Highschool Sweethearts (outra história bonita)
O comentário da Cat na entrada anterior confirmou-me que estamos todos precisados de histórias bonitas e que nos dêem alento. E quando digo todos incluo a minha pessoa. O fim deste ano, que já de si não foi nada fácil, foi especialmente duro. A morte do meu querido Zé há duas semanas, esta noite a morte da mulher do Sr. Artur, um dos motoristas do gabinete. Trinta e poucos anos que não resistiram a um penoso calvário de cancro, um filho de seis anos e um marido destroçado que vão ter de reequacionar a vida e aprender a lidar com esta tremenda perda.
Ontem à noite, tarde, já perto da meia-noite, eu a ler na cama, o telefone tocou. O nome no visor sobressaltou-me, era de um dos mais queridos amigos do grupo do Liceu, mas não falamos com frequência fora dos jantares e das respectivas combinações. A minha reacção imediata, ainda antes de atender, foi de aflição: «Oh, não! Morreu alguém! O pai ou a mãe de algum de nós, meu Deus, que não seja um de nós!» O telefonema, Deus seja louvado, não era nada disso, mas foi bem significativo: o Ricardo telefonava apenas para me dizer um singelo «gosto muito de ti, desejo-te um ano muito feliz» que vale mundos e me deixou com um aperto ainda maior na garganta. Eis-nos pois chegados à idade em que nos apercebemos verdadeiramente do carácter efémero da vida. Há dois ou três anos teríamos achado que haveria sempre tempo, agora as perdas começam a repetir-se com uma periodicidade imprevisível que nos aterroriza. E queremos dizer do nosso afecto, porque já não sabemos quem será o próximo a partir e queremos que todos os que nos são queridos saibam quão queridos nos são.
Esta tarde, antes de vir para casa, a última coisa que fiz foi entrar na Igreja de Nossa Senhora da Conceição Velha. Agradeci, rezei, chorei, pedi, tudo misturado. Por mim e por todos os que me são queridos, um leque muito alargado. Só já fora da igreja, a caminho do metro, de casa, da tranquilidade de dois dias e quase meio por minha conta, me dei conta dos meus pedidos: alegria, coragem, saúde, trabalho — sim, foram por esta ordem, na espontaneidade da minha conversa com Deus, mas talvez a ordem devesse ser outra. E até nesses pedidos me reconheci mais velha. Aos vinte e tal, trinta anos, não se pensa verdadeiramente nesse bem supremo que é a saúde, por exemplo. Temo-la como garantida. Mas acontece que hoje já não dou nada por seguro, muito menos a saúde, depois de a tanto já ter assistido.
E é por isso que me socorro, uma vez mais, de uma história bonita. Porque é preciso acreditar, por mais que avancemos na idade, que as coisas boas e bonitas podem estar a vir ao nosso encontro, que podem estar à nossa espera ao virar da esquina mais insuspeita. Como a história da Leninha e do João.
A Leninha e o João são meus amigos do Liceu, foram namorados nessa época, nos sweet sixteen, entre o 7.º ano e o propedêutico (hoje 11.º e 12.º anos), nos distantes idos de 1977/78. O romance dos verdes anos acabou naturalmente, ambos seguiram outros caminhos, casaram, tiveram filhos. Nunca mais se viram. E passaram trinta anos.
Voltaram a ver-se num jantar do Liceu, quando um de nós (acho que o Miguel) finalmente localizou o João, em Janeiro de 2009, e o trouxe para o grupo. Ninguém estranhou que a Leninha e o João ficassem horas à parte, a pôr a conversa em dia. Trinta anos sem se verem, imaginem! Muitos dos meus leitores são até mais novos!
No jantar trimestral que se seguiu, em Abril, dei esta feliz notícia, acompanhada da fotografia acima. O que se segue é transcrição fiel do blogue do grupo do Liceu, que é privado:
Ontem à noite, tarde, já perto da meia-noite, eu a ler na cama, o telefone tocou. O nome no visor sobressaltou-me, era de um dos mais queridos amigos do grupo do Liceu, mas não falamos com frequência fora dos jantares e das respectivas combinações. A minha reacção imediata, ainda antes de atender, foi de aflição: «Oh, não! Morreu alguém! O pai ou a mãe de algum de nós, meu Deus, que não seja um de nós!» O telefonema, Deus seja louvado, não era nada disso, mas foi bem significativo: o Ricardo telefonava apenas para me dizer um singelo «gosto muito de ti, desejo-te um ano muito feliz» que vale mundos e me deixou com um aperto ainda maior na garganta. Eis-nos pois chegados à idade em que nos apercebemos verdadeiramente do carácter efémero da vida. Há dois ou três anos teríamos achado que haveria sempre tempo, agora as perdas começam a repetir-se com uma periodicidade imprevisível que nos aterroriza. E queremos dizer do nosso afecto, porque já não sabemos quem será o próximo a partir e queremos que todos os que nos são queridos saibam quão queridos nos são.
