segunda-feira, 22 de agosto de 2011

I ♥ Amazon

Mais um para a minha colecção de livros sobre Oscar Wilde. Em segunda mão, vindo dos Estados Unidos. Encadernado, como novo, tirando aquela minúscula mossa da sobrecapa de papel no canto inferior esquerdo.


O preço? A anedota abaixo. Fnac who?


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Agatha dearest

«One knows that an author has been well loved if, when he or she dies, fans wish there was one more book left for them to read; no one is more deserving of such an accolade than Agatha Christie.»

Estas são as linhas finais de um livro que li há pouco tempo, graças à I., já que lhe desconhecia a existência, e que me apaixonou: Agatha Christie and the Eleven Missing Days, de Jared Cade.

Tanto a I. como eu achámos o livro apaixonante e (palavras dela em privado, com as quais concordo integralmente), escrito com muito carinho e humanidade. Eu vou um bocadinho mais longe: acho que o livro é uma soberba biografia. Para devotas da obra de Agatha Christie como nós, juntou muitas pontas soltas, pontas muito dolorosas para a escritora, coisas que nem sequer remotamente aflorou na sua autobiografia (cuja leitura, ainda assim, recomendo).

Muitas vezes, ao reler Agatha Christie (sim, eu releio-lhe os livros), tropecei na sua imensa compaixão por amores desesperados, nas descrições que intuí serem quase pessoais. À cabeça ponho a Elinor de Sad Cypress (em português Poirot Salva o Criminoso), senti que havia ali muito do seu imenso amor pelo primeiro marido, Archie; ponho também a Elsa de Five Little Pigs (Poirot Desvenda o Passado), que me parece um exercício quase catártico. Outras personagens há. Até no ciúme feroz e orgulhoso de Mary Cavendish, no seu primeiro livro, poderíamos já encontrar pistas para o seu trágico primeiro casamento.

À medida que vou envelhecendo, os livros de Agatha Christie vão-me sendo ainda mais queridos. Comecei a lê-la aos 16 anos, incitada pelo D., o meu namorado. A Colecção Vampiro Gigante, que ia publicar a sua obra integral por ordem cronológica, tinha acabado de ser lançada. Um livro novo de três em três meses, dei comigo a desejar que aquilo se prolongasse muito mais, não queria o dia em que já não houvesse um livro novo para ler.

Outras palavras de Jared Cade que me tocaram muito, por perceber muito bem aquilo de que ele fala, aquela nostalgia de um tempo perdido:

«Agatha was destined to be known as the disappearing novelist in more ways than one; much of the world she knew and wrote about has almost completely vanished: a world of chauffeured Daimlers and Bentleys, solvent aristocracy and stately homes.» — a isto voltarei amanhã, a propósito de Miss Marple.

Não foi fácil encontrar um retrato de Agatha Christie para pôr aqui, um retrato que lhe fizesse justiça, o mais provável é que fosse apenas pouco fotogénica. Jared Cade é peremptório, era uma mulher muito atraente e com grande encanto, foi-o até depois dos 40 anos, quase até aos 50, repete-o várias vezes ao longo do livro.

E agora temos um novo destino de sonho, a I. e eu: Greenway.

Mais, muito mais haveria a dizer sobre Agatha Christie. Acho que fica para outro dia, tão cansada me sinto.

Recado para a Charlotte: corre a comprar o livro. É uma autêntica biografia. E das melhores.

Apontamento à margem: este retrato de Agatha Christie é de 1926, o ano da grande tempestade, que só detonou em grande em Dezembro. Aposto que o casaco de malha que Agatha veste era de Archie: abotoa ao contrário, à homem.

sábado, 13 de agosto de 2011

Que diabo?


Há coisas em que sou muito esquisita. Gosto de ter tudo organizadinho, tudo bonitinho. E isso também passa pelo meu iPod. Gosto que as músicas sejam acompanhadas pela capa do disco. Manias, pronto. Ora, por qualquer misterioso capricho divino, nem sempre o iTunes me encontra automaticamente as capas (e outras vezes encontra-me capas disparatadas). Fico irritada e ponho-as à pata. Quem não tem cão caça com girafa, assunto resolvido.

Ora hoje reparei que nem numa única das faixas de Jesus Christ Superstar, essa obra-prima de Andrew Lloyd Weber, que nunca mais fez nada à altura, aparecia a capa. Toca a ir buscá-la. E, claro, abri o primeiro resultado que me apareceu no Google, para gravar a imagem, e que foi esta página. Imaginem agora a minha cara de parva quando dei com a publicidade. Agência Funerária Ponte de Lousa?!

