Eunice in the Sky with Diamonds
Deixem que vos fale da minha amiga Eunice.
Conhecemo-nos aos doze anos, cruzávamo-nos no pátio do Liceu em todos os intervalos, nunca nos demos. Os meros três meses que a Eunice me levava de avanço em idade, ela nascida em Maio, eu em Agosto, punham-nos em turmas distantes, eu na A, ela lá para a E ou F. Nem nos 6.º e 7.º anos nos aproximámos, eu escolhi Letras, ela escolheu Ciências. Cada uma sabia quem era a outra, nem coisa diferente seria possível depois de cinco anos a partilhar os mesmos pátios. Mas nunca nos demos, pronto.
Isso viria mais tarde, muito mais tarde, quase vinte anos depois, quando começaram os jantares do Liceu.Eu sempre fui mais extrovertida e interventiva, a Eunice, sempre tão bonita, sempre com aquele ar doce e apaziguante, preferia ouvir, a tagarela era eu. Mais tarde, ainda mais tarde, viríamos a ficar mais próximas, quando ela e a minha Mãe viveram o mesmo problema de saúde em simultâneo. O negro monstro foi derrotado pelas duas, graças a Deus. E mais tarde, ainda mais tarde, eu viria a pedir ajuda à Eunice para apoiar e acompanhar uma outra amiga minha, mais nova, a viver situação semelhante, com contornos talvez ainda mais dramáticos. A Eunice lançou-se imediatamente em socorro dela. E sei que ainda hoje vai regularmente à página que essa agora comum amiga criou para exorcizar os demónios da doença temível, porque também por lá semeou afectos.
Este é o ano dos 50 anos de quase todo o nosso grupo (só três ou quatro nasceram em 1959), o contingente maior começa agora em Julho. E a Eunice desafia-nos a fazermos todos juntos aquilo que ela fez no dia dos seus 50 anos, a 4 de Maio, numa imensa celebração da vida, da bênção que é, tantos anos depois, ainda termos estes laços tão fortes. Estou a considerar o desafio (pavor de alturas, só superado pelo terror de ratos), vou passá-lo adiante, quem sabe os outros se animam e me armam da valentia que a Eunice teve.
Preparativos em terra
Shall I?
O salto no vazio
Skyline Pigeon
O regresso da Guerreira
O sorriso da vitória
Discutimos juntas a banda sonora para o filme que só hoje lhe chegou às mãos, e em que não posso mexer. Para a Eunice, só havia duas músicas possíveis para ele: O Primeiro Dia, de Sérgio Godinho (logo, ela é das que têm uma visão optimista da mensagem subliminar, eu nunca consegui decidir-me, tantas vezes discuti isto com o Nuno!) ou It's a Beautiful Day (Reprise) dos Queen. Quem processou o filme fez-lhe a vontade, pôs os Queen na segunda parte. O pior é que antes vem a S'Dona Céline Dion.
Como a Eunice me deu carta branca, escolhi os Beatles para o título desta entrada, e ela passou a ser Eunice in the Sky with Diamonds. Mas a música de fundo, descobri ao rever o filme sem som, a chorar só de ver a alegria transbordante da Eunice, a milagrosa libertação absoluta que capto em cada fotografia que ela me passou, só pode ser uma: Skyline Pigeon, de Elton John. Por acaso, ou talvez nem tanto, é uma das músicas da minha vida.
E aqui fica o filme. Querida, querida Eunice! Mulher de armas e ternura, a chibata e a rosa, como escreveu um dia Jorge Amado.