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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

De passar ao bronze

De vez em quando gosto de ir aos arquivos do Facebook, de reencontrar momentos vividos e comentários que voltam a fazer-me rir. 

Também há fotografias que me impressionam, como esta, de 2 de Outubro de 2012, num almoço com o Abel. Descontemos que sou a menos fotogénica das criaturas, descontemos o ângulo nada favorecedor da objectiva: ainda assim, o que vejo é uma excessiva magreza (por aquela altura devia estar com uns 43 quilos), o que vejo é uma cara terrivelmente envelhecida e marcada, uma cara que o SOB atingiu em cheio. Vejo também os efeitos da quimioterapia, o cabelo ralo, baço, sem volume, o meu rico cabelo que era um cabelão. Não me queixo, antes estou grata por, miraculosamente, não me ter caído, coisa para a qual nem o meu médico da quimio conseguiu encontrar explicação. Só a Leninha, num jantar do grupo do Liceu, aventou a rir resposta para o enigma: «Tu és tão ruim, mas tão ruim, que nem a quimioterapia pôde nada contigo!» Só desejo que a minha amiga Cristina, que agora inicia esta penosa jornada, possa ter a mesma sorte que eu tive, e que possa conservar intacta a sua lindíssima cabeleira loira.

Não é futilidade, acreditem. A queda do cabelo funciona para o doente oncológico (e isto acontece a homens e mulheres, sem distinção) como um estigma, como uma marca visível de que estamos doentes. Não queremos olhares compadecidos de estranhos, não queremos curiosidades mórbidas de «o seu cancro é de quê?» Sinceramente, acho que essa pergunta, de tão invasiva, pode chegar a ser grosseira. Nunca, em meses e meses de muitas horas passadas no IPO, alguém teve o mau gosto de ma fazer. Também nunca a fiz. Cancro é cancro, já é suficientemente mau. E este blogue, se não tem milhares de leitores diários, tem coisa muito melhor, tem leitores de grande qualidade. Nas centenas de mensagens que me foram chegando privadamente, a esmagadora maioria de desconhecidos, homens e mulheres, de todas as idades, nem um só fez essa pergunta que violenta.

Se hoje ponho aqui este retrato é porque estou reconciliada com tudo, bom e mau, que a doença me trouxe, mesmo detestando a imagem que vejo; é porque, ao encontrá-lo há pouco, dei com um hilariante comentário do Pedro, um comentário de passar ao bronze: «Teresa, wasabi não é puré de batata. Sabes isso, não sabes?»

Pois é. Durante os meses mais críticos do SOB, a única coisa que eu comia com genuíno prazer — e em quantidades que deixavam os outros comensais espantados — era comida japonesa. E carrego sempre valentemente no wasabi, que vou acrescentando até chegar ao ponto em que aquilo me bate em cheio entre os olhos e quase me parece fumegar pelas narinas. Como dizia uma personagem hilariantemente boçal de Herman José há muitos anos, «ganda flash!»

Outro comentário que nessa época me fez arrancar uma enorme gargalhada, outro comentário de passar ao bronze, foi do João, muito antigo namorado dos meus 22 anos, quando eu argumentei que até estava mais gorda, já que tinha chegado a pesar 41 quilos. «Isso não é peso, é temperatura!»

domingo, 26 de janeiro de 2014

Dos pequenos-almoços e dessas tretas todas

Vem isto a propósito de um post da Luna, há dias, a insurgir-se contra as parvoíces fundamentalistas proclamadas na lusa blogosfera quanto aos seus mui saudáveis pequenos-almoços — parvoíces que tendemos a olhar de revés, invariavelmente acompanhadas que são de imagens retiradas de sites alheios. Nem comentei, seria chover no molhado. Até porque ela sabe como gosto de um bom pequeno-almoço.

Desde sempre. Em dieta ou à vontade, se há coisa de que não consigo abdicar é de pão. E como há muitos anos zelo pelo peso, é apenas e justamente ao pequeno-almoço que me concedo esse enorme prazer. 

Durante muitos anos, o meu supremo prazer foi conceder-me ao fim-de-semana um pequeno-almoço à inglesa. O chá omnipresente, muesli (coisa que descobri no princípio dos anos 80) também quase sempre — esta fotografia é anterior à criação do blogue, tem dez anos. E lá está, fidèle comme une ombre, a inesquecível Messy. E sempre um livro, claro, que eu tenho este vício de precisar de leitura quando como sozinha, resquícios de Enid Blyton.

Mas depois veio 2012 e o SOB do cancro. O meu peso a descer para valores alarmantes, os amigos todos em cima de mim, o Ricardo e a Tina os maiores carrascos. Cada um, à sua maneira, tomou o assunto entre mãos. A Tina desatou a ler sobre cancro e alimentação, desatou a cozinhar para mim (e de caminho mudou a alimentação da família). O Ricardo, com a autoridade natural advinda do facto de ser médico e de lá conhecer toda a gente, não deixou pessoa importante do IPO em sossego, a reclamar o melhor para mim,  moeu o juízo de toda a gente (e, homem lindo e charmeur por natureza que é, a pôr devaneios nas cabecinhas de muitas enfermeiras e enfermeiros).

Nessa altura perdi mesmo muito peso. Perdi tanto peso que até aldrabei as diárias perguntas do Ricardo, «quanto é que estás a pesar?» Nunca lhe confessei que tinha chegado aos 41 kg, pus sempre mais dois ou três. E acompanhava a coisa com fotografias no Facebook. É que quando gostamos muito de alguém não queremos que se preocupe demasiadamente connosco.

E estas foram algumas das fotografias dos meus pequenos-almoços para o Ricardo. Sempre na cama. Um cancro é um SOB que nos rouba todas as energias, e o cansaço é imenso.





terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A última trenguice de 2013


Ainda sou mais trenga do que pensava e do que todos vós poderiam suspeitar. A história da minha última trenguice — apenas uma entre centenas, com a vocação para o desastre que tenho — tem de ficar para amanhã, mas registem a imagem, porque a coisa passa por uma garrafa de Gordon's. Podem falar-me em Beefeater, Tanqueray ou Bombay, sou uma fiel devota de Gordon's, nenhum me sabe como ele.

