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terça-feira, 18 de maio de 2010

I ♥ Pipa

A Pipa é esta adorável cadelinha beagle de três anos e mora na minha rua. Vemo-nos quase todos os dias, ora de manhã cedo, quando vou para o Colosso, ora ao fim do dia, quando regresso. Tenho paixão por ela, mas o sentimento não é retribuído, para meu enorme desgosto.

É que a Pipa foi comprada ao criador já com sete meses, e não foi socializada. Resultado: é do mais amistoso que há em relação a todos os cães, quer logo brincar com eles, mas morre literalmente de medo de todas as pessoas. Quando nos encontramos na rua, a cena é sempre igual e é hilariante. «Pipa!!!» — exclamo eu, encantada. A Pipa encolhe-se toda, enfia o rabo entre as pernas, cheia de medo (eu sou esta pessoa hostil com cães que se sabe) e enquanto a trela extensível esticar afastar-se-á de mim o mais que lhe for possível. O dono puxa-a suavemente, mas com firmeza, para que ela me cumprimente. E a Pipa fica muito infeliz, escondida atrás das pernas dele, a espreitar-me a medo com aqueles olhos irresistíveis. É impossível não rir, porque é sempre a mesma coisa, há dois anos. E eu lá a deixo ir à sua vida, com um «adeus, Pipa!» que a faz respirar fundo de alívio.



segunda-feira, 24 de agosto de 2009

70 x 7

S. Mateus sempre foi o Evangelista por mim mais amado (muito antes de conhecer aquela coisa arrepiante que é A Paixão Segundo S. Mateus, de Bach).

Estas palavras dele (Mateus, 18: 21) martelaram-me insistentemente a cabeça durante todo o dia de ontem: «Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe: "Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?" Jesus respondeu: "Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete".»

Tomei ontem um café rápido com o João Paulo, mas quando as amizades são antigas e têm boas raízes o tempo é coisa relativa. Desabafei a minha tristeza muito por alto, sem entrar em pormenores, ele foi implacável, nunca mais falaria a tal pessoa. Discordei e discordo. Setenta vezes sete, sempre. Só que desta vez não vou dar o primeiro passo, passe um mês ou passem dez anos. Há alturas em que as pessoas têm de cair em si, há alturas em que têm de ser capazes de se auto-examinarem. Desta vez vais ter de me pedir desculpa. Claro que desculpo, mas terás de vir ao meu encontro. Bem sei (não sei eu outra coisa!) que «but the tigers come at night, with their voices full of thunder», mas sabemos que aquela história de eu ser capaz de sair viva até de Auschwitz não é bem assim. As coisas doem, e esta calou fundo.

Graças a Deus, a seguir ao café de ontem, e porque o João Paulo já estava atrasado para ir buscar a mãe para almoçar, dispensei risonhamente a boleia e voltei a pé para casa. E encontrei o Quico. O Quico é um cãozinho que me faz reavaliar tudo, mágoas, prioridades, seja lá o que for. Não levava máquina fotográfica, mas tinha o telemóvel comigo. E fotografei, mais uma vez, a transbordante alegria de viver do Quico, o cãozinho a quem um descuido do dono custou uma amputação (contei aqui). E a sua generosidade. Temos muito a aprender com o Quico, tu e eu. E acabo de ficar arrepiada, porque faz hoje justamente um ano que conheci o Quico e aqui contei a sua história.


(não, não pus Bach e a sua obcecante Paixão Segundo S. Mateus, preferi isto.
Porque a vida é mesmo muito breve)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

I ♥ ugly dogs

Há alguns que, de tão feios... são lindos!

Estes dois são uma amizade recente, muito recente. Na verdade são uma amizade com dois dias. Digam lá... não são de se comer?

Gucci, bulldog, oito meses


Romiko, bull terrier, seis meses

domingo, 24 de agosto de 2008

Lições de vida

É sabido que eu travo sempre relações de amizade com toda a bicharada da vizinhança. Conheço-lhes os nomes e sei-lhes as histórias.

Ainda me lembro com especial afecto de dois grandes amigos que fiz quando vivia na Rio de Janeiro, o Rock e o Kaiser. O Rock era um bulldog encantador que bebia os ares por mim. Como consequência, o dono tentava evitar-me mal me avistava... é que persuadir um bulldog a afastar-se do seu objectivo está longe de ser tarefa fácil, é bom não esquecer que aquelas mandíbulas têm 800 quilos de força de tracção... O Rock amava-me, decididamente. Não foram poucas as vezes que me atirou ao chão, tão exuberante era nas suas demonstrações de afecto...