Escolho para banda sonora aquela que é, para mim (como é para o Vítor, como era para o Nuno) a melhor música da obra, basta ouvir a extraordinária letra de Tim Rice. um dia destes tenho de falar mais alongadamente de Jesus Christ Superstar, e de como uma obra tão pouco ortodoxa alargou a minha visão dos Evangelhos, aos 14 anos.


My mind is clearer now
At last
All too well
I can see
Where we all
Soon will be
If you strip away
The myth
From the man
You will see
Where we all
Soon will be

Jesus!
You've started to believe
The things they say of you
You really do believe
This talk of God is true

And all the good you've done
Will soon be swept away
You've begun to matter more
Than the things you say

Listen Jesus
I don't like what I see
All I ask is that you listen to me
And remember
I've been your right hand man all along
You have set them all on fire
They think they've found the new Messiah
And they'll hurt you when they find they're wrong

I remember when this whole thing began
No talk of God then, we called you a man
And believe me
My admiration for you hasn't died
But every word you say today
Gets twisted 'round some other way
And they'll hurt you if they think you've lied

Nazareth's most famous son
Should have stayed a great unknown
Like his father carving wood
He'd have made good
Tables, chairs and oaken chests
Would have suited Jesus best
He'd have caused nobody harm
No one alarm

Listen Jesus, do you care for your race?
Don't you see we must keep in our place?
We are occupied
Have you forgotten how put down we are?
I am frightened by the crowd
For we are getting much too loud
And they'll crush us if we go too far
If we go too far

Listen Jesus to the warning I give
Please remember that I want us to live
But it's sad to see our chances weakening with ev'ry hour
All your followers are blind
Too much heaven on their minds
It was beautiful, but now it's sour
Yes it's all gone sour
Ah --- ah ah ah --- ah
God Jesus, it's all gone sour

Listen Jesus to the warning I give
Please remember that I want us to live
So come on, come on, listen to me.
Ah --- ah
Come on, listen, listen to me.
Come on and listen to me.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Um enorme aplauso

Esta noite, no programa de Ellen DeGeneres, apareceu como convidado Graeme Taylor, um miúdo de 14 anos que me deixou boquiaberta de admiração.

Jay McDowell, professor de Economia da sua escola de Ann Arbor, Michigan, foi suspenso sem vencimento por ter expulsado da aula um aluno que fez violentos comentários homófobos. Graeme saltou em sua defesa no conselho escolar. Vale mesmo a pena ver o filme abaixo, porque regista parte dessa sua intervenção, bem como a sua participação no programa de Ellen.

Fiquei maravilhada com a clareza de raciocínio, a mente perfeitamente estruturada e a limpidez articuladíssima do discurso deste adolescente de apenas 14 anos. Que vai ser, na certa, um grande Homem. Vai ser? Corrijo: já é um grande Homem.

Não percam.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Oprah's favourite things

Este programa anual e lendário foi o último, porque o show de Oprah já chegou ao fim nos Estados Unidos. Parece que as tentativas de subornos e cunhas para estar na assistência eram uma coisa de loucos — o próprio Brad Pitt terá uma vez telefonado a Oprah para tentar arranjar um bilhete para a mãe, segundo ela conta na edição em DVD dos vinte anos do show

Só apanhei o programa de hoje já no fim, no momento em que Oprah dava a cada pessoa na assistência (julgo que costumam ser 300) o novo modelo do Carocha de 2012. A histeria foi a habitual.

De todos estes programas, o mais célebre foi o do início da temporada de 2004-2005. Estávamos em Miami de férias, o Vítor foi ao cybercafe da Collins para fazer alguns ajustamentos em reservas para restaurantes, eu aproveitei para me enfiar na sapataria da esquina. Nisto recebo um SMS dele: «Vem depressa ver a Oprah.» No café havia um plasma gigante e estava toda a gente suspensa a ver aquela enorme extravagância, não havia memória de coisa semelhante, foi a notícia de abertura de todos os telejornais pelo país fora: a assistência em peso recebeu um Pontiac do ano.