Agora é mesmo só para agradecer a tantos o muito que me deram, é mesmo só para vos dizer que continuo viva, que a saúde vai voltando a assomar, e que acredito que há muita vida e muito riso depois disto tudo. Nem vou referir as muitas — demasiadas — pessoas que me são queridas que já passaram por isto e continuam a aguentar-se. Quero apenas referir as que estão a meio caminho, e que acredito que vão vencer este SOB. Mais concretamente a minha querida Bad, o José, e a mãe da Cristina Torrão. Agora é com eles, estou com eles, quero que ultrapassem isto como (até agora) ultrapassei.

Cheers! Saúde! E que o novo ano nos encontre com forças.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Deixar de fumar sem engordar

É possível, sim senhor. Faz hoje dois meses que larguei os cigarros, e continuo com os mesmos 49 quilos que tinha no dia 12 de Outubro, o dia que estabeleci como meta para deixar de fumar. Vai daqui um grande, um enorme beijinho para a minha querida Dr.ª Dina Matias, eminente pneumologista do IPO, senhora de uma cútis aveludada que me mata de inveja (nunca fumou, pois é) e que me tem acompanhado e amparado nesta guerra ao cigarro. Ontem tive mais uma consulta com ela, que não é consulta, que é uma amena cavaqueira. Se aquela hora de conversa entre nós duas me faz tanto bem — além de sentir que, por enquanto, me é muito necessária —, acredito que para ela seja um pouco um interlúdio apaziguante entre os casos clínicos medonhos que diariamente tem em mãos. Ontem falámos disso, perguntei-lhe, ela confirmou-me que sim, que o cancro do pulmão é dos piores, dos mais agressivos, quando é detectado quase sempre já fez em surdina a sua obra de devastação, as metástases pavorosas costumam seguir-se a curto prazo e o desfecho é o que sabemos. No fim da consulta, e porque falamos de tudo e de mais um par de botas, já nas despedidas, e referindo a negra inveja que me consome por dentro quando lhe vejo a pele puríssima, acetinada e translúcida, disse a rir: «Vá, confesse, não está nem com um pingo de maquilhagem, pois não?» Ela, contrita, disse que não. Nem um primer, nem uma base, nada, minhas boas amigas! Só aquela pele gloriosa que Deus e os bons genes lhe deram, e que a nós custa fortunas de tentativa e erro para tentar alcançar.

Já vamos à questão do peso, descansem, sejam indulgentes, bem sabem que tenho sempre de contar muitas coisas a propósito da única fulcral. Antes disso quero contar a minha primeira consulta, como foi que lá cheguei e o resto — acredito que a história possa ser útil a quem se propuser deixar de fumar. A coisa começa pelo simples e comezinho facto de aos doentes oncológicos (coisa que ainda sou, o SOB leva tempo a desistir de nós, insiste, persiste, prega-nos sustos de morte, e esta é coisa com que terei de lidar o resto da minha vida) haver uma infinidade de coisas proibidas. Nem todas claras, nem todas evidentes. Como tal, convém sempre perguntar ao nosso médico. Foi o que fiz com a minha médica actual, a cirurgiã que me operou, que comecei por detestar e que hoje adoro (mas não tanto como a minha adorada Maria Fortunato, a minha médica de Radioterapia, essa terá sempre um nicho único de gratidão em mim, devo-lhe a vida). Disse-lhe que queria deixar de fumar, que me sabia fraca, se haveria contra-indicações em usar qualquer coisa que me facilitasse largar o cigarro, como adesivos, por exemplo. Agora que já gosto tanto dela (antes nunca lhe diria o nome, afinal podia ser uma mera embirração minha), posso dizer que a Dr.ª Mara Rocha preferiu marcar-me uma consulta de Pneumologia, lá nos entenderíamos. E foi assim que fui parar às mãos da Dr.ª Dina Matias.

A primeira consulta deve ter demorado umas boas duas horas, esmiuçámos os meus hábitos de fumadora, as motivações para deixar de fumar. O vício em mim é coisa enraizada, antiga de muitos e muitos anos de muitos e muitos cigarros. Fumar faz mal a tudo e mais alguma coisa, o grande problema é o tão bem que sabe. Porque sabe bem, pronto, e os fundamentalistas bem escusam de torcer o nariz e fazer cara de Savonarola. Havia até, há muitos anos, uma piada parva (mas com o seu quê de eloquente) que enumerava os três maiores prazeres da vida: um whisky antes e um cigarro depois. Inconvenientes de deixar de fumar? Um único, aos meus olhos, o medo de engordar. Tão peremptória fui que, aqui para nós, desconfio que a Dr.ª Dina pode ter suspeitado de uma qualquer desordem alimentar minha, porque me perguntou se eu fumava para não engordar. Qual quê! Eu fumava porque gostava, porque me sabia bem, porque me ajudava a pensar, nunca preocupações de peso entraram na equação. E confessei que antes de ir para ali, para aquela consulta para largar o maldito vício, a última coisa que tinha feito tinha sido comprar cigarros. E só a seguir me apercebi da irónica incongruência do gesto, um voluptuoso cigarro já aceso nos meus dedos.

E aí atacámos a fase prática: estabelecer uma data para deixar de fumar. Julgo que aquela consulta foi numa quarta-feira, a Dr.ª Dina sugeriu-me um dia de fim-de-semana. Fiz rapidamente contas e sorri, vocês bem sabem do meu fraco por datas, e das centenas que tenho armazenadas de cor na cabeça. O sábado seguinte era dia 12 de Outubro, o Columbus Day (e também a data da morte do meu querido John Denver). Servia na perfeição! A rir, comuniquei à Dr.ª Dina que sim, que sábado seria um bom dia. E ela lembrou uma coisa deliciosamente irónica: não tinha sido justamente Cristóvão Colombo que tinha trazido o tabaco para a Europa? Alinhamento de planetas, meus amigos, fosse eu pessoa de acreditar nessas tretas. Nem tal coisa me tinha ocorrido, mas a coincidência era providencial.

