carregarem no botãozinho de pausa, lá em cima à direita, para verem e ouvirem Paul e Art. Não percam, vão por mim.

domingo, 11 de setembro de 2011

In loving memory


Uma das muitas imagens de um dia de terror absoluto que nunca mais poderemos esquecer.

Fotografias minhas (são duas coladas), um mês depois. Tinha ido jantar ao Nobu, vim à rua fumar um cigarro, ao lado havia um centro de apoio às vítimas e seus familiares. Escusado será dizer que desatei a chorar quando li estes cartazes.

Hoje, no encantador Bryant Park, esta ideia linda. Em memória das 2753 vidas perdidas nas duas torres, 2753 cadeiras alinhadas no relvado, viradas para o local em que se erguiam aquelas duas silhuetas inesquecíveis (ver aqui).

«In remembrance of the 2,753 lives lost as the result of the September 11, 2001 World Trade Center attack, the Bryant Park lawn is filled with 2,753 chairs facing the site where the Twin Towers once stood.»



Lembremos também a linda Roselle, que já não está entre nós:


Por último, duas fotografias daquele dia medonho que nunca esquecerei:

O padre franciscano Mychal Judge, capelão do Departamento de Bombeiros de Nova Iorque. Morto quando administrava a Extrema Unção a uma vítima agonizante.
 
É em dias terríficos como foi aquele, que revelam o que de pior pode existir no Homem, que podem assomar também laivos de esperança. Enquanto houver compaixão, enquanto houver gestos de bondade tão singelos como este de dar oxigénio a um animalzinho em aflição, nem tudo está perdido.


terça-feira, 6 de setembro de 2011

Cinco anos


Cinco anos de A Gota de Ran Tan Plan. Muitas vezes me perguntaram o porquê do nome, e nem eu mesma estou cem por cento segura. Só conhecia um blogue, o da minha amiga Carla, e era do Sapo. Naturalmente, foi por aí que comecei. Achei as explicações confusas, o processo pouco lógico, tinha de haver coisa mais simples! O primeiro resultado para a pesquisa que fiz, qualquer coisa como «how to create a blog», pôs-me no caminho do Blogger. Muito mais simples, muito mais fácil, muito mais inteligível. E foi logo na primeira etapa que surgiu a questão do nome, sem o qual não podia avançar. Não que fosse importante, porque não tencionava dar continuidade a isto, queria apenas familiarizar-me com as rotinas para poder criar o blogue do Liceu — esse sim era o meu objectivo. Nome? Que nome? Que havia eu de chamar a isto?

Deve ter sido então que me lembrei de uma conversa com o Vítor, na véspera ou dois dias antes, ao telefone. Relembrávamos um ao outro velhas piadas dos livros de Lucky Luke, que veneramos. Os irmãos Dalton e Ran Tan Plan sempre estiveram entre as nossas personagens favoritas, sempre delirámos com a incrível estupidez do cão mais obtuso a Leste e a Oeste do Oeste. E ríamos, a lembrar a eterna gota de baba a cair. Ah! Aquela gota! A gota de Ran Tan Plan! «Olha, está aí um belo título para um livro! A Gota de Ran Tan Plan!», acrescentei eu. O Vítor concordou, se bem que nenhum de nós pudesse ter qualquer ideia quanto ao conteúdo de tal coisa. Como sempre, ríamos pelo prazer de rir, na nossa costumeira galhofa de disparate puro.

E pronto, a minha experiência teria como título A Gota de Ran Tan Plan. Nada surpreendentemente, o nome estava disponível. Uns cinco minutos depois (dez, vá lá), escrevi a primeira entrada. E o trabalho que me deu pôr aquele retrato de minha saudosa Messy? O Blogger era então muito mais rudimentar, a aplicaçãozinha para inserir fotografias lá estava, mas por mais que a assinalasse nada acontecia. Toca de ir à ajuda. Sugeriam-me que carregasse fotografias através do Picasa. Obedientemente, instalei o Picasa e a coisa funcionou.