O que fiquei a saber há pouco tempo, quando li a biografia de Oprah por Kitty Kelley, foi que os tais carros não estavam isentos de taxas, que correriam por conta dos premiados, e que ascendiam a sete mil dólares, uma verba que a maior parte dos presentes, quase todos professores, não podia pagar. Muitos não puderam levar os carros, outros levaram-nos, venderam-nos, pagaram as taxas e ficaram com a diferença. Gostava de saber como terá sido desta vez.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

R.I.P. Roselle


A adorável Roselle, grande heroína do 11 de Setembro, morreu a 26 de Junho passado, com 13 anos (notícia aqui).

antes falei dela, de como a sua teimosia salvou a vida do dono, cego, guiando-o (e a mais pessoas) na descida de pesadelo de setenta e oito andares, rumo à vida, minutos antes do desmoronamento da Torre Norte, a que assistimos em directo.

Rest in peace, lovely Roselle.

Até que o divórcio nos separe

Ontem, em mais um episódio de Desperate Housewives (já foi anunciado que a próxima temporada será a última), Lynette e Tom Scavo separaram-se, ao fim de mais de vinte anos de casamento. O que me fez lembrar uma conversa tida há dias ao almoço com a minha amiga Luísa.

Debatíamos como ultimamente era grande o número de casamentos de  muitos anos que chegam ao fim. Entre as nossas amizades são imensos. Quando fui ao primeiro jantar trimestral do meu grupo do Liceu, em 1996 (os jantares tinham começado no ano anterior), éramos 18, só três de nós não éramos casados. Os casados, a esmagadora maioria, já levavam quase todos mais de dez anos de casamento em cima e não havia um único divórcio. Agora, quinze anos passados, é raro que a cada novo jantar não fique a saber de mais uma separação. Com algumas histórias tétricas pelo meio, a começar na mulher encantadora de um de nós, com quem eu, mesmo sem a conhecer, acabava por ter grandes conversas ao telefone quando ligava para o marido, e que sem dizer água vai, quando percebeu que a separação estava por dias, se apressou a limpar-lhe uns largos milhares de contos de uma conta conjunta. O meu amigo andou uns bons três ou quatro anos para se reequilibrar financeiramente. Ela, no meio disto tudo, quase todas as noites se enfiava no carro e ia parar discretamente perto do prédio para onde ele se tinha mudado, a vigiar as entradas e saídas, e se havia luz nas janelas — e sei isto confessado pela própria, de uma vez em que me telefonou. Há uma história caricata de divórcio e recasamento, e nova separação (já estão novamente juntos, mas desta vez não casaram). Há o caso do meu amigo que descobriu que a mulher andava a traí-lo com o melhor amigo (um clássico), que ainda por cima era patrão dela. O Vítor e a mulher, durante tantos anos o casal mais feliz e harmonioso que alguma vez conheci, separaram-se ao fim de 24 anos. Há casos de graves crises que iam desembocando em divórcio, mas que conseguiram ser superadas, só não se sabe até quando. Mas a verdade é que as separações vão sendo cada vez mais frequentes no nosso grupo.

Claro que há casamentos que me parecem muito sólidos, como os da São, da Clara, da Vanda, da Eunice ou do António. Há o caso único do Helder e da outra Eunice do nosso grupo, namoro começado ainda no Liceu e casamento que dura até hoje. E é uma delícia conversar com cada um em separado e ver e ouvir o carinho, a admiração e a consideração com que cada um fala do outro. Ainda há coisa de dois meses o Helder veio almoçar comigo (trabalha muito perto do Colosso) e, falando dos problemas de saúde dos pais, uma situação complicada de gerir, me dizia coisas enternecedoras como "não imaginas como a Eunice é extraordinária, o jeito, a meiguice e a paciência que tem para os meus pais!" Faz bem à alma ouvir coisas destas. Como faz bem à alma pensar na história da Leninha e do João, que já contei aqui e aqui. O divórcio da Leninha, ao fim de 18 anos de casamento, foi dos primeiros divórcios tardios do nosso grupo. Quatro anos depois ela e o João reencontravam-se e estão quase a completar um ano de casados.