O Kaiser era um pastor belga lindo de cortar a respiração, imponente de porte, educadíssimo. No Apetite, o pronto a comer do prédio ao lado, o Kaiser só entrava se o dono autorizasse, e vinha cumprimentar-nos de aperto de mão ("Kaiser, cumprimenta as senhoras", dizia o dono...). A Nonô, a dona, servia-nos as melhores madalenas de Lisboa, às vezes eu oferecia-lhe uma, se o dono deixasse (era raro, que os cães não devem comer doces). Depois de engolida em duas dentadas, o Kaiser vinha agradecer: encostava-se a mim e lambia-me a mão. Mas o Kaiser tinha uma paranóia: apanhar folhas de árvores. Sim, leram bem. O Kaiser saltava na vertical a uma altura assombrosa, as árvores da avenida ostentavam nos ramos mais baixos uma boa quantidade de folhas ratadas. A minha irmã, quando lhe contei a história, achou que eu estava a inventar. Achou. Porque um dia, quando íamos a entrar juntas em minha casa, assistiu. E ficou parva. E saiu-se, claro, com a nossa célebre sigla SNVNA (se não visse não acreditava).

Tudo isto para vos falar do Quico, que conheci ontem, à porta da papelaria. O Quico é um cão de simpatia e alegria de viver transbordantes. O Quico ficou meu amigo até à morte e, de caminho, lambuzou-me toda. Eu, claro, adorei.

O Quico só tem três patas, falta-lhe a esquerda dianteira — eu digo o bracinho, mas isso é coisa minha... A dona contou-me a história. O Quico não nasceu assim. O Quico tem quatro anos. O Quico foi atropelado (por culpa do dono, que se distraiu) quando tinha dez meses. Passaram-lhe quatro carros por cima. O veterinário aconselhou a solução misericordiosa, dono e dona recusaram. Mas o bracinho esquerdo teve mesmo de ser amputado.

O bracinho esquerdo não faz falta nenhuma ao Quico. Vejam só a bela postura dele! O Quico é um cãozinho adorável e feliz, muito feliz. O Quico, de caminho, deu-me uma bela lição de vida, que recebi com toda a humildade.

Relativizar, eis um belo verbo, um verbo que conjugo muitas vezes. Ou que tento conjugar...

Há uns anos eu e o Vítor fizemos uma viagem operática a Munique, para ver e ouvir nossa menina Gruberova (Edita Gruberova, a voz maravilhosa que mais brilhantemente recolheu o testemunho da grande Dame Joan Sutherland) nos Puritanos. De caminho ainda vimos um Don Carlo magnífico, Zubin Metha a três metros de nós no fosso da orquestra. A estada foi de uns cinco ou seis dias e era Fevereiro, estávamos em pleno Inverno. Fomos a Dachau, o tristemente célebre campo de concentração. Não fiz uma única fotografia, e passámos lá um dia inteiro. Fotografar pareceu-me quase uma profanação, uma falta de respeito, um sacrilégio. Visitar um campo de concentração no Inverno lembra-nos ainda mais vivamente a dimensão do horror que ali aconteceu. Dachau estava coberto de neve, Dachau fica a cerca de vinte quilómetros de Munique. Munique regista sempre, no Inverno, temperaturas anormalmente baixas — mais baixas do que Vladivostok, se querem saber. Naquele dia estavam -14ºC. Embrulhados nos nossos quentíssimos casacos, protegidos com cachecóis, luvas e botas quentinhas e confortáveis, os pés forrados com dois pares de meias de lã, era impossível não lembrar que as pessoas que sofreram aquele calvário, com aquelas mesmas temperaturas, e foram milhões, tinham apenas a protegê-las um fino fato de riscas, toscos tamancos de madeira (nem sempre) e um magro cobertor, infestado de piolhos, e frequentemente a partilhar com mais uma ou duas pessoas.

Ao voltar a casa, a meio da tarde, descobri que estava sem luz (tinha-me esquecido de pagar a conta). Àquela hora já não podia ir pagar e voltar a ter luz nesse dia. Apetecia-me tremendamente rever (pela enésima vez) Música no Coração, porque tínhamos passado um dia em Salzburg, a cidade mágica a que hei-de ir no Verão — vi-a debaixo de um espesso manto de neve e até dei um homérico trambolhão nos Mirabel Gardens (isto para não falar do banho de neve que sofri junto do pavilhão onde é cantado Sixteen Going On Seventeen, quando o Vítor, por pura maldade, abanou um ramo de árvore em cima de mim) .

Não tinha luz! A chatice, o drama, o horror! Não podia rever Música no Coração! Não podia ouvir música! Mas depois lembrei-me de Dachau, dois dias antes... E tive vergonha.

Relativizar, meus amigos. Acendi velas, muitas velas, a casa parecia um centro de macumba, entretive-me com a leitura. Revi Música no Coração no dia seguinte, ouvi música no dia seguinte.

Desde então tento sempre relativizar. O Quico, ontem, mostrou-me uma vez mais como isso é importante. O Quico tem lugar cativo no meu coração.

P.S. Bem sei que, em bom Português, os nomes de animais devem ser grafados em itálico. Se estiver a rever um livro, respeito a regra, mas nunca a aplico na minha escrita pessoal. Era só o que faltava!