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terça-feira, 21 de junho de 2011

Baú das relíquias #11: Sì


Esta noite, depois de dormir pouco mais de uma hora, acordei e depressa percebi que não conseguiria pregar olho outra vez, optando por vir para o computador. Encontrei o David no Facebook e, a propósito da sua actual obsessão com The Windmills of Your Mind, pusemo-nos a trocar músicas antigas, muito antigas. E foi assim que chegámos a esta belíssima canção de Gigliola Cinquetti, que representou Itália no festival da Eurovisão de 1974, ficando em segundo lugar.

O facto de tanto a intérprete como a canção e até o próprio ano do festival terem associados apontamentos curiosos deu-me vontade de a pôr aqui.

Comecemos pelo ano: 1974, o ano em que Paulo de Carvalho cantou E Depois do Adeus, que, menos de um mês mais tarde, seria a senha de saída para os militares que fizeram o 25 de Abril; foi também o ano em que um certo Waterloo ficou em primeiro lugar. Os autores e intérpretes, dois rapazes e duas raparigas suecos chamados ABBA, viriam  a ser a maior fonte de receitas do país, ultrapassando a própria Volvo.

Gigliola Cinquetti tinha vencido a Eurovisão em 1964, com apenas 16 anos e o enternecedor Non Ho l'Età, que sempre adorei. Dez anos mais tarde, transformada numa muito bela mulher, voltou com este . Que, como já disse, viria a classificar-se em segundo lugar e que, para mim, continua a resistir ao teste do tempo. Confesso que se Waterloo me aparecer no iPod passo à faixa seguinte. Se for oiço deliciada. Tem aquilo a que chamo uma melodia em círculos, ou em espiral. O conceito, que para mim é muito claro, não é fácil de explicar. É mais fácil dar exemplos de outras músicas que encaixo na mesma designação, como I Believe, por Art Garfunkel, ou Mandy, de Barry Manilow.

Por último, uma curiosa história associada à canção. À época a Itália preparava-se para um referendo sobre o divórcio. Como tal, e porque , o título, era palavra incessantemente repetida, a RAI e a maior parte das estações de rádio italianas proibiram a sua passagem, com receio de que o título pudesse ser entendido como mensagem subliminar e influenciasse o voto. A RAI nem sequer transmitiu o festival nesse ano, só por causa de (ver aqui). O voto ao ostracismo durou mais de um mês, até ao referendo, a 12 de Maio.
 


segunda-feira, 26 de abril de 2010

Baú das relíquias — singles #10: Raggio di Luna

Acabo de lhe digitalizar a capa e sorrio a olhar para ele. Está impecável, podia ter saído hoje da loja. No verso, uma data e um nome. A data é 21 de Maio de 1979, o nome é o de quem mo ofereceu. O P. M.

Como toda a gente da minha idade, vivi até certa altura o festival da Eurovisão como um grande acontecimento. A partir dos 13 anos (idade mais provável) comecei a arrumá-lo na categoria das coisas meramente engraçadas, tendo já uma noção clara de que havia música infinitamente melhor. Mas, ainda assim, ano após ano, lá por meados de Abril, lá ficava presa ao ecrã na grande noite. Eu e três quartos do país — o quarto restante talvez não tivesse televisão. Isto até 1980, ano dos meus 20 anos, o último em que me lembro de ter visto O Festival (o artigo é eloquente). Viria a vê-lo apenas mais uma vez, dez anos depois, por ter sabido por acaso que Toto Cutugno, cuja voz e sentido de melodia amo, cantava pela Itália. E ganhou, o meu querido menino.

O primeiro festival de que guardo uma memória muito nítida é o de 1966, tinha cinco anos. A ocasião era especial, foi-me concedido assistir, a uma hora em que já deveria estar na cama. E lembro-me perfeitamente de Udo Jürgens a cantar ao piano o vencedor Merci Chérie. Os meus favoritos em cada ano, mesmo tão pequena, reflectem bem a mudança que começava a fazer-se sentir: por influência dos Beatles e de tantos conjuntos (na altura ninguém lhes chamava bandas) vindos do Reino Unido, a muito forte presença francesa começava a empalidecer. Em cada ano era inevitável: eu vibrava pela Inglaterra, e nem imaginam a fúria que tive quando Massiel (espanhola, ainda por cima!) derrotou o Congratulations de Cliff Richard. Pouco importa que eu tivesse apenas sete anos, a música já era um grande amor e eu não seria  hoje a mulher de paixões que sou se não tivesse começado por ser a criança de paixões que fui.