O fim de qualquer relação entristece-me sempre. Traz consigo sofrimento para as duas partes, sofrimento para os filhos. E era isso que eu debatia naquele almoço com a Luísa, ela própria casada há vinte e muitos anos, a admitir francamente que nem sempre era fácil, que havia altos e baixos, necessidade de muita compreensão, de muitas concessões, de muita paciência. Pode ser isso que falha e que acaba por ditar tantos divórcios. Ou então, hipótese que também equacionámos, chega-se à conclusão de que aquela relação há muito que não é satisfatória, que não chega, que não preenche. Os filhos já estão crescidos e vivem as suas próprias vidas. Quer-se mais, talvez emoção, talvez entusiasmo, qualquer coisa que já não se tem e se quer voltar a ter, enquanto há tempo, antes que seja demasiado tarde.


sábado, 6 de agosto de 2011

Too young to die

A morte de Amy Winehouse, há duas semanas, impressionou-me muito. Até por isso não falei dela aqui, preferi falar dela em privado. Ainda há relativamente pouco tempo, uns dois meses, no máximo, em conversa com a Luna e depois de lhe verificarmos a data de nascimento, alegrámo-nos porque ia passar a marca fatídica dos 27 anos. Enganámo-nos.

Há qualquer coisa na extrema juventude que me comove mais do que sei dizer. É uma vulnerabilidade, é um estar à mercê dos elementos, é toda uma intensidade mal direccionada. Foi assim com Amy Winehouse, foi assim com duas outras pessoas que, só por um triz, não entraram para esse célebre clube dos 27. Justamente as que me são mais queridas, dois grandes amores da minha vida.


Tim Buckley. O pai de Jeff Buckley, sim. O seu Goodbye and Hello era, seguramente, o disco que mais tocava em minha casa em vida do Nuno, era sempre a primeira escolha dele. Phantasmagoria in Two e Once I Was terão sempre um lugar privilegiado entre as músicas da minha vida. Tim Buckley ultrapassou a fatídica barreira dos 27 anos apenas por quatro meses.


Gram Parsons. O seu Grievous Angel será sempre um disco da minha vida. Morreu ainda mais novo, apenas com 26 anos, a mês e meio de fazer 27.

(com a minha eterna gratidão ao Harvey, que me apresentou Divine Comedy)

O problema das capas

As capas são tramadas, acreditem em mim, que tenho experiência na matéria. Quando um livro vai finalmente para a gráfica já estamos tão fartos dele, de tanto ler e reler em busca de eventuais erros, que descuramos uma coisa tão básica como a própria capa. E é logo aí que a coisa pode correr mal. Mesmo muito mal.

Há muitos anos, perto de vinte, havia um organismo chamado Comissão dos Descobrimentos, com sede na Casa dos Bicos. Era uma coisa luxuosa (nem imaginam quanto, e eu não vou contar aqui, mas ainda hoje me fornece histórias deliciosas). E tinha uma revista mensal à altura, a Oceanos, luxuosíssima, papel couché do mais caro, ainda tenho ali as duas primeiras caixas, além de muito interessante (porque era) revelou-se útil, serviu-me de base para a fantástica aparelhagem que me ofereceram nos meus 40 anos até eu arranjar móvel digno. Ora as empresas, os organismos, o que quiserem, têm uma obrigatoriedade anual chamada Relatório e Contas (e não Relatório DE Contas, como se encontra muitas vezes dito e escrito por economistas ignorantes, são duas coisas distintas, temos o relatório e temos as contas). A 31 de Março de 1994 (acho que foi nesse ano, a fiar-me na memória) a Comissão dos Descobrimentos apresentava um livro imponente com o Relatório e Contas, coisa fina, a custar uma pipa de massa, paga por nós, contribuintes. Visto e revisto à pinça, à cata dos inevitáveis erros. A revisão foi escrupulosa, falhou a da capa. Que diabo, haveria assim tanto para rever numa coisa em papel caro, com uma capa linda e que dizia apenas Comissão dos Descobrimentos e Relatório e Contas?

Havia, como se descobriu quando já estava na gráfica, tudo impresso, e toda a gente andou de rabo para o ar a apanhar capas, não fosse alguma parar aos jornais. É que na palavra CONTAS faltava o t.

Foi impossível não me lembrar desta história quando há pouco comecei a ver a nova revista com olhos de ver e dei com este disparate na capa. Há vida fora da fora do apartamento? A Rititi não merecia isto.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

I don't think so

Pois. Não me parece que esta nova revista tenha pés para andar. É certo que apenas li os artigos da Sofia Vieira, da Rititi e da Sónia Morais Santos, além da crítica musical do Nuno Miguel Guedes, por razões de afecto. O resto da revista foi apenas folheado, na curiosidade de saber quem eram os participantes. Que me parece que, nos próximos números, serão provavelmente os únicos compradores, talvez aqui e ali com uma ajudinha de familiares próximos (quem tem uma mãe tem tudo).