E pronto. Passaram dois meses. Os outros benefícios ficam para depois, por enquanto mantenho-me arredada de cigarros, quero continuar arredada de cigarros. E sem chatear ninguém. Almocei hoje com grandes amigas, os cigarros que uma delas fumou nada me incomodaram e, melhor ainda, não me tentaram insuportavelmente (o perfume sedutor do fumozinho que de vez em quando me chegava às narinas até me dava um prazer nostálgico, confesso). Sei que continuo a precisar de ajuda, isto é muitas vezes muito difícil. Mas está, a cada novo dia que passa, a ficar um pouco mais fácil. Baby steps.

E o peso? Foi aí que entraram as caminhadas, porque eu sabia que não bastaria não passar a comer mais como vingança da privação de nicotina. Mesmo mantendo um controlo apertado sobre o que ingeria (e eu gosto mesmo tanto de comer!), a tendência inelutável seria ganhar peso, porque um metabolismo privado dos cigarros de toda a vida passa a ser um metabolismo mais lento, à laia de retaliação, o estuporzinho. O único recurso era contra-atacar, neutralizar as pelo menos 200 calorias adicionais diárias que se me instalariam nas ancas, nas pernas e no rabo se eu não os pusesse a mexer aos três. E, de caminho, enquanto me despedia de um hábito nocivo, ia adquirindo um outro muito saudável. Uma win-win situation.

Agora que isto são águas passadas, e graças a uma parvoeira chamada Year in Review sugerida pelo Facebook, que era passar o nosso ano em revista, encontrei, datadas de 17 de Maio, estas palavras minhas:

«Hoje, pela primeira vez num ano inteiro, a balança registou 46 quilos e qualquer coisa. O Ricardo tem sempre a mania (ou não fosse médico) de me perguntar "quanto é que estás a pesar?" Arredondei bastante algumas vezes, nunca lhe contei que cheguei a andar nos 41 e qualquer coisa quilos, porque ele ia instalar-me um chef francês a cozinhar-me coisas apetitosas em casa (assim é o Ricardo). Mas pronto, não tarda nada estou outra vez uma texuga.»

O meu peso ideal sempre andou nos 48/49 quilos. Aí continuo, mesmo privada de cigarros. Claro que já visto bem as calças 34 que durante tanto tempo me nadaram aflitivamente no corpo doentiamente magro. Acreditem, minhas amigas que fazem dietas malucas, não queiram pesar tão pouco por tão graves razões. Aos poucos, devagarinho, o meu corpo foi recuperando, hoje já lhe vigio novamente o peso, que estacionou nos valores certos. 

Uma última informação, porque as centenas de mensagens que recebi quando aqui contei do SOB me acalentaram na certeza de que aí fora, algures, havia pessoas (tantas desconhecidas!) para quem a vida ou a morte da Teresa do A Gota de Ran Tan Plan contava alguma coisa: tive hoje a consulta periódica para saber se continuo bem. E sim, meus queridos amigos, continuo bem, examinada que fui até à medula. A próxima consulta será em Abril. O medo é outra coisa, o medo de que o SOB volte fica connosco para o resto da vida. Mas entretanto há vida, e abençoada seja!

Joan Baez - Gracias a la Vida

sábado, 20 de julho de 2013

Um lugar no coração

Uso deliberadamente, com a certeza antecipada de que ela não se importa, a mesmíssima fotografia que a Ana Vidal usou ontem no Delito de Opinião para falar da sua relação com o IPO. Temos falado com frequência ao telefone e descobri que a Ana é a única pessoa que tem por aquela casa os mesmíssimos sentimentos que eu. Com frequência combinámos que, de uma das próximas vezes que eu tivesse de lá ir, ela iria comigo. Calhou ontem. Vale a pena ler o que a Ana escreveu e que poderia ter sido escrito por mim, certamente com outras palavras e seguramente menos bem. Temos ambas uma relação de afecto imenso com aquela casa de medo, sofrimento, muitas vezes de morte, mas que para nós foi de também de ressurreição, e com essa ressurreição vieram muitas outras coisas. Para a Ana, que, graças a Deus já não ia lá havia tanto tempo, foi (sinto) em parte uma peregrinação. Mostrei-lhe as coisas novas, apresentei-lhe pessoas com quem nos cruzávamos e que me saudavam, a minha passagem por lá suficientemente recente para que lembrem a minha cara e o meu nome entre milhares de doentes, apresentei-lhe a minha querida Luísa. Devíamos, agora que penso nisso, ter ido aos pisos de internamento dar um abraço a enfermeiros e auxiliares, ambas passámos por lá com quinze anos de diferença e sei agora que fomos exactamente o mesmo género de doente. A bem-disposta, a que tem sempre uma graçola a dizer, a que se disponibiliza para ajudar os outros, nem que seja apenas para tocar a campainha fora do alcance de mãos mais alquebradas do que as nossas, a que se levanta da cama para ir restituir  um objecto caído, seja uma revista ou um telemóvel, a que consola, a que silencia todas as conversas sobre a doença comum, "aqui não se fala disso!"

A seguir, de alma cheia, almoçámos juntas numa esplanada ali perto (retrato no meu mural do Facebook, para quem a ele tiver acesso, acho que não ficámos nada mal), na conversa boa de sempre, eu interessadíssima no novo projecto da Ana, ela a contar, eu a fazer perguntas. E espero que a sugestão que lhe dei, numa inspiração súbita, se concretize, já começámos a trabalhar para isso, cada uma por seu lado.