Nos primeiros seis meses escrevi muito pouco, um total de 18 posts — há quem escreva mais num único dia. Até o Nuno (outra saudade), uma das três únicas pessoas que tiveram conhecimento do blogue, chegou a enviar-me um e-mail a refilar, lembrando-me que a ideia de ter um blogue passava pela sua actualização regular. Dedicava todo o meu tempo livre ao blogue do Liceu, então uma animação pegada. Depois, aos poucos, comecei a vir mais aqui, a conhecer outros blogues, a interagir com os seus autores. Et voilà!

Com mais ou menos regularidade, vou escrevendo, e não tenho qualquer intenção de parar. Fiz amizades na blogosfera. Algumas, poucas, claro, tornaram-se mesmo grandes amizades. O saldo é francamente positivo. O meu muito obrigada aos que me lêem. Um blogue aberto ao público sem admitir comentários é coisa que para mim não faz grande sentido, quantas grandes conversas já tive em caixas de comentários! A única excepção, que me lembre, é a Bad Girl, mas percebo as razões que a levaram a encerrar os comentários, farta de receber coisas idiotas ou insultuosas. Como, nestes cinco anos, não tive grandes razões de queixa nessa matéria, os comentários continuam, e sem moderação. Aboli apenas os anónimos, e nem sequer foi há muito tempo.

Obrigada a todos, uma vez mais.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Trinta anos


«Lembro-me bem do seu olhar.
Ele atravessa ainda a minha alma,
Como um risco de fogo na noite.
Lembro-me bem do seu olhar. O resto…
Sim o resto parece-se apenas com a vida.

Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.
Olhei para as montras despreocupadamente
E não encontrei amigos com quem falar.
De repente vi que estava triste, mortalmente triste,
Tão triste que me pareceu que me seria impossível
Viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,
Mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.

Fumo, sonho, recostado na poltrona.
Dói-me viver como uma posição incómoda.
Deve haver ilhas lá para o sul das coisas
Onde sofrer seja uma coisa mais suave,
Onde viver custe menos ao pensamento,
E onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol
E acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais
Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.
 
Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,
Um coração exageradamente espontâneo,
Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,
Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,
Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove.»

Fernando Pessoa

(sempre achei que este poema, que sei de cor há quase trinta anos, tinha sido mal catalogado — para mim é Álvaro de Campos)

(uma entre dezenas de músicas)

domingo, 3 de julho de 2011

Jim Morrison

Faz hoje 40 anos que morreu. Com apenas 27 anos, passando a integrar esse estranho grupo de gente famosa que partiu nessa idade que parece ter-se tornado uma espécie de maldição.

Os Doors nunca foram um dos meus grupos de eleição (já o Nuno adorava-os, até me arrastou para ver o filme de Oliver Stone logo na noite de estreia). A própria música que escolhi para pôr aqui, o mítico Light My Fire, provavlemente a sua signature song, confesso que a meio começa a maçar-me indescritivelmente, mesmo reconhecendo que a abertura é electrizante. Jim Morrison, hoje tão icónico como James Dean, nunca foi um ídolo meu. Ainda assim, reconheço-lhe o carisma e a importância.

Lembro com alguma vontade de rir uma história muito antiga, aí pelos 13 anos da minha irmã, quando começou a ouvir e a descobrir música. Um dia levou para casa, emprestado, An American Prayer (que eu não tinha), não resistiu a vir meter-se comigo: «Diz lá que esta música não é linda!»

Eu sorri, enternecida, do alto dos meus 19 anos. «É linda, é. Mas olha que não é dos Doors, é de um senhor italiano que viveu no século XVIII.» Era o célebre Adagio, de Albinoni.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dois anos

Poucas horas depois da minha chegada de Cracóvia e de Auschwitz-Birkenau, Messy partiu docemente. No meu colo, comigo a sussurrar-lhe palavras ternas alternadas com uma súplica desesperada: «Fica comigo, por favor!» Inútil. O corpo pequenino de enorme coração estava cansado, não aguentou mais. Mas ainda arranjou forças para levantar a cabecinha sedosa  e para me mordiscar meigamente a ponta do nariz, um gesto de amor muito dela. And then Messy was no more. A 27 de Janeiro, data do nascimento de Mozart, o meu tão amado Mozart.