Antes que comecem a apedrejar-me e a dizer que já estou a agourar, deixem que me explique.

Acho meritório que a edição portuguesa tenha querido inovar e afastar-se do conceito original da revista, que imprime textos já publicados em blogues. Aqui os textos são originais, destinados à revista. E é aí que a porca torce o rabo. Se há jornalistas entre os autores, pessoas habituadas a escrever por encomenda, muitas vezes circunscritas a um tema que até lhes pode ser antipático, julgo que a maior parte dos autores não dará o seu melhor nesta fórmula. Posso dar o meu exemplo: eu, que não tenho qualquer problema em escrever quilómetros e quilómetros de letras, a dificuldade costuma ser fazer-me parar de escrever, embatuquei quando a Ana Vidal e o Pedro Correia me convidaram para escrever para o Delito de Opinião. A Ana, com o à-vontade que a nossa amizade permite, já me enviava mensagens irritadas, "então e o texto, esqueceste-te de mim?" E eu espremia a imaginação à procura de um tema que pudesse servir, que não fosse demasiado pessoal, que pudesse interessar os leitores de blogue de tanto prestígio. Andei nisto quase dois meses.

Há na nossa blogosfera gente que escreve muito bem, é inegável. A Ana Vidal, por exemplo, devia estar na revista, é uma ausência imperdoável. A Madalena podia estar lá, não tem nada publicado mas tem uma escrita de coração na boca que me delicia. Idem para a Luna, a quem admiro a escrita depurada e a concisão quase de laboratório. Outro tanto para a Bad Girl, que tem textos memoráveis. E se a Ana, profissional das letras, é perfeitamente capaz de se sair brilhantemente a escrever por encomenda e com prazo, o mesmo já não posso garantir sobre a Madalena, sobre a Luna ou sobre a Bad Girl, que aqui funcionam apenas como exemplos, e outros haveria. E é justamente neste ponto que a qualidade da nova revista pode sair prejudicada. Como disse, ainda só a folheei, talvez esteja a precipitar-me. Oxalá esteja.


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

All those things that don't change, come what may



«Think I'll go out to Alberta
Weather's good there in the Fall...»

Foram estes versos iniciais do maravilhoso Four Strong Winds, pelo grande Neil Young, que acabaram por determinar a escolha da música que acompanharia a nossa entrada no Canadá. Alberta era justamente a província pela qual entrávamos. Queríamos entrar ao som de um músico canadiano, e o coração dividia-se-nos entre Gordon Lightfoot (que tanto cantou a beleza miraculosa da Natureza daquele país imenso, o segundo maior do mundo), Leonard Cohen e Neil Young.

A entrada no Canadá faz-se por um casinhoto do género das portagens de auto-estrada (esqueci-me de fotografar), já para voltar a entrar nos Estados Unidos a coisa fia mais fino, muito mais fino. Inspecção minuciosa do passaporte e do carro, as eternas perguntas sobre o objectivo da nossa viagem. Não se pode levar a mal, sempre foram assim, e depois do 11 de Setembro ficaram ainda mais rigorosos.


A ranger que nos inspeccionou os passaportes na fronteira, com a maior das informalidades, ficou deliciada quando eu, sempre tagarela, lhe perguntei se aprovava a música, que só não tocava em altos berros porque tínhamos baixado o som para o controlo dos passaportes (nem saímos do carro). E claro, sugeriu logo que também poderíamos ter escolhido Anne Murray, que é a menina querida de todos os canadianos. Concordámos delicadamente, não tinha calhado, pronto, que pena. E a nossa simpática ranger ficou toda contente por achar que Anne Murray também tinha sido ponderada.

Tudo isto por causa de conversas ontem no Facebook com o meu amigo Zé Carlos, que vive em Nova Iorque vai para mais de vinte anos, e que regressou há pouco de uma gigantesca viagem de mota, mais de 18 mil quilómetros, 21 estados, muitas cidades e cidadezinhas. De todas, a sua preferida foi a adorável Jackson Hole, onde tinha jantado e pernoitado. Larguei a rir, porque também eu lá jantei e dormi, falei dela algures lá para trás. E, de caminho, o grande sortudo, entre incontável bicharada (caribus, alces, coiotes, bisontes, veados) ainda viu seis black bears e três (TRÊS!!) grizzlies! Inveja, inveja!