Seja como for, lá por 1975, 1976, comecei a fartar-me das prestações britânicas no Festival. Aquilo já não me dizia nada, achava as músicas parvas. E transferi o meu apoio para as canções italianas. A de 1978, Questo Amore, é ainda hoje uma das músicas da minha vida. Não porque tenha uma qualidade extraordinária, nem sequer tem uma qualidade por aí além. É apenas por trazer consigo lembranças de uma felicidade imensa. No ano seguinte, 1979, ganhou Israel, com uma música fraquinha, básica, de receita quase garantida. Acabei a noite rouca de tanto me exasperar com as votações, a parvíssima canção espanhola a dar uma luta incompreensível, até ao fim o resultado esteve indeciso. O meu querido Estado de Israel ser batido por Espanha?! Mas era só o que faltava! Enervei-me, gritei, praguejei com os votos de cada país, as figuras que uma pessoa faz! Mas a minha preferida foi mesmo a canção italiana, este Raggio di Luna, de uns tais Matia Bazar.

Vamos lá falar com franqueza: a música é fraquinha, pronto. Sempre tive noção disso. Mas podemos ser lúcidos quanto aos reais méritos de alguma coisa ou de alguém sem que o nosso afecto seja beliscado — é o caso. O encanto da língua italiana não chega como explicação, a explicação é outra, e passa pela Primavera de 1979, por tardes supostamente de estudo em casa do P. M. que mais eram sessões de música e muita galhofa, o frasco de álcool a ter de aparecer no fim para limpar os riscos de esferográfica que eu lhe fazia no braço a cada graçola que ele me dizia. Tardes de estudo quase invariavelmente interrompidas para irmos comer um gelado à Pindô, no prédio do lado, ou para irmos aos crêpes do Pão de Açúcar da Estados Unidos da América, a cinco minutos de distância (oh tempos felizes! Eu engolia alegremente dois crêpes com gelado, chantilly e chocolate quente e era uma sílfide!), ou às livrarias do Apolo 70 e do Arco-Íris, ou a uma sessão de cinema que o capricho do momento nos fazia apetecida. Ou a uma discoteca. Por discoteca entenda-se loja de discos, evidentemente.

Nessa Primavera de 1979 o P. M. sabia que estava para aparecer à venda (era do ano anterior, mas os discos continuavam a chegar cá com grande atraso) Darkness on the Edge of  Town, de Bruce Springsteen. Quase todas as tardes arranjávamos maneira de passar numa ou noutra discoteca, a ver se já tinha chegado. Nessa tarde de 21 de Maio, nem sei bem porquê, fomos dar à discoteca do Imaviz. Onde ele finalmente o encontrou. À saída, ele já com a sua preciosa compra debaixo do braço, parámos a ver a montra, bastante ecléctica. E lá estava este disco, Raggio di Luna (o Festival tinha sido no mês anterior). «Adoro aquela música!» — exclamei impulsiva, a apontar para a capa. E não houve maneira de o dissuadir de mo oferecer. Relembro agora, divertida, os tormentos que viria a passar por causa dessa generosidade dele. Lembro em especial uma certa ida à Feira do Livro, que ainda era na Avenida da Liberdade, eu sem me atrever a manifestar interesse por qualquer livro, quanto mais manuseá-lo, segura de que o passo seguinte seria ele oferecer-mo (e resignada a voltar lá noutro dia, para poder fazer compras). Nem o meu aparente desinteresse conseguiu vencer o seu empenho. Desconheço qual terá sido o critério, mas acabei por ser presenteada com O Admirável Mundo Novo, de Huxley, da querida Colecção Dois Mundos. E foi impossível recusar, claro. Está na estante por trás de mim, anda comigo há mais de trinta anos.

Preciosos, um e outro. O disco e o livro.

sábado, 12 de abril de 2008

Eurovisão: os vencidos que foram vencedores #1

Cresci num tempo bem mais tranquilo em que não se via televisão à hora das refeições. O aparelho, um por família, fosse ela rica ou remediada, estava na sala. Via-se a preto e branco e só havia um canal, cuja emissão começava ao fim da tarde, lá pelas seis horas, creio, e acabava (com o Hino Nacional) pouco depois da meia-noite, às vezes antes, dependendo da programação. O segundo canal só surgiria, se a memória não me falha, lá por 1969, quando eu tinha oito anos.

Cresci num tempo em que o Festival da Canção (que na verdade, pelo menos nesse tempo, se chamava Grande Prémio RTP da Canção, mas toda a gente lhe chamava simplesmente o Festival) era um acontecimento importante. Importante? Importantíssimo! O mais importante de todos, em matéria de televisão. E era a antecâmara de um outro acontecimento de dimensão ainda maior, o Festival da Eurovisão.