A Ana voltava para Sintra, eu ainda tinha de ir ao El Corte Inglés resgatar o meu Dupont (contei a história aqui, devem lembrar-se) antes que ele levasse descaminho, recusei risonhamente a boleia que a Ana me oferecia, estava apenas à distância de uma estação de metro, e subi o resto da Columbano. Nisto passo por uma loja em que nunca tinha reparado, já que normalmente subo e desço pelo outro lado da avenida, que anunciava em grandes cartazes que os vestidos estavam com 50% de desconto. Nem me lembro de quando foi a última vez que comprei uma peça de roupa, mas adoro vestidos e entrei para espreitar. Incrédula, confirmei com a empregada que o desconto era de 50% sobre o preço marcado (14 euros!), ela disse que sim. Fui para os provadores com quatro. O de seda preta com bolinhas brancas (essa história das polka dots não funciona comigo, para mim são bolinhas e ponto final, já embirro que chegue que mesmo a peça mais banal hoje receba das bloggers ditas de moda nomes estrangeiros, em inglês, nomes que há trinta e tal anos eram parcimoniosamente utilizados, e em francês, porque a moda começou em Paris) encantou-me, até porque tinha as cavas americanas que adoro (uma mania que eu tenho), e os meus braços já começam a poder ser vistos de cavas, agora que ganhei algum peso. Mas estava-me enorme na cintura e nas cavas, requeria arranjo, descartei-o. Levei os outros três para o balcão Um de ganga, e eu adoro vestidos de ganga, um de tecido alinhado em envelope, a fechar com um laço na cintura atrás, um cor-de rosa, com flores brancas muitos discretas bordadas, uma pérola  pequenina a fazer o olho da flor), e disse à menina que no cor-de rosa teria de me fazer um desconto especial, faltava uma pérola. Ela, amorosa, olhou em volta, não fosse estar alguém a ouvir, baixou a voz e disse-me num sorriso conspiratório que ficava por cinco euros, até porque dificilmente serviria a mais alguém. Registou os outros dois e saí da loja com três vestidos que me custaram o total de 15 euros, a empregada engraçou comigo (cheerfulness goes a long way) e arredondou todos os vestidos para cinco euros

Mas não há bela sem senão. Enquanto estava no provador, o anel de prata e ónix que estava no dedo médio da minha mão esquerda (bem visível no retrato do meu almoço com a Ana que está no Facebook) saltou para o chão, a pedra soltou-se e ficou ligeiramente lascada. Ainda ponderei tentar colá-la aqui em casa, mas achei que era preferível levá-la à ourivesaria em que comprei o anel. Ficou lá, vamos ver.

Enfiei-me no metro com a missão de ir ao Corte Inglés resgatar o meu Dupont. Tinha sido suficientemente clara quando me telefonaram com aquele absurdo orçamento de 158 euros. Ia só levantar um isqueiro que não funcionava. Não sei qual foi a parte de "não pago isso, devolvam-me o isqueiro como está" que os senhores espanhóis não perceberam. O que sei é que me limparam e afinaram o isqueiro de alto a baixo, lindo, reluzente e com gás (que também não é barato). O que sei é que a empregada do stand da Dupont no Corte Inglés voltou perdida de riso com ele na mão e uma explicação sumária: não sabia qual era a parte de "não pago esse arranjo" que eles não tinham percebido, o facto era que tinham mesmo arranjado o isqueiro. E como eu tinha sido categórica na minha recusa de aceitar o preço do arranjo... era grátes. Despedi-me da menina com um beijinho e estou aqui a olhar para o isqueiro com olhos ternos, até porque o passo seguinte é deixar de fumar. Mas reformemo-nos deste vício terrível com o Rolls Royce dos isqueiros em plena forma!



Para acabar o meu dia, à saída da ourivesaria em que deixei o anel de prata e ónix para consertar, cruzei-me com o Quico. Vejo-o pouco, mas sinto que o Quico é um anjo bom na minha vida. Poupo-vos a cena lamechas de abraços e festas entre os dois. O Quico é aquele cãozinho a que falta o braço esquerdo. O Quico é um exemplo para todos nós, tamanha a sua alegria de viver.

Foi um dia bom. Foi um dia bom e bonito.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Com dedicatória (e ele saberá que é para ele)

SOB de doença! O meu amigo escreveu-me duas curtas frases em que intuí abismos de desespero.  E se há pessoa que não pode desesperar é ele, logo ele, que toda a gente adora, sobre quem nunca ouvi uma palavra que não passasse pelos mais rasgados elogios. Na sua generosidade de sempre, pedia-me a morada para me mandar um certo disco, porque assim é o meu amigo. Enviei-lhe uma longa mensagem. Ele está cansado, muito cansado, são já vários anos de luta contra o SOB. Mas o meu amigo tem uma mulher e um filho que adora, nem ponho seriamente a hipótese de o meu amigo desistir.

Na homilia da Missa do último domingo, o padre citou uma frase magnífica de Santo Agostinho. Disse-a primeiro em latim, como era longa e como me deixou mais uma vez com a frustração de não ter estudado latim! Depois traduziu (meu amigo, está a ler?) e reduziu-me a lágrimas. Foi qualquer coisa como isto (só encontrei traduções brasileiras manhosas, prefiro ir à capela franciscana e pedir a tradução correcta, esta é minha e adaptada, a que sinto mais próxima do que ouvi e tanto me comoveu): «Deus não manda impossíveis, mas, se mandar, convida-te a fazer o que possas e a pedir o que não possas, e ajuda-te para que possas.»

É por isso que resolvi contar aqui esta história tão parva: se mantivermos a capacidade de rir de nós mesmos estamos salvos. A fé e o riso salvam, acredito profundamente nisso. Como acredito profundamente no poder da oração.

Estava eu no meu terceiro internamento, o da operação. Eu insistia em reagir, a minha irmã ria como uma doida do meu andar, que era de perfeito Frankenstein (estão a ver aquele andar sincopado de perna aberta? assim era o meu, ela não podia deixar de rir — tal como eu —, mas admirava-me a agilidade), eu movia-me com notável rapidez, mesmo naquele passo trangalhadanças.

O piso em que eu estava era metade de mulheres (ginecologia) e metade de homens (urologia) e o corredor era muito comprido (pronto, ainda me custava andar, tinha uma operação muito recente e muito invasiva no lombo). Só lá para o terceiro dia descobri que a casa de banho do lado deles ficava muito mais perto, e optei resolutamente por ela. Submersa nos meus peregrinos pensamentos, estava já a um cagagésimo de segundo de me sentar no trono quando me ocorreu uma ideia aflitiva: não tinha forrado o assento com papel, Apressei-me a corrigir e repreendi-me severamente: «Mas onde é que estavas com a cabeça, Maria Teresa?! Também queres apanhar cancro da próstata?!»

E ri largos minutos como a perfeita idiota que sou de ideia tão absurda. Devo dizer que só a Ana Vidal me percebeu e riu como uma doida quando lhe contei esta história. I guess it takes one to know one. Here's to you, Ana!

