Domingo musical (os discos da minha vida #4)
Ofereci-me este requintado presente no Natal. Temporariamente afastada de quase todos os meus discos, alturas há em que a saudade de uns quantos me rói os ossos. Era o caso de Ombra Mai Fu, pelo extraordinário Andreas Scholl. Um banquete de Händel... e eu adoro os barrocos em geral e Händel e Vivaldi em particular. Bach, esse, entra numa categoria tão à parte... que nem o incluo. Bach, para mim, vem logo a seguir a Mozart. Este The Essential Andreas Scholl reúne três discos: Stabat Mater de Vivaldi, English Folksongs & Lute Songs e, claro... Ombra Mai Fu (do qual tenho agora, portanto, dois exemplares).
Andreas Scholl é neste momento, julgo, o maior contratenor do mundo. Uma voz prodigiosa e uma delicada sensibilidade. Tive a felicidade de o ver várias vezes em palco. A mais memorável de todas foi a 28 de Junho de 2000, no Convento do Beato. Andreas Scholl cantava Händel, acompanhado pela muito justamente célebre Akademie für Alte Musik, de Berlim. Decorria o Europeu e Portugal tinha nesse dia um jogo decisivo contra a França. Tive pena de não poder vê-lo, mas não havia hesitação possível. A Música primeiro! - o concerto destronou o jogo. O Pedro foi-me mantendo informada por sms (sim, Ana e Mad, é o Pedro que vocês conhecem; por falar nisso, tenho-me esquecido, estamos todas convidadas para um jantar na quinta dele no Cartaxo, ele fornece tudo, comes e bebes, encarregou-me de fornecer a música, vocês fornecem só as vossas lindas presenças). Ainda antes do início do concerto, várias pessoas, percebendo que eu estava com informação ao minuto sobre o jogo, interrogavam-me com os olhos. E depois, durante o concerto, a cada intervalo entre duas árias, havia caras que se voltavam para mim expectantes... até àquele momento fatídico em que entrou mais uma mensagem, justamente no fim de uma ária. Penalty contra Portugal. Li em voz suficientemente audível para ser captada pelas pessoas mais próximas. Querem acreditar que Andreas Scholl, que deve ter percebido, foi TÃO, mas TÃO generoso (alguém lhe traduziu rapidamente o que estava a acontecer) que esticou ao máximo o momento de passar à ária seguinte?
Julgo que foi um ano depois que voltei a vê-lo, dessa vez na Gulbenkian (o homem adora Portugal, o que é uma sorte para nós, reduz consideravelmente os seus cachets milionários para cantar aqui). Confesso que o concerto não me encheu as medidas, apesar da voz indescritível. Eram as tais English Folksongs. Mas havia os encores, com eles contava. Não nos decepcionou. No fim dos aplausos intermináveis, voltou. Era de esperar. À primeira nota eu e o Vítor trocámos um olhar mudo e emocionado, era Ombra Mai Fu, a ária deslumbrante de Serse. A ária que mais queríamos ouvir, esta coisa mágica e feiticeira que está agora a tocar, Va Tacito, era coisa impossível. «Esquece, não há trompa», tinha eu dito ao Vítor no intervalo. Imaginem agora a nossa emoção quando, a seguir a uma trovoada de aplausos de pé... Andreas Scholl volta e com ele vem um músico com uma trompa! Já sabíamos o que íamos ouvir. Va Tacito, esta ária sublime do Giulio Cesare de Händel (que tenho completo, o papel de César ainda cantado por uma mulher, a grande Jennifer Larmore - na verdade o papel foi concebido para um castrado). Eu e o Vítor abraçámo-nos um ao outro, num êxtase de felicidade. É que sabíamos que aquilo que íamos ouvir era esta ária que tínhamos julgado impossível naquela noite. Va Tacito. Notem o maravilhoso diálogo entre a voz puríssima e a trompa. Não é sublime?
Julgo que foi um ano depois que voltei a vê-lo, dessa vez na Gulbenkian (o homem adora Portugal, o que é uma sorte para nós, reduz consideravelmente os seus cachets milionários para cantar aqui). Confesso que o concerto não me encheu as medidas, apesar da voz indescritível. Eram as tais English Folksongs. Mas havia os encores, com eles contava. Não nos decepcionou. No fim dos aplausos intermináveis, voltou. Era de esperar. À primeira nota eu e o Vítor trocámos um olhar mudo e emocionado, era Ombra Mai Fu, a ária deslumbrante de Serse. A ária que mais queríamos ouvir, esta coisa mágica e feiticeira que está agora a tocar, Va Tacito, era coisa impossível. «Esquece, não há trompa», tinha eu dito ao Vítor no intervalo. Imaginem agora a nossa emoção quando, a seguir a uma trovoada de aplausos de pé... Andreas Scholl volta e com ele vem um músico com uma trompa! Já sabíamos o que íamos ouvir. Va Tacito, esta ária sublime do Giulio Cesare de Händel (que tenho completo, o papel de César ainda cantado por uma mulher, a grande Jennifer Larmore - na verdade o papel foi concebido para um castrado). Eu e o Vítor abraçámo-nos um ao outro, num êxtase de felicidade. É que sabíamos que aquilo que íamos ouvir era esta ária que tínhamos julgado impossível naquela noite. Va Tacito. Notem o maravilhoso diálogo entre a voz puríssima e a trompa. Não é sublime?