Céus! Como me apetecia fazer-me novamente à estrada e ver tanto do tanto que ainda me falta ver!

The Prince of Wales Hotel (inaugurado em 1927 pelo próprio, que viria a ser durante menos de um ano o rei Eduardo VIII e, depois de abdicar para casar com Wallis Simpson, Duque de Windsor).

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Gente que nunca está contente com nada

A culpa é minha, que sou uma estúpida e tenho blogues perfeitamente idiotas no Google Reader just for the laughs, avultando entre essas vergonhas, claro, os das fashionistas nacionais.

Tudo isto começou há coisa de um ano, quando comecei a trocar com duas ou três bloggers nomes de blogues que, pura e simplesmente, não têm noção do ridículo. Tornou-se um despique divertido, era ver quem descobria o mais parvo e os visuais mais disparatados («toma lá este, sempre quero ver se desencantas pior»), já para não falar do ar das retratadas, a oscilar entre candidata ao Hipopótamo (o Elefante Branco já está um degrau acima) e caixa do Minipreço, sem desprimor para as legítimas, que no Minipreço mais próximo de minha casa até há uma mulata escura deslumbrante, de maçãs do rosto salientes e olhos verdes de pantera que era capaz de fazer as delícias de um grande fotógrafo. Tudo isto somado às carteiras a gritarem falso por todos os lados e a que chamam pomposamente Hermès (terão elas noção do preço de uma carteira Hermès?), Chanel, Vuitton, etc.

Seja como for, e antes que me desvie ainda mais do assunto, aquilo que me impressionou há pouco, ao abrir o GR, que acumulava um número incrível de coisas por ler, foi a quantidade de posts de idiotas (não têm outro nome, desculpem) já a suspirarem por roupa de Outono/Inverno.

Sou, sempre fui criatura de sol, o sol é um elemento muito importante para o meu bem-estar e para a minha alegria, mesmo nunca tendo sido pessoa de queixumes parvos, aceitando as coisas como me surgem. Se está de chuva saio de casa com uma gabardina e pronto. Se está muito calor visto roupa fresca, há sempre um leque à mão, um aparelho de ar condicionado ou uma ventoinha, daí não vem mal ao mundo. Já em tempos falei disso aqui, da minha dificuldade em perceber as pessoas que se queixam de tudo, que nunca estão contentes com nada. Se chove é porque chove, se está calor é porque está calor. Nunca leram Alberto Caeiro, obviamente. Ou, se leram, passou-lhes ao lado.

Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

E é por isso que me irrita ver pessoas que em Fevereiro põem nos seus blogues fotografias de praias tropicais e que choram como bezerros desmamados de saudades por vestidos leves de Verão começarem agora, a 1 de Agosto, quando o Verão nem a meio está, a suspirar por agasalhos, casacos compridos, botas e toda uma parafernália, excitadíssimas com as roupas da próxima estação. Pessoalmente, confesso que quando, ainda no Verão, vejo nas montras roupas já para o Outono, sou percorrida por um arrepio desolado. Mas isso sou eu, que quero guardar o sol comigo e que, se pudesse, andaria atrás dele mundo fora. Também não me parece que seja uma questão de menor feminilidade da minha parte, o ficar entristecida quando vejo as tais roupas mais sombrias nas montras, a anunciarem dias cinzentos e tristonhos. Parece-me apenas uma questão de bom senso. E de não ter paciência para galinhices destas. Será assim tão difícil viver cada coisa no seu devido tempo?


Trinta anos


«Lembro-me bem do seu olhar.
Ele atravessa ainda a minha alma,
Como um risco de fogo na noite.
Lembro-me bem do seu olhar. O resto…
Sim o resto parece-se apenas com a vida.

Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.
Olhei para as montras despreocupadamente
E não encontrei amigos com quem falar.
De repente vi que estava triste, mortalmente triste,
Tão triste que me pareceu que me seria impossível
Viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,
Mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.

Fumo, sonho, recostado na poltrona.
Dói-me viver como uma posição incómoda.
Deve haver ilhas lá para o sul das coisas
Onde sofrer seja uma coisa mais suave,
Onde viver custe menos ao pensamento,
E onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol
E acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais
Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.
 
Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,
Um coração exageradamente espontâneo,
Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,
Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,
Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove.»

Fernando Pessoa

(sempre achei que este poema, que sei de cor há quase trinta anos, tinha sido mal catalogado — para mim é Álvaro de Campos)

(uma entre dezenas de músicas)