Esta tarde, antes de vir para casa, a última coisa que fiz foi entrar na Igreja de Nossa Senhora da Conceição Velha. Agradeci, rezei, chorei, pedi, tudo misturado. Por mim e por todos os que me são queridos, um leque muito alargado. Só já fora da igreja, a caminho do metro, de casa, da tranquilidade de dois dias e quase meio por minha conta, me dei conta dos meus pedidos: alegria, coragem, saúde, trabalho — sim, foram por esta ordem, na espontaneidade da minha conversa com Deus, mas talvez a ordem devesse ser outra. E até nesses pedidos me reconheci mais velha. Aos vinte e tal, trinta anos, não se pensa verdadeiramente nesse bem supremo que é a saúde, por exemplo. Temo-la como garantida. Mas acontece que hoje já não dou nada por seguro, muito menos a saúde, depois de a tanto já ter assistido.
E é por isso que me socorro, uma vez mais, de uma história bonita. Porque é preciso acreditar, por mais que avancemos na idade, que as coisas boas e bonitas podem estar a vir ao nosso encontro, que podem estar à nossa espera ao virar da esquina mais insuspeita. Como a história da Leninha e do João.
A Leninha e o João são meus amigos do Liceu, foram namorados nessa época, nos sweet sixteen, entre o 7.º ano e o propedêutico (hoje 11.º e 12.º anos), nos distantes idos de 1977/78. O romance dos verdes anos acabou naturalmente, ambos seguiram outros caminhos, casaram, tiveram filhos. Nunca mais se viram. E passaram trinta anos.
Voltaram a ver-se num jantar do Liceu, quando um de nós (acho que o Miguel) finalmente localizou o João, em Janeiro de 2009, e o trouxe para o grupo. Ninguém estranhou que a Leninha e o João ficassem horas à parte, a pôr a conversa em dia. Trinta anos sem se verem, imaginem! Muitos dos meus leitores são até mais novos!
No jantar trimestral que se seguiu, em Abril, dei esta feliz notícia, acompanhada da fotografia acima. O que se segue é transcrição fiel do blogue do grupo do Liceu, que é privado:
«Na noite de sexta-feira, já em casa, pus-me a rever as fotografias e os filmes, entretanto já editados. Apeteceu-me brincar com a Leninha e com o João por causa do filme e do retrato (este aqui em cima, uma ternura sem descrição possível), que me apetecia imenso pôr. Não o faria sem permissão deles. Liguei ao João, que ia a caminho do Norte para o fim-de-semana e me autorizou logo alegremente. «Óptimo! Agora vou telefonar à Leninha», rejubilei eu. «Não é preciso, ela está aqui», disse ele, e passou-ma. Autorização prontamente concedida...
Claro que não fiz perguntas, mas fiquei a sorrir.
Bom, meus amigos, IT'S OFFICIAL!
Tiveram namoro durante um ano e tal no tempo do Liceu. Não se viram durante mais de trinta anos. Reencontraram-se num jantar em Janeiro. Estão a viver juntos e estão muito felizes.
E eu estou muito feliz por eles. E tenho a certeza de que, agora, todos vocês também estão.
A grande, a enorme dificuldade deste post foi escolher a música. Lembrei-me de várias (a que estava antes era excelente), mas eram todas muito minhas, eu queria uma coisa especial para a Leninha e para o João. Fica esta, na Grafonola Ideal: Joe Dassin e o seu Le Jardin du Luxembourg. Tenho a certeza de que, se ainda não esqueceram o vosso francês, perceberão porquê. E porque Joe Dassin, que morreu em 1980, marcou muitos dos nossos amores daquele tempo.»
A banda sonora poderia ser o adorável When I'm 64 dos meus amados Beatles, mas acontece que eu desejo que o romance deles, agora maduro e sábio, a cabeça sólida da Leninha, professora catedrática, a equilibrar a encantadora loucura do João, muito elevada patente da Força Aérea, vá muito além desse limite tão estreito. Em vez disso escolho outra música do Joe Dassin da nossa adolescência, que fala de ausências, regressos e reencontros: Salut.
Só à laia de conclusão: a Leninha e o João casaram há pouco mais de um mês. A 25 de Novembro. Preciso de dizer mais alguma coisa?
Emociono-me com histórias destas, de vida, de Amor. Alento é a palavra certa.
ResponderEliminarMais uma vez, obrigada Teresa.