Na manhã seguinte cheguei mais tarde ao gabinete, havia que dispor daquele corpinho que a alma tinha abandonado. Quando, um pouco depois, entrei no gabinete em frente, uma das colegas, só de olhar para mim, perguntou imediatamente o que se passava. Disse sumidamente que Messy tinha morrido nessa noite. A outra, para quem tenho vários nomes jocosos, sendo Madame Je Sais Tout o mais suave, estava de pé, de costas para a secretária, virada para a impressora, a betumar as trombas (não sei se estava a pôr blush, ou rímel, ou o que fosse, e pouco importa). Nem se virou, não teve uma palavra frouxa, um olhar compassivo. Até poderia ser de uma falsidade tremenda (e seria, sim), mas teria sido pelo menos delicado. E eu, que sou provavelmente a menos rancorosa das criaturas à face da terra, nunca esquecerei o estremecimento de horror perante tal atitude. Toda a gente no Colosso sabe do meu amor por animais em geral e pelas minhas gatas em particular, as fotografias em cima da secretária são testemunho eloquente .Àquela, meus amigos, bem pode morrer a família inteira e por atacado que eu não contribuirei com um cêntimo que seja para uma coroa de flores colectiva.

Messy, muito provavelmente, discordaria deste meu rigor, talvez até mo censurasse. Mas acontece que eu não tenho a enorme bondade de Messy.

Messy é irrepetível. And Messy is no more.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

John Lennon: The Day the Music Died (30th Anniversary)

Réplica da entrada no blogue Beatles Forever!

8 de Dezembro de 1980. Faz hoje trinta anos. Trinta. John Lennon foi assassinado. Quando disse, anos antes, o seu célebre «The Dream is over», não sabia quão ironicamente enganado estava. O sonho tinha perdurado ainda depois dos Beatles, foram as balas do assassino cujo nome não vou escrever que o mataram. E que nos deram consciência da nossa própria mortalidade. Obrigada, Yoko Ono, o grande amor da vida de John, por continuar a lutar para que a criatura não saia da prisão. Já lhe foram recusados quatro pedidos de liberdade condicional. No dia 8 de Dezembro de 1980 morreu muito mais do que um homem, morreu uma concepção do mundo. Foi o fim definitivo de uma era.
Ele tinha 40 anos acabados de fazer (9 de Outubro). Eu tinha 20, feitos em Agosto. E, claro, tinha uma enorme paixão pelos Beatles. Ele era o meu preferido, pelo sentido de humor sardónico, que não poucas arrelias lhe trouxe. Devido à diferença horária, já só no dia 9 fomos colhidos pela notícia. Tinha combinado almoçar em casa do Vítor, como em tantos outros dias. Ele não tinha aparecido na faculdade, na véspera tinha-me dito para ir lá ter depois das aulas, mesmo que ele não pusesse lá os pés. Estranhei que fosse ele a abrir a porta, estranhei encontrá-lo já à minha espera no patamar, junto do elevador. Abri a porta interior, ele abriu a outra e pôs-me as mãos nos ombros. «Teresa, o John Lennon morreu.»

Devo ter aberto muito os olhos, dividida entre espanto e incompreensão, a tentar assimilar. Não me lembro do que disse, se é que disse alguma coisa. Só me lembro de que chorei. Ali, no patamar, parada ao lado de um elevador com as duas portas escancaradas. Chorei no ombro do Vítor.