Banda sonora: Judy Collins - Both Sides Now

quinta-feira, 27 de junho de 2013

S.N.V.N.A.


É a minha velha muito velhinha sigla para "se não visse não acreditava". que também pode ser alterada para S.N.O.N.A. ("se não ouvisse não acreditava"). Acreditem que as tenho empregado muitas vezes ao longo da vida, tamanho o calibre de algumas parvoíces que frequentemente vejo e oiço.

Graças a Deus, a via sacra dos dentes está a chegar ao fim, com um bocado de sorte na sexta-feira da próxima semana vejo-me quase livre dela, com a extracção de dois dentes perfeitamente sãos que a estomatologista considera perdidos e que em breve me darão problemas: já começaram a abanar. Pois é, a quimioterapia não me levou o cabelo, só mo enfraqueceu muito (e está em franca recuperação, aliás está a crescer a toda a velocidade), não me levou unhas, não me trouxe as dolorosíssimas aftas que costuma provocar, não me deu náuseas de me deixarem como um pato moribundo, apenas uma vaga sensação de perpétuo enjoo que eu suportava bem, feliz por ser só aquilo. Mas arruinou-me os dentes. Por algum lado a cabra tinha de se infiltrar, e foi justamente por ali, no terreno do meu maior pavor. Como quem me conhece melhor muito bem sabe, tenho duas fobias absolutas e inelutáveis: ratos e dentistas. Ainda há dias, a subir a rua vinda do supermercado, voou de baixo de um carro, passando-me à frente dos pés, um papel cinzento. Um salto de terror, acompanhado de berro histérico em som agudo que a minha voz de contralto profundo  jamais conseguiria repetir em circunstâncias normais (e notem que eu pego em cobras, aranhas e baratas sem qualquer problema, ratos é que são o meu terror, são o meu Quarto 101). Quando hoje contei a cena à Tina ela riu a bandeiras despregadas e rematou que também podia ser um dentista. E podia, acho que a reacção seria igual, apanhando-me desprevenida.

Por tudo isto, atrevo-me a afirmar que há nesta vida pelo menos uma coisa melhor do que um orgasmo: levantarmo-nos da cadeira do dentista. O alívio que sinto daria para pôr a flutuar uma armada inteira. 

A Tina, que sabe as angústias que sofro, como mal consigo pregar olho na véspera de uma consulta, faz-me companhia, sentido maternal e compaixão a funcionarem a todo o vapor, não vá eu sentir-me mal, impressionada com a nervoseira em que me vê, a tentar controlar a respiração, a inspirar fundo e a exalar depois o ar todo, a beber copos de água uns atrás dos outros, seguros numa mão trémula.

Quando saio de lá, ó meus amigos, venho com uma alma nova! Rio do calor excessivo (tive frio durante tanto tempo!), a vida ganhou novo sabor e já vou toda atenta às coisas a acontecerem em volta. Dia de greve geral, não se avistava um autocarro, o trânsito parecia o de uma manhã de sábado. Lugares para estacionar é que eram mentira — sendo a Clínica na esquina da Gomes Freire com a Conde Redondo, tivemos de parar o carro já no princípio do Campo de Santana.

Na caminhada de regresso, eu já toda risonha e bonacheirona, apontei à Tina o nome de um híbrido de restaurante e pastelaria do outro lado da rua: Massa Dançante. WTF? Que raio quereria aquilo dizer? Ela começou a falar-me de uma coisa chamada Empresa na Hora que, não obstante ter vindo facilitar enormemente as insuportáveis burocracias de criar uma empresa (e ela sabe do que fala, porque criou uma muito recentemente), põe amavelmante à disposição dos aspirantes a empresários os nomes disponíveis mais inacreditáveis.

Já estávamos perto do carro, numa esquina ela dá-me uma cotovelada. «Que é que eu te dizia? Olha! Não é lindo?" 

À nossa frente estava o Ginásio Corpanzil. Fiquei em êxtase, só vos digo. «Desculpa, Tina, isto tenho de fotografar!»

E assim fiz. De caminho criei também para eles um slogan que podem usar completamente grátes, não vou cobrar: «Ginágio Corpanzil é do baril.»

domingo, 6 de janeiro de 2013

Em directo do IPO

Meus amigos,

Muito telegraficamente (porque acabo de ter acesso à internet pela primeira vez desde terça-feira, e essa é outra história que vos contarei, e também porque acaba de chegar uma visita):

Fui internada no primeiro dia do ano ao fim da tarde e operada bem cedo na manhã seguinte — sabem que gosto, que sempre gostei do simbolismo das datas. Estive umas 36 horas quase completamente grogue. Correu tudo muito bem, estou a recuperar em grande e espero ter alta nos próximos dias. 

Um enorme e grato abraço a todos. Ainda hoje darei mais notícias, prometo.

sábado, 29 de dezembro de 2012

A máscara da morte

Esta fotografia representa bem o que de melhor há na blogosfera, e não encontro imagem mais eloquente para agradecer tantas silenciosas passagens por aqui, tantas mensagens privadas de desconhecidos. Longos, fortes e quase sempre inexplicáveis são os tentáculos de amizade que podem crescer na Internet. O Pedro fica aqui como embaixador.

O Pedro é bruto como as casas, mas eu gosto dele. O Pedro diz que eu sou bruta como as casas, mas gosta de mim. O Pedro irrompeu pelas cortinas sempre obstinadamente fechadas da minha cama, só eu, a música e os livros. E o Bóbí, claro, 24 horas por dia a pôr-me quimioterapia nas veias durante uma semana, mas do Bóbí falo noutro dia. Nunca nos tínhamos visto, mas eu reconheci-o logo. Há mais fotografias nesta sequência, nela aparece também o enfermeiro Paulo, o melhor enfermeiro do IPO. Adoro uma em que estamos os três, mas o enfermeiro Paulo tem horror a exposição e eu respeito isso. E ainda demos belas gargalhadas juntos quando vimos estas fotografias e o decote demasiado revelador da minha camisa de noite. «Não tem vergonha? Este decote é imoral!» Um alfinete-de-ama resolveu a coisa num instante.

