terça-feira, 4 de maio de 2010

Life imitates Art

A mais nobre das dinastias do Teatro: Vanessa, Corin e Lynn Redgrave; Rachel Kempson, a mãe


Quando, há menos de dois anos, vimos Vanessa Redgrave no National Theatre na pele de Joan Didion em The Year of Magical Thinking, estávamos longe de imaginar as sucessivas tragédias que se aproximavam. Quando, menos de duas horas mais tarde, as tivemos como vizinhas de mesa no restaurante, mãe e filha, Dame Vanessa e Natasha Richardson, estávamos a anos-luz de poder sequer pensar que aquela lindíssima mulher, tão nova, que o Vítor apanhou a sacudir desesperadamente o isqueiro à porta do The Wolseley, deixaria este mundo no breve espaço de oito meses. Quando, uma hora antes dessa cena tão cómica, conversei brevemente com Dame Vanessa e concordámos que o texto da peça era poderoso, era magnífico, estávamos ambas longe de imaginar que aquela tremenda frase que é a abertura da peça, And it will happen to you, iria abater-se sobre ela, a vida a imitar a arte, a vida sempre entretecida com a morte a levar-lhe também a filha adorada que jantava ali com ela nessa noite, à nossa beira, tal como tinha levado a filha de Joan Didion, que ela tinha representado no palco.

A morte de Natasha Richardson perturbou-nos demasiado aos dois. Principalmente porque era impossível dissociar aquela terrível perda, a mais dura que um ser humano pode sofrer, a perda de um filho, da perda de Joan Didion a que Dame Vanessa tinha dado voz. A vida a imitar a arte. «Life imitates Art far more than Art imitates Life», nas palavras do meu amado Oscar Wilde.

Natasha Richardson, a nossa inesquecível Sally Bowles do Cabaret de Sam Mendes, teve uma morte absurda, a 18 de Março do ano passado. Condoemo-nos indizivelmente do sofrimento de Vanessa Redgrave. Um ano mais tarde, a seis de Abril, parte Corin Redgrave, o irmão, com 70 anos. Menos de um mês depois, ontem, foi a vez de Lynn, a irmã, aos 67. O Teatro está hoje de luto. É um lugar-comum, mas é terrivelmente verdadeiro, tão grande é a importância da dinastia Redgrave. Vanessa era a mais velha dos três irmãos, com 73 anos.

E eu tenho uma compaixão infinita pela sua dor esta noite, dor que nem consigo começar a imaginar, somatório de dores tremendas e sucessivas, mal a deixando respirar, ao longo de um único ano. The Year of Magical Thinking — como se, ao vestir a pele de Joan Didion em palco,  ao dar-lhe voz, tivesse atraído para si perdas igualmente terríficas. A seguir à morte de Natasha tive a certeza de que ela nunca mais conseguiria levar aquele papel ao palco, tão desgarradoramente pessoal o texto se tinha tornado. Enganava-me, aparentemente, houve notícias no meio teatral de que voltaria a fazê-la (e eu estaria lá, nem que fosse em Asunción, Paraguai). Não pelo morbo (eloquente substantivo castelhano para o qual não encontro tradução que me satisfaça), mas para render homenagem a uma verdadeira  heroína. Agora tenho a certeza absoluta e definitiva de que Dame Vanessa não voltará a dizer em palco o monólogo de mais de hora e meia que esta noite deve passar-lhe inteiro na cabeça, uma e outra vez, todo aquele revolver da perda, das perdas tremendas. Lembro o seu gesto tão espontâneo e caloroso, a afagar-me o pulso em agradecimento da emoção que sentiu genuína, aquele «Thank you. Thank you.» A Vida imita a Arte, sim. Mas esta noite ela é só a mãe e a irmã, respeitemos. E é por isso que prefiro que desta vez se lixe a Arte e que o mundo perca mais uma extraordinária representação de Dame Vanessa Redgrave (que muito boa gente, que sabe bem mais disto do que eu, considera a maior actriz de palco viva). Tenho tanta, tanta, tanta pena!
Natasha Richardson e Vanessa Redgrave, Evening

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