A imagem que ilustra este post é a capa da revista Time dessa semana. Uma preciosidade. Que eu tinha. Estupidamente, emprestei-a. Adivinhem o que aconteceu... O título, «When the Music Died» é uma referência (incorrecta) a um verso do refrão de American Pie, de Don McLean: «The day the music died...»
O texto acima foi escrito há três anos, faz hoje três anos, porque é impossível esbarrar nesta data sem lembrar John (no original lia-se vinte sete anos, e não trinta). 
Trouxe-o de volta porque, hoje e sempre, é assim que lembro esse terrível 8 de Dezembro de 1980, tinha eu 20 anos, tinha John 40. Incompreensivelmente assassinado à entrada do edifício em que vivia, o mítico Dakota — e não há ida minha a Nova Iorque que não inclua romagem àquelas bandas, ao edifício (conversa com os porteiros incluída) e a Strawberry Fields, assim ficou a chamar-se aquele cantinho de Central Park qusae fronteiro que é o cantinho de John e de todos nós, os que lá vamos prestar-lhe homenagem. O cantinho em que em calçada portuguesa  [e se vierem cá dizer-me que é mosaico bizantino, não obstante o figadal ódio que tenho à  (...) da calçada portuguesa e àquilo que me faz aos saltos dos sapatos, levam com um grunhido que nem sonham] foi lavrada a palavra IMAGINE .
Calemos o nome do assassino, que nunca será aqui escrito. Agradeçamos a Yoko (que tantos pretensos fãs dos Beatles odeiam) a sua luta sem tréguas para que o tresloucado continue sem ter liberdade condicional. Eu e o Abel gostamos de Yoko, gostamos muito de Yoko (eu até gostava de fazer-lhe chegar o livro do Abel, mas isso são outros quinhentos), Yoko foi o grande amor de John, tem sido uma incansável paladina dos seus ideais, como é possível não gostar dela?

A música que escolhi para tocar hoje aqui, neste aniversário doloroso, não é uma das maiores músicas de John. Mas é uma das últimas por ele escritas e é eloquente. E é dirigida a Yoko.
Depois de um longo período de reclusão, John tinha voltado a compor. Depois dos primeiros anos da vida de Sean, em que tinha escolhido ser the present parent, com Yoko, sagaz mulher de negócio a gerir  (e a multiplicar) o vasto património do casal, John reemergia. Double Fantasy é para mim o último registo desse tempo agora para sempre pretérito das estrias numa rodela de vinil e da agulha que se baixava com muito cuidado, para não riscar. Com todas as falhas e imperfeições que possam apontar-lhe, Double Fantasy é para mim um disco comovente.

John tinha acabado de fazer 40 anos, não esqueçamos. Era novo, novo, muito novo! E é essa estuante vontade de viver, de recomeçar, relevando erros antigos, querendo que só o que de bom houve vença, prevaleça e se sobreponha ao resto, que John canta em (Just Like) Starting Over. Tomemos esta canção pelo que é e alegremo-nos por John, que partiu desta vida num momento muito feliz e de enorme harmonia. A dor, toda a dor, ficou com Yoko. E connosco, claro. Porque não esquecemos.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Três anos

Missa pelo terceiro aniversário da morte do Nuno. Éramos apenas nove os presentes.

Quando, na semana passada, telefonei à Mafalda a perguntar sobre a Missa, não fosse ela ter-se esquecido — e não poderíamos levar a mal, estavam separados havia uns bons cinco anos e o Nuno não foi exactamente o melhor marido do mundo —, ela confessou-me não estar a pensar fazer nada, não havia necessidade de fazer os miúdos reviverem tudo aquilo, todas as coisas tão penosas. Senti-me dividida entre a necessidade de compreender e o choque. 

Telefonei de imediato ao Pedro, que foi menos compreensivo, não aceitando que não houvesse uma Missa pela alma do Nuno.  «Nem que sejamos nós a tratar disso!», exclamou.

Na tarde seguinte a Mafalda telefonou-me: tinha falado com os três filhos, queriam uma Missa sim, e seria hoje às sete da tarde, na igreja do Campo Grande.

Julgo que agora, no terceiro aniversário da morte do Nuno, o grupo dos que comparecem sempre está quase reduzido ao seu número máximo: a Mafalda (que no ano passado não foi), o Tomás, a Mafaldinha e o Lourenço, a Becas, a João, ex-mulher do Pedro, o próprio Pedro, o Melo e Faro e eu.  Onde se meteram todos os tantos amigos das noitadas no Centro de Bridge, no Stone's, no Bananas, mais tarde no Kremlin, no Alcântara, na Capital, todos os que há três anos encheram a capela na Missa de Corpo Presente? O João Pedro, ainda vá que não vá, foi para Aveiro dirigir o hotel. Mas os outros? O Nené, o Luís, o António, o João...