A máquina do café (óptimo café e só por 40 cêntimos, diga-se de passagem) daquele piso estava avariada, o Pedro, eu e o inseparável Bóbí, que até dava um jeitão para pousarmos os copos, descemos ao rés-do-chão. Foi então que lhe falei da máscara da morte, de certeza que ele se lembra. Fui tosca e vaga nas palavras, não sabia explicar bem, talvez eu própria já a tivesse e não soubesse reconhecê-la no espelho. É um não sei quê que aprendi instintivamente a identificar há anos ali no IPO. Qualquer coisa indefinível na cor da pele e na estrutura óssea da cara que me fazia encolher toda por dentro numa pena imensa, ao mesmo tempo que ficava com a certeza de que aquela pessoa não ia safar-se. «Não sei explicar melhor, mas no meu quarto há uma senhora assim, tem a máscara da morte», disse eu ao Pedro.

Nessa mesma noite, lá pelas três ou quatro horas, acordei sobressaltada com um barulho de metal a cair no chão, provavelmente um tabuleiro. As minhas cortinas sempre fechadas impediam-me de ver em volta, mas eu era a mais nova das seis mulheres daquele quarto, e a que tinha maior mobilidade. «É preciso alguma coisa? Posso ajudar?», perguntei baixinho. A resposta foi firme e conciliadora, era da enfermeira de serviço, estava tudo bem, eu que descansasse.

De manhã cedo, ao levantar-me para ir com o Bóbí à casa de banho, arregalei os olhos para o espaço a que faltava uma cama, virei-os numa angústia para a senhora da cama ao lado da minha, nem precisei de perguntar nada. «Morreu esta noite», foi a resposta lacónica. Olhámo-nos demoradamente, numa mudez que era de medo por nós e de respeito imenso pela grande ceifeira que nessa noite tinha estado ali mesmo ao nosso lado. A cama ausente era a da senhora de quem eu tinha falado ao Pedro, a senhora a quem reconheci a máscara da morte. Não sei como se chamava.


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A cancer guide for dummies

Parece que agora pegou a moda de pespegar as nossas caras nos blogues. Só o fiz aqui umas duas ou três vezes, em todas achei que se justificava. 

Hoje justifica-se provavelmente ainda mais, porque este retrato foi feito a seguir à última das 37 sessões diárias de radioterapia que fiz, de segunda a sexta, entre 23 de Julho e 12 de Setembro, as primeiras 25 de vinte minutos cada, as 12 últimas um pouco mais curtas, coisa de um quarto de hora, não me davam para rezar todas as minhas orações, entre novenas a Santa Teresinha do Menino Jesus, pedidos a S. Francisco de Assis, à Virgem Santíssima da Nazaré, de Fátima e de Lourdes, ao Santo Padre João Paulo II. Havia sempre muito a pedir por cada vez mais gente, havia que pedir força e coragem para mim. E havia que agradecer. Comigo está a maravilhosa equipa técnica que me acompanhou naquela longa e espinhosa jornada, só falta o Wilson, que estava de férias naquela semana.  À minha esquerda está a Rosa, a minha querida Rosinha, que desde o primeiro dia me acolheu com especial carinho debaixo da sua asa protectora. 

Mais de três meses passados, não há ida minha ao IPO que dispense uma passagem pelo pavilhão da radioterapia para dar um beijinho aos meus meninos. E à Luísa, que não foi minha médica porque acompanha a radioterapia de outras especialidades, entre elas a pediatria, mas é minha amiga desde os 12 anos e conhece o meu processo clínico de cor de uma ponta à outra. E à Maria, a lindíssima Maria, a minha médica, no gabinete ao lado. Na semana passada estava a tagarelar no gabinete da Luísa quando ela entrou a rir: tinha percebido que eu estava ali, tinha sentido o meu perfume no corredor. O meu Rive Gauche nunca falha. A humilde D. Joana das limpezas, um sorriso de bondade e claridade imensa na pele tão negra, reconheceu-me pelo cheiro. A senhora do perfume! Eu tinha passado mutas vezes por ela durante os dois internamentos, agarrada ao Bóbí (essa é outra história), encontrou-me depois à porta da sala dos pensos, ela de esfregona na mão, eu de pé à espera de ser chamada. Foi quando me falou. Tinha o perfume comigo, pulverizei-lho no pulso, ficou a cheirá-lo maravilhada  Num dos meus mealheiros já estão alguns euros destinados a oferecer-lho. Um perfume também é um pouco de sonho, e a D. Joana merece.

Mas antes que isto fique demasiado extenso, um muito breve esclarecimento que todos merecem, todos os que iam passando por aqui a ver se havia novidades. Estou bem, estou o melhor possível. Nesta fase só há que tragar mais um mau bocado, uma operação dentro de dias. Depois espero ficar livre deste bicho negro. Só nunca sabemos por quanto tempo, porque ele tende a voltar. Mas a vida é assim mesmo, incerta, certeza só temos a do desfecho, que no que depender de mim não será tão cedo.

E agora falemos do SOB como ele é, como tem sido para mim, e desejo que a minha experiência possa ajudar alguém que tenha aterrado aqui por acaso e esteja a começar a viver isto. Não desejo a ninguém que possa ser útil em dias futuros, porque no meu mundo ideal mais ninguém teria de passar por esta maldita doença.

Então cá vai, em breves pinceladas, aquilo que acho mais importante dentro do tanto que tenho aprendido:

1. Não é um passeio no parque, lamento. Mas também não é assim tão terrível, se vivermos um dia de cada vez, se confiarmos nos médicos, enfermeiros e auxiliares, se seguirmos as suas indicações à risca. Sejam sempre muito simpáticos (e o sentido de humor ajuda), a última coisa que querem é conquistar a animosidade de alguém com o poder de vos espetar agulhas e de vos fazer outras tropelias ainda mais dolorosas. Não sofram por antecipação, como algumas vezes aconteceu comigo. Um dia de cada vez, lembrem-se.

2. Os amigos. 
Vão ter surpresas, aviso já. Boas e más. A rede de apoio é terrivelmente importante, mas sejam indulgentes com as pessoas que subitamente desaparecerem do mapa. Esta cabra desta doença é um pré-aviso de morte, nem toda a gente consegue lidar bem com isso e é bem possível que algumas pessoas que achavam que nunca vos faltariam fiquem de repente mudas como carpas. E completamente ausentes. Pensem também que essas mesmas pessoas poderão estar mergulhadas em problemas, não se precipitem a julgar.