Não me diga que não o viu no CCB em Saul! Imperdível!
ResponderEliminarCaro Anónimo (Pedro? Geocrusoe?),
ResponderEliminarClaro que o vi no Saul! Eu ia lá perder isso?! Apesar de em baixa forma vocal (devia estar com uma gripalhada do pior), Andreas Scholl foi magnífico. De metade para o fim, diria eu, cresceu incrivelmente. Uma noite inesquecível.
Teresinha, mais um gosto que temos em comum: os barrocos. Tive a sorte de assistir a vários concertos memoráveis no CCB e não só, promovidos pelo "Em Órbita" para a PT. Acho que o Saul foi um deles, eu também lá estava! Mas o mais inesquecível de todos foi na igreja do cemitério dos ingleses - uma encenação de luxo para vozes fantásticas, nas Lamentações do profeta Jeremias (Cavalieri). Era o Vicent Dumestre com o seu Poème Harmonique, e nunca vi/ouvi nada tão emocionante como aquilo. Tenho os discos de alguns desses concertos, porque saía de lá em êxtase e ia a correr encomendá-los à Fnac.
ResponderEliminarO mundo é pequeno, mesmo.
Beijos
PS: acho que vou passar a vir ouvir música aqui à Gota...
Gosto de ópera (não com tua paixão com certeza, talvez por não me terem educado tão bem os ouvidos à ela) mas às vezes me cai tão triste, como hoje, como hoje... ai... mas que é lindo isso é sim...
ResponderEliminarPronto, não passa de hoje!Teresinha tenho a dizer-te: sou tua fã! Tens um gosto musical fantástico e olha que me tens ensinado (e recordado)muitas coisas.
ResponderEliminarA música clássica lá em casa era obrigatório. Era de manhã à noite e não excluía os fins-de-semana. Eu lia o Expresso, de trás para a frente, deitada no chão (aquilo era grande), a balançar os pés ao som de qualquer coisa que tocava na Antena 2, aqueles concertos em directo e por aí fora.
Sempre ensinámos ao meu pai os êxitos comerciais de cada ano e ele dava-nos palestras dos 'êxitos' clássicos. Uma 'seca' que hoje nos vale um gosto musical aceitável. Surpreendia-me como sabia ele tantos nomes complicados. Sempre fui tonta e nunca atenta aos nomes, aos compositores, às peças, intérpretes... mas ainda sei alguns, os de que mais gosto! Sou daquelas que dizem: como é que se chama o 'tantan...tan..taran'? E, quase sempre, alguém me segreda ao ouvido! Sortuda rodeada de melómanos.
A minha avó ofereceu-me o gosto da ópera com tanto bilhete que me deu para o São Carlos (sentia-me sempre como a Julia Roberts no Pretty Woman... ai tanta emoção) e tantos Cds que me oferecia e que guardo religiosamente ou que trago para a biblioteca. A Ópera enquadra bem com os meus livros (depende dos dias).
Em adolescente fazia uma coisa péssima, levava livros para os concertos e esperava que o meu lugar fosse mesmo debaixo das luzes de presença (era a vergonha da família). Uma vez li a 'Metamorfose' quase toda, num concerto de Música Antiga, mas o melhor eram os concertos de órgão nas igrejas, aí havia sempre luz. Ler num concerto e numa igreja? O meu pai tinha razão, não foi aquela a educação que ele me deu, mas enfim. Sabia-me melhor do que fazer o mesmo em casa.
Por isso gosto tanto destas tuas selecções musicais e destes teus apontamentos da emoção com que ouves e sentes a música, seja a Música no Coração seja o Andreas Scholl (que também já vi ao vivo... que arrepio!).
Beijinhos
p.s. E desculpa o testamento!
Teresa, aqui estou para agradecer o enriquecedor contributo ao Sub Rosa.
ResponderEliminarVejo, como ganho insupeito, que somos fãs do bel canto. E mais.
Ontem passei aqui e soube da triste noticia sobre Di Stefano. Ouvi o Locevan... e ouvi outras coisas cá em casa.
Hoje outro post estupendo. Uma honra para mim.
Um magnífico aporte para toda a blogosfera.
Só posso dizer muitos obrigadas.
Meg
Este comentário não tem nada a ver com a entrada do blogue mas é só para dizer que já provei a receita...