Éramos apenas nove. O que sei é que eu e o Pedro nunca faltaremos. Mas foi um Pedro debilitado que encontrei hoje, já com um AVC às costas, com dificuldade em andar, enormes dores nas pernas. Anos e anos de muitos e enormes excessos, o Pedro tem apenas mais quatro anos do que eu. Não, não quero ter medo. Mas tenho.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Joe Dassin — Trinta anos

Na verdade, passaram trinta anos, um mês e um dia desde que Joe Dassin morreu, a 20 de Agosto de 1980, tinha apenas 41 anos. Só soube mais tarde, já em Setembro, na altura estava de férias na Nazaré, num Verãoque foi de tremendas mudanças na minha vida.

Faço parte da última geração que ainda cresceu com a música e a cultura francesas, muitos autores franceses na fabulosa Colecção Dois Mundos da Livros do Brasill e, claro, os livros da Bouquins e da Folio, preferencialmente comprados na Livraria Férin, na Rua Nova do Almada. A minha irmã, por exemplo, seis anos mais nova, ainda estudou francês e, tal como eu, fez a Alliance Française, mas da música sabe muito pouco e esse pouco, tenho a certeza, conhece-o graças a mim.

Diria que Joe Dassin é o último resquício dessa música francesa, ligeira e amena, que nos anos 60 saía diariamente das telefonias das nossas mães, o mais tardio dos nomes da geração Salut les Copains, que nem minha é, também era demasiado nova, nunca comprei um único número.

Quando comecei a comprar discos, aos 12 anos, toda eu estava virada para Mozart e para os Beatles. Só mais tarde, diria que lá pelos 17, comecei a ouvir música francesa, outra música francesa: Aznavour, Brel (belga), Brassens, Ferré, Reggiani, Moustaki (grego), todos os nomes sagrados. Joe Dassin chegou primeiro. 

Joe Dassin era, aí entre os meus 15 e 20 anos, o slow romântico que se dançava com o namorado nas festas. Ainda tenho o single de Et Si Tu n'Éxistais Pas (cuja capa não digitalizo e ponho aqui porque tem uma dedicatória do D., o meu namorado desses anos, era a nossa música) — o lado B é Salut.

Ainda hoje é com prazer um nadinha nostálgico que oiço qualquer música de Joe Dassin, de tal forma me faz viajar no tempo. Não é um Aznavour (mais ninguém é), mas as suas canções simples criam uma ponte emocional, todos nós vivemos aquelas coisinhas, todos nós tivemos amores assim. E deixamo-nos levar. Também é certo que muitas das músicas tiveram a colaboração do meu querido Toto Cutugno, o que não é de somenos importância.

A música que escolhi para pôr aqui nem sequer é das mais conhecidas, julgo que nunca foi editada em single. Integra um álbum que adoro, Le Jardin du Luxembourg. A letra, na sua simplicidade, diz-me muito. E há aquele solo de saxofone. É decididamente uma escolha de afecto.


Que Sont Devenues Mes Amours?

C'est comme un appel qui vient du large
Et me ramène une bouffée de souvenirs
C'est comme un grand livre plein d'images
Que jamais je ne m'arrêterai de lire


Se souviennent-ils de mon passage
Les amis de mes tous premiers jours?
Où sont-ils, ces enfants de mon âge
Est-ce qu'ils ont fait un bon voyage
Que sont devenues mes amours?


Celles qui m'ont fait attendre
Celles qui n'ont pas connu ma chambre
Celles que j'ai fait souffrir
Celles pour qui j'ai cru mourir
Juste avant de réssusciter
Sur un banc d'université


Elle était jolie, la Marilyn de mon lycée
Je l'emmenais sur mon scooter
Pour voir James Dean et puis danser
Elle était moins belle, la fille du bar
Mais pas besoin d'être une star
Pour vous apprendre à embrasser


Se souviennent-ils de mon passage
Les amis de mes tous premiers jours?
Où sont-ils, ces enfants de mon âge
Est-ce qu'ils ont fait un bon voyage
Que sont devenues mes amours?


Je n'arrive pas à croire
Qu'elle soit sortie de ma mémoire
Celle à qui j'avais promis
Jusqu'à mon nom, jusqu'à ma vie
Et qui un jour a disparu dans l'inconnu


Se souviennent-ils de mon passage
Les amis de mes tous premiers jours?
Où sont-ils, ces enfants de mon âge
Est-ce qu'ils ont fait un bon voyage
Que sont devenues mes amours?