E os outros amigos? Céus, a lista é tão extensa! A cabeça a minha irmã e o grupo do Liceu. A minha irmã que ficou com as mãos negras de tanto que lhas apertei enquanto me faziam uma biópsia, o corpo alheio à minha vontade a arquear-se todo de dor. O grupo do Liceu. A cabeça o Ricardo, a Tina, a São (e a mãe dela), as duas Eunices, o João e a Leninha, a Clara, o Zé Afonso, o Pedro T., os dois Miguéis, o V. G. e o C., a Vanda. Sobre estes tenho mesmo de falar noutra dia. E sem ser do Liceu, meu amigo até ao meu último sopro de vida, o Pedro, o meu visitor from Charleston. E o Abel, minha old soul. E a Alexandra. E...

Os desconhecidos que não o são. A Susana a muitos milhares de quilómetros  A Rita, a querida Rita, de férias em Itália, mandou-me um maravilhoso ramo todo branco no segundo dia do meu primeiro internamento Não sei o nome de metade das flores, mas o ramo era lindo e tenho fotografia. O Pipoco, a quem devo um longuíssimo agradecimento há demasiado tempo. O Pedro, que foi ver-me ao hospital em dupla embaixada, representando também a querida Pólo Norte, então no término de uma gravidez de alto risco, e levando uma fotografia de Mestre Diniz que fez as minhas delícias e as de muitos enfermeiros. O outro Pedro, o Pitx. Caímos nos braços um do outro como se nos conhecêssemos realmente desde sempre. Temos fotografias, se ele autorizar publico uma, aquela em que estamos só os dois. O raio do homem é tão bonito e doce em pessoa como consegue ser agreste no blogue. A A. de quem publiquei aqui apenas uma de várias extraordinárias mensagens. A Maria Antónia (acho um nome lindo) e a Tita, supostamente minhas inimigas e que tiveram a generosidade de me enviar particularmente mensagens que tanto e tão fundo calaram. E a Luna e a Izzie, claro, that goes without saying. Foram aliás as duas primeiras pessoas da blogosfera a quem contei que estava doente, ainda antes de contar aqui. E o Harvey, o meu querido Harvey, cujo extravagantemente luxuoso presente de anos me pôs a chorar baba e ranho. Sabiamente escolhido, como só ele saberia. Noutra vida talvez fosse o homem para mim. Mas é seis anos mais novo. Seja como for, adoro-o.

3. Preparem-se para mentir muito. Nunca mintam aos médicos, mas mintam àqueles que se preocupam mesmo convosco. Digam sempre que estão melhorzinhos, que se sentem bem. Poupam-lhes preocupações adicionais, e a coisa também funciona ao contrário, tamanho pode ser o poder da sugestão: à custa de repetirem que estão bem, acabam mesmo por se sentir bem. Ou menos mal. Comecei por dizer que isto não era um passeio no parque, nem tudo são flores.

4. Há mais algumas directrizes, e eu até queria mudar esta música que adoro, substituí-la por Gracias a la Vida, por Joan Baez. Mas já estou exausta. Essa é outra das partes más: estamos sempre infinitamente cansados. Mas aguenta-se, acreditem em mim. Um dia de cada vez, a coisa vai.


sábado, 16 de junho de 2012

The kindness of strangers

Poucos minutos depois da publicação do último post, chegou-me um mail de uma leitora regular e comentadora ocasional com o oferecimento pronto e espontâneo de um iPod Nano que tem guardado e que não usa. Suponho que imaginam o que tal gesto me sensibilizou. Não identifico a sua autora, que tem blogue, mas não posso deixar de voltar a agradecer-lhe e a repetir aquilo que lhe respondi: não posso aceitar, de forma alguma, não posso mesmo. Mas, como também lhe disse, é como se ele estivesse a cantar nos meus ouvidos. Obrigada, muito obrigada!

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Am I lucky or what?

1. Avariou-se-me o leitor de DVD. O prejuízo não é grande, porque aquilo foi baratíssimo. Era basicamente uma caixa de ar, com um mínimo de funções, escolhida em função do facto de ser multi-regiões. O meu primeiro leitor de DVD, que foi um presente e ainda deve ter sido carote, era de óptima marca, fazia imensas tretas (a que eu nem dava grande uso) e avariou como os outros. 

2. Perdi o meu adorado iPod. Para além de não se tratar exactamente de uma pechincha, a Apple já não faz aquele modelo de Nano. 

3. Quase em frente de minha casa há uma escola primária. Não sei a que raio se deve isto (ATL?), só sei que é música em altos berros toda a santa tarde. Já quase choro de desespero quando oiço pela milésima vez a Rosa Branca ou o Cheira Bem, Cheira a Lisboa, na voz de um nome que eu já tinha esquecido: Ada de Castro. Como passo agora muito tempo deitada, a falta do iPod faz-se sentir ainda mais. Era uma fuga estratégica em grande estilo, convenhamos.

The domino effect

«I have always depended on the kindness of strangers.» — esta frase célebre é da patética Blanche DuBois de Tennessee Williams em A Streetcar Named Desire. Patética no sentido de comovente, que inspira piedade, e não no sentido pejorativo e vulgarizado nos últimos anos, julgo que por influência directa do inglês. Nem de outra forma se poderia entender que Beethoven tivesse uma sonata para piano e Tchaikovsky uma sinfonia com esse nome. 

Tive a sorte e o privilégio de ver uma assombrosa Glenn Close no papel que já tinha dado a Vivien Leigh o seu segundo Oscar. Foi no National Theatre, em Outubro de 2002 (ver aqui a crítica do The Guardian). 