ResponderEliminarAssim não vale!Tive de aldrabá-la (à receita, entenda-se). Um dos convivas não gosta de pato (!?!?), fiz com galinha e não encontrei pinhões. Ainda assim, deliciosa!
ResponderEliminarAi,aiaiaiai, se eu sober que fui a ponte entre esta krida Teresa e minha grande amiga Meg... vou ficar absolutamente pasma e feliz>>> por essas e outras q adoro a blogosfera! :D
ResponderEliminarComentário mais premente (e agora vou mesmo para a cama):
ResponderEliminarDavid e Pedro, fiquei divertidíssima quando percebi que se conheciam. Mas atenção, o mérito da receita é todo da TCL, eu só divulguei.
CoRa,
Por acaso, só por acaso, não foste tu a ponte. Foi a Ana do Porta do Vento (está nos meus links, é uma das Cell Blog Chicks, visita, é mesmo o género de blóguio que vais adorar). Mas já fiquei fã da Meg.
PRECISO DE MAIS TEMPO!!! Tanta gente a visitar como merece e já estou aqui que não posso com uma girafa pelo rabo! Beijos a todos.
Última antes de sair MESMO:
ResponderEliminarSofia,
O teu comentário dava um grande post. Não sei, não sei... Acho que amanhã ainda faço isso. Autorizas?
Beijo.
Por acaso gosto muito de Andreas Scholl mas nunca o ouvi ao vivo e não tenho nenhum disco dele. aproveito este espaço para dizer que nunca comento anonimanente, excepto se houver um lapso e carregar antecipadamente no enviar, o que por norma corrijo de imediato! claro que no caso acima nada de mal tinha a pergunta, mas gosto de assumir o que digo, mesmo que nem sempre seja o mais certo.
ResponderEliminarGeocrusoe,
ResponderEliminarNão se ofenda, por amor de Deus, achei que aquele comentário simpático podia ser seu ou do Pedro, que são comentadores espaçados e mais virados para os posts em que falo de música. E claro que presumi que o anonimato era acidental...!
Não vejo endereço de mail na sua página. Quer enviar-mo? Posso mandar-lhe este esplendoroso disco de Andreas Scholl inteirinho amanhã à noite. E os outros dois também, se quiser.
Um beijo.
Oi Teresa!
ResponderEliminarSou outro fã, que andava escondido...hehe.
Na verdade, descobri os blogs mexendo primeiramente no seu, quando joguei "Mozart" no Google, e apareceu seu endereço, há uns bons meses atrás (aqui no Brasil os blogs não fazem tanto sucesso). Depois disso, comecei a fazer visitas frequentes.
Mas porque só hoje resolvi escrever?
Porquê só hoje tive coragem...
E mais, vou ter também a cara de pau de pedir uma coisinha... se me manda a música desse post pro meu email(?).
Adorei! Não conhecia!
Se me mandar, já fica o agradecimento! Se não mandar, vou ter que chorar, fazer o quê...hehehe.
Bjo
Estas minhas respostas aos comentários estão uma balda e uma anarquia totais!
ResponderEliminarVamos lá ver: quem deixei de fora?
A Ana.
Não tive o privilégio de ver esse concerto de que falas, e fico cheia de boa inveja.
Quanto à música... que responsabilidade! :) Tentarei não defraudar as tuas expectativas.
Meg,
Foi um enorme prazer, aquele desafio era irresistível. E tive agora a grata surpresa de saber que é amiga da CoRa. Mundo tão pequenino...
Tamino (com tal nome, já é meio caminho andado),
Que engraçado! E coragem para comentar? Essa não percebo. Seja como for, já lhe mandei a ária, que se apressou a agradecer. Vou mandar-lhe mais umas quantas do disco, que já percebi que não tem.
Beijos a TODOS!
P.S. Estou a tentar corrigir a grosseria acumulada de não responder aos vossos comentários, que fazem deste cantinho uma coisa viva. Obrigada.
É verdade. Mas o David só a conhece através de mim! LOL! E convenhamos que ele foi só convidado para as sobras... portanto a opinião dele não conta!
ResponderEliminarHehehe... pode rir... Eu não sabia que nick colocar, mudei várias vezes, daí um dia estava ouvindo uma ária da Flauta Mágica e pensei, taí, Tamino, achei que iria ficar muito nobre, e diferente...hehe.
ResponderEliminarQuanto as outras árias que me mandou, já as baixei e ouvi! Lindas! O que me obriga a agradecer-te por mais esse gesto de atenção e simpatia!
Sempre que quiser mandar, sinta-se à vontade; assim como, não terei pudor em pedir-te outras, quando vc postar e eu quiser também. :D
E falta o comentário do Blog, que foi o primeiro, e já a me dar uma dica. Vou testá-la na próxima vez que me acontecer aquele inconveniente.
E antes que isso vire um livro, vou terminando por aqui.
Bjos e obrigado!