E o vídeo. Em Moscovo, então ainda atrás da cortina-de-ferro.

sábado, 28 de agosto de 2010

Ausências


O Jorge era mais novo do que eu um ano e um dia, algumas vezes chegámos a festejar juntos, o meu dia de anos a prolongar-se na madrugada do dele — antigas noites de Stone's, o champagne oferecido pelos empregados que me adoravam, demasiadas saudades diferentes de uma vez só.

O pior da idade que vai somando dígitos são as ausências e a saudade que delas nos fica. Em cada pessoa querida que parte há qualquer coisa nossa que se apaga e se perde para todo o sempre, uma série de «Lembras-te?» que só com ela partilhávamos e de que mais ninguém tem conhecimento, porque assim é a amizade.

Tal como eu, muitas outras pessoas visitaram hoje a página do Jorge no Facebook, que continua activa (assunto para outro dia). Todos nós temos saudades dele, todos choramos a ausência. Ainda assim, é-me de algum consolo ler que estas pessoas que não conheço se lembraram do Jorge hoje, e que quiseram dizer-lhe isso.


quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dear, Dear Ringo!

Retirado de Beatles Forever!

Ringo faz hoje 70 anos. E descobri aqui que o melhor presente que poderá receber será que ao meio-dia, onde quer que os seus fãs estejam, façam este famoso gesto dos anos 60 a desejar paz e amor.

Os autores deste blogue vão fazê-lo, as fotografias aqui virão parar.

Se os nossos leitores quiserem juntar-se a nós nos votos de parabéns a Ringo, é só fazerem o mesmo e enviarem-nos as fotografias do vosso gesto ao meio-dia para beatlesforever.blog@gmail.com. Qualquer imagem feita com um telemóvel servirá, basta ser da vossa mão, nem precisam de mostrar a cara, se não quiserem, todas as imagens recebidas serão publicadas, salvo indicação em contrário. Não se trata de um concurso de fotografia, trata-se de homenagear Ringo no dia dos seus 70 anos. «Wherever you are at noon put your fingers in the air and say 'peace and love' for me. It's sort of caught on, it's worldwide now» — é o seu pedido.

Dear, dear Ringo... HAPPY BIRTHDAY!


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Et in Arcadia Ego

«Just the place to bury a crock of gold. I should like to bury something precious in every place where I’ve been happy and then, when I am old and ugly and miserable, I could come back and dig it up and remember.»
Evelyn Waugh, Brideshead Revisited

Faz hoje vinte anos. Et in Arcadia Ego.



sexta-feira, 14 de maio de 2010

Tempus Fugit

A criança que esperei ansiosamente como se fosse minha, a criança para quem gravei cassetes e cassetes de Mozart, para quem nunca comprei um presente que não fosse cor-de-rosa, não por ser a cor que se associa às raparigas mas só por ser a minha cor de felicidade e por eu querer à viva força que a Marta fosse feliz... essa criança foi crescendo e faz hoje 17 anos.

A minha Marta, a minha sobrinha e afilhada Marta (Marta Vanessa vamos-nessa, private joke como é o nome da Rita, a mana mais nova, Rita Soraia sempre-na-gandaia, eu e a minha irmã temos um sentido de humor perverso) faz hoje 17 anos. DEZASSETE anos.

Acho graça ir à sua página do Facebook. Acho graça a todos os gaviões em voo picado em cima desta menina que não podemos proteger mais do que o razoável. Aos 17 anos já se tem discernimento, e a Marta sempre foi uma menina muito sensata. Para tudo há um tempo na vida. Pus música para a Marta no Facebook, mas sem tags, para não a embaraçar face aos seus 666 amigos — como não sou de maluqueiras, o número hediondo não me inquietou nem um bocadinho, mesmo sendo impossível não reparar nele.