Devo dizer que há uma coisa que me põe doente no público teatral, quer em Londres quer em Nova Iorque: a rapidez com que despacha os aplausos, por mais extraordinário que seja aquilo que viu em palco. Duas ou três curtain calls e ala que se faz tarde. Com Glenn Close foi diferente. Quando ela surgiu para agradecer pela primeira vez irromperam berros e palmas entusiásticas vindos de umas quatro ou cinco filas atrás de nós, que estávamos na primeira, ao centro. Voltámo-nos para trás, tão invulgar aquilo era. De pé, aplaudindo furiosamente, estava Woody Harrelson. Os espectadores atrás dele, para verem melhor, acabaram por se levantar também, e em menos de nada a sala inteira aclamava de pé, numa ovação interminável que se repetiria mais umas cinco ou seis vezes, graças a ele (que tinha vivido com Glenn Close alguns anos antes). Os theatre buffs chamam a isto «the domino effect», na maior parte das vezes em tom trocista. Naquele caso justificava-se plenamente, e devo dizer que aquela produção, assinada por Trevor Nunn (a quem eu já devia a de Les Misérables), tinha um dos cenários mais espantosos que me lembro de ter visto, julgo que só superado pelo de The Breath of Life, de que já falei aqui.


Vivien Leigh e Marlon Brando, A Streetcar Named Desire (1951)

«Whoever you are, I have always depended on the kindness of strangers» é a frase final de Blanche DuBois, e tem-me ocorrido muitas vezes, perante as tantas mensagens de desconhecidos que me têm chegado nos últimos tempos. Uma delas calou especialmente fundo. Reproduzo-a abaixo, com autorização da autora, a que chamarei A. É um testemunho. É um documento. 

«Teresa,


Sou filha de um médico.

Durante anos, ao almoço, falar de fígado não significava necessariamente que a minha mãe tinha feito iscas, mas antes que o tema de discussão era a cirrose hepática de um doente alcoólico. Quando se juntavam amigos, então, era brutal: uma alma mais sensível teria dificuldades em acompanhar alguns jantares sem ficar mal disposta.

Habituei-me a ver fotografias de pernas ulcerosas, estômagos com feridas e intestinos roxos metidas no meio de belas recordações da minha família de férias na praia. 

Fiz cirurgias completas em todas as Tuxas que tive e muitas acabaram sem cabelo porque estavam a fazer quimio.

Nunca disse “vista”, mas olhos. Nem “peito”, mas mamas (ou maminhas, que cedo percebi que o mundo não estava preparado para ouvir uma miúda de 12 anos dizer assim mamas, com as letras todas. É a palavra mais feia da língua portuguesa, eu acho).  O meu pai fuzilava-me com os olhos quando eu, ranhosa, dizia que estava com gripe. Qual gripe, isso quanto muito é uma constipaçãozita! Ben-u-ron no bucho e segue, amanhã já estás boa.

Enquanto os meus coleguinhas na escola primária escreviam sobre a Primavera, eu lembro-me de inventar enredos mirabolantes, passados invariavelmente num hospital – para mim, o único lugar do mundo onde o luto nunca vencia, porque toda a gente usava sempre a mesma bata imaculadamente branca e, quando morria alguém, não havia tempo para chorar.  Tão deprimente e “adulto” que a Professora Fátima, coitadinha, ficava aflita e chamava a minha mãe à escola, para saber se havia problemas em casa.  Hei-de ter lá para casa essas pérolas, guiões infantis da Anatomia de Grey.

Desde miúda, portanto, que lido com as doenças como parte natural da vida. Claro que durante muitos anos fi-lo de modo abstracto: tudo era ciência, a cura não era um mito urbano, nem um milagre, mas antes um organismo a receber – e a aceitar – centenas de anos de investigação. Quando corria mal, corria mal – nos hospitais não há tempo para lutos. Salvemos o seguinte.

Com a idade e a chegada de mazelas aos meus, comecei a tentar levar a coisa da forma mais desassombrada que os afectos me permitem, num equilíbrio às vezes ténue entre o racional e o emotivo – porque é tudo muito bonito, isso da ciência e da lei da vida e da morte e tudo o mais, mas quando nos toca directamente a coisa muda de figura.

Percebi também que ter uma doença muito grave deve ser o momento mais solitário que se pode viver: somos só nós e a noção clara de ver uma pistola apontada à cabeça (que todos temos, mas só alguns vêem): tive a certeza disso quando acompanhei muito de perto a luta de um querido tio, que se debateu estoicamente durante 12 anos contra um estupor de um tumor cerebral. Benigno, como se uma coisa tão má e incapacitante algum dia pudesse ter um nanograma de benignidade (enfim). Esteve sempre connosco e entregue à melhor equipa de neurocirurgia do país, mas no fundo estava sozinho – a luta era contra ele próprio, contra a multiplicação de células que o seu organismo teimava em continuar. Coisa mais parva, quando uma pessoa quer tanto viver e a luta que tem é contra o seu próprio corpo.


Confesso que li o email que teve a delicadeza de me enviar e sabe o que achei que lhe tinha acontecido? Um problema qualquer com uma daquelas stalkers malucas. Quando à noite fui ao “gota” e li o título do seu post pensei: casou-se! (o Big C seria de Casamento). Claro que depressa percebi: afinal a Teresa está doente. Um cabrão de um cancro. Merda.

Não vale a pena dizer-lhe que hoje em dia uma percentagem muito significativa de doentes oncológicos superam o cancro e seguem a sua vida em frente – com eternas cicatrizes, físicas e morais, mas seguem.  Isso a Teresa já sabe.

Também não vale a pena dizer-lhe que, mesmo que as estatísticas digam que o cancro A tem uma taxa de mortalidade muito elevada, os milagres acontecem e a ciência blá blá blá.  Não é novidade, a Teresa sabe.

Muito menos valerá a pena tentar diminuir-lhe o terror que deve ter sido encarar a notícia. E o medo de viver o que aí vem. Ou forçá-la a desvalorizar o sofrimento, o desânimo, o desalento (caramba, tem de ser forte, não se pode ir abaixo). Se o seu cabelo cair, vai ser duro. É ridículo dizer-lhe “deixa lá, que cresce, isso não é nada”. Pois cresce, mas entretanto caiu todo e a Teresa gosta dele. É seu. Faz parte do que é.

Afirmar convictamente que a Teresa vai superar isto tudo e enviar-lhe muita força e energia? Saber-lhe-á bem sentir-se querida pela comunidade blogosférica? Acredito que sim, e muitos fá-lo