O país parava, garanto. Nas ruas não se via passar um cão. No dia seguinte (nos dias seguintes, aliás) as conversas giravam todas em torno dele, Festival. Lembro-me bem da minha Mãe, em 1969, a comentar - escandalizada - com uma amiga o célebre verso da Desfolhada de Simone de Oliveira. Children will listen, razão tinha Stephen Sondheim: se não fosse essa conversa que apanhei por acaso e da qual, obviamente, não percebi patavina, nem teria reparado no tal verso - «Quem faz um filho, fá-lo por gosto» - se não a tivesse ouvido referi-lo. Fiquei com a sensação incómoda de ser aquilo uma malcriadice, a minha designação pessoal para palavras feias, que viria a ser adoptada por toda a família, que lhe achou graça.

A memória diz-me que o Festival da Eurovisão era mais ou menos por esta época do ano. Quando aparecia no ecrã o logótipo da Eurovisão e se ouvia o hino, chamava-se quem ainda não estava na sala, vinha tudo a correr. Eu, claro, já lá estava. As primeiras notas do hino (que não consegui encontrar no Limewire, alguém tem?) davam-me, confesso sem qualquer vergonha, um frémito de excitação. Havia muitos shius! a exigir silêncio, anunciávamos uns aos outros o mais que evidente «Vai começar!»

Eu torcia sempre pelo Reino Unido. Nem queiram saber da minha fúria quando Congratulations, de Cliff Richard, foi derrotado pelo La-la-la de Massiel, que ainda hoje, de aspecto, acho uma versão além-Guadiana da inefável Sendália Moreira. Em 1972, precisamente o ano com que inicio esta série de posts, vi-me perante um dilema. A música dos New Seekers, Beg, Steal or Borrow, era giríssima (achava eu), mas nesse ano a RTP brindou-nos com uma espreitadela ao que se ia ouvir, passando todas as canções na semana anterior ao Festival e fiquei conquistada pela canção do Luxemburgo. O meu francês já era suficientemente desenvolto para perceber a letra de uma ponta à outra - tirando a palavra désormais, que me fez ir ao dicionário a seguir... - e quando Vicky Leandros (no relation, que eu saiba) acabou de cantar Après Toi anunciei à minha Mãe, que não podia estar menos interessada, que aquela canção ia ganhar. E ganhou. A partir de 1976 ou 77, comecei a torcer pela Itália. As músicas de 1978 e 79 entretecem-se com a minha vida e pautaram momentos de grande felicidade.

Acompanhei o Festival até 1980, o ano dos meus vinte anos, depois desinteressei-me. Em 1990, por puro acaso, soube que Toto Cutugno ia cantar a canção italiana. Só por ele e porque lhe adoro a voz, interessei-me brevemente. Organizou-se encontro de amigos em casa da Ana, a ex-mulher do Vítor (a relação já ia em dez anos, mas ainda não estavam casados - como ela dizia com aquela graça tão só dela... «O quê? Eu deixar de viajar para pagar prestações de um frigorífico? Só se fosse doida! Cada cliente novo que me entra no escritório... vejo-o logo em formato de bilhete de avião!»), Toto Cutugno ganhou, fiquei contente e arrumei o Festival para todo o sempre. Sim, já lá vão 18 anos. Nunca mais vi, não sei nem desconfio que canções portuguesas concorreram entretanto, que canções passaram lá fora. Tenho mais que fazer.

Deixo-vos a que é a minha favorita de todas as músicas que Portugal levou à Eurovisão. Carlos Mendes, que já antes tinha cantado um medíocre Verão, redimiu-se com este A Festa da Vida. Tanto quanto sei, foi a canção portuguesa mais bem classificada na Eurovisão, com um honroso sexto lugar, talvez sétimo - tínhamos uma irresistível apetência pelos lugares do fundo. Letra de José Niza. Música de José Calvário, que eu viria a conhecer muitos anos mais tarde, pessoa das mais encantadoras que conheci (só a minha amiga Paulinha lhe ganha) e de uma lealdade a toda a prova, principalmente nos momentos difíceis, lembro-me de ele, certamente com grande transtorno, ter vindo de propósito de Londres para votar numa certa Assembleia Geral. O Rui já não está connosco, mas eu lembro-me muito bem, tenho aliás retratos dessa noite de derrota e desorientação. Só nunca me lembrei de lhe agradecer esta música, fica para a próxima vez que nos virmos. Obrigada, Zé! :)