Haveria músicas mais significativas para pôr agora aqui, à cabeça o desgarrador At Seventeen de Janis Ian (que pus no Facebook para a Marta) à cabeça, mas é uma música para um patinho feio, e a Marta nunca conhecerá aquela angústia, privilegiadamente bonita como é. Conhecerá outras, certamente, não está ao nosso alcance resolver-lhe a vida toda, só estamos cá para a amparar quando alguma coisa correr mal.

A música escolhida hoje, para os 17 anos da Marta, é uma cumplicidade nossa muito antiga, é um certo dueto de Mozart numa ópera por mim muito amada, a mais amada de todas, e que a Marta ouviu até à exaustão na barriga da Mãe, tantas as cassetes que gravei para as duas. A Marta tinha menos de um mês, a Tia (eu), sem qualquer jeito para crianças, ficou a tomar conta dela. Incontáveis espreitadelas para tentar perceber se estaria a respirar ou não, mais tarde dar-lhe o biberão e ficar numa angústia sem saber se a princesa teria arrotado ou não (não é assim tão óbvio, ok?). Tenho uma relação fácil com crianças, principalmente se gostar delas, mas bebés são coisa muito mais complicada. E dei comigo a ter de entreter a Marta, ou fosse lá o que fosse, que não tinha a menor ideia do que era suposto fazer. E comecei a cantarolar, aquela trouxinha toda rosada no meu colo. Mozart. O dueto de Papageno e Papagena no III Acto da Flauta Mágica. Incrédula e maravilhada, vi surgir um sorriso naquelas adoráveis gengivas carecas, sorriso a abrir-se em riso. Nunca esquecerei aquele momento, por muitos anos que viva. A minha sobrinha pequenina a reconhecer Mozart, o Mozart que já muito tinha ouvido.


[Hermann Prey (claro!) e Renate Holm]]

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

I guess I'd rather be in Berlin...*

Já devem ter percebido, tamanha a falta de assiduidade a escrever aqui, que a minha paciência para a blogosfera anda em níveis anormalmente baixos. Não só não me tem apetecido escrever como ando numa fase de torcer o nariz a quase tudo o que me aparece pela frente no Google Reader. E se tropeço em erros ortográficos temos o caldo entornado. Hoje mesmo apaguei do GR dois blogues que até seguia há alguns meses, só por terem dois erros tão crassos, tão imperdoáveis que, no momento em que, implacável, os eliminava da minha lista de leituras, a indiferença já a sobrepor-se à irritação, só pensei: «Passo bem sem ler bodegas destas!»

Não é que o lado fútil tenha uma incidência menor em mim do que na maioria das mulheres por essa blogosfera fora, que gosto tanto de trapos, de carteiras, de sapatos ou de cremes como todas as outras. É apenas que começo a ficar farta de tropeçar a toda a hora em blogues que se cingem a pouco mais do que isso. Ou que tecem considerações levezinhas sobre as relações entre os sexos, quase sempre com muito pouco ou mesmo nenhum sumo. Espremido, não sai nada. E nada me é acrescentado. Ora o meu tempo, o tempo que tenho para estar comigo, é um bem precioso.

Dir-me-ão vocês que um blogue é isso mesmo, um espaço ameno, descomplicado, onde se vai descomprimir. Que quem quer boa escrita vai procurar outras coisas (Saramago, não? Livra!). Certo. Parcialmente certo. Percebo a ideia, mas não comungo totalmente dela

Bem sei que nesta vasta blogosfera há espaço para todos as escritas e para todos os registos. Mas a verdade, meus amigos, é que o tempo que me sobra depois das longas horas em que estou por conta de quem me paga o ordenado e me põe comida na mesa é pouco, e há que fazer escolhas, gerir criteriosamente um bem que é escasso face a necessidades que são múltiplas.

Posto isto, e porque continua (o Senhor seja louvado!) a haver muitos blogues a que aporto sempre com prazer, blogues que me fazem reflectir, que me ensinam coisas, que, eles sim, me acrescentam, confesso que hoje, 9 de Novembro, estou cheia de inveja da Helena. Porque a Helena vive em Berlim e tem-me mostrado, aqui e ali, muitas coisas que me deixam a suspirar e só avivam o meu grande desejo de conhecer a cidade.

Numa entrada muito antiga, sendo o assunto completamente outro, acabei por contar aqui as minhas reminiscências dessa noite histórica de há vinte anos:

quinta-feira, 17 de Maio de 2007


Jornalista Acidental


As minhas aventuras e desventuras como astróloga já foram assunto de um post, há coisa de dois meses. Na altura resolvi dar ao venerável e já extinto jornal um nome fictício, A Patada (a Diabba, fina como um coral, topou logo a origem do nome), e A Patada continuarei a chamar-lhe.

Não pensem, porém, que só de mapas astrais e previsões imbecis foram feitos os meus dias naquela nobre instituição! Todos os dias aconteciam coisas, muitas coisas tantas que é possível que este post venha a ter continuação.

Decidi ilustrá-lo com uma notícia sobre o acontecimento mais marcante daquela época, a queda do Muro de Berlim. Foi uma noite fervilhante de excitação, as notícias não paravam de chegar, o telex (alguém ainda sabe o que isso era?) não parava de vomitar informação, as telefotos chegavam em catadupas. Em Berlim fazia-se História, e nós estávamos a assistir. Os primeiros alemães de Leste transpunham timidamente os escombros do muro e vinham deslumbrados e ainda meio desorientados espreitar como era o mundo do lado de cá. Por causa dessa noite única e emocionante o mapa da Europa sofreria mudanças incríveis nos anos seguintes. E durante uns tempos o que de mais próximo dos novos contornos geográficos que se iam desenhando se conseguia arranjar passaram a ser os mapas da Europa anteriores à Grande Guerra, a de 1914-1918, a tal guerra para acabar com as guerras, como lhe chamaram. Viu-se...»

A Helena foi viver para a Alemanha três dias antes da queda do muro. Esta noite a Helena está em Berlim. Ouçamos o que ela conta, ao som da filarmónica da cidade hoje em festa (uma das maiores orquestras do mundo, há quem sustente ser a maior de todas), regida por Karajan, nesse maravilhoso e exultante cântico que é o andamento final da 9.ª de Beethoven.


Conta mais, Helena...

08 Novembro 2009


os olhos cheios de água


Há vinte anos caía o muro, e Berlim comemora.


Dizem que anda por aí um milhão de turistas, mas eu sei mais que eles: um milhão e dois, que são o nosso Giordano Bruno e a esposa. Tenho andado num stress cultural que nem queiram saber.

Ao longo da antiga linha do muro, entre a Potsdamer Platz e o lado de lá do rio, junto ao Reichstag, fizeram um dominó com mil blocos pintados. Estes foram enviados para todo o mundo, para receber as diversas interpretações deste acontecimento. Tem blocos pintados por habitantes de países ainda hoje divididos, blocos pintados por artistas, blocos pintados por miúdos das escolas primárias. Há um feito pela família do Nelson Mandela, outro feito em conjunto por crianças israelitas e palestinianas.

Já estão expostos, preparados para o grande acontecimento de amanhã: a Festa da Liberdade, Fest der Freiheit.

Por volta das 8 da noite, Lech Walesa empurrará a primeira pedra, que empurrará a seguinte, que empurrará a terceira... até à Porta de Brandemburgo. No outro extremo, Durão Barroso (melhor dizendo: o Presidente da Comissão Europeia) empurrará também uma pedra, que empurrará a seguinte... até à Porta de Brandemburgo. Um dominó democrático muito carregado de simbolismo.

Pelo meio muita música, discursos, as figuras políticas que há vinte anos tornaram este milagre possível, fogo de artifício.

(Desconfia-se até que as nuvens se abrirão para deixar passar o espírito de Reagan, mas ainda não é certo)


Lá estaremos, claro. Já estou a tirar o pó aos fatos de ski, para tentar sobreviver a umas 4 ou 5 horas de pé ao frio. O que a gente não faz só para poder ser parte do momento...

Ontem passeámos ao longo dos blocos, apreciando a criatividade e o grito de Esperança que sai de cada um deles. Lindos. Mas, mais belo ainda, era ver as pessoas que avançavam lentamente ao longo da linha de blocos: com os olhos cheios de água.


Berliner Philarmoniker, Herbert von Karajan

* Adaptação do título de uma certa música de John Denver, I Guess He'd Rather Be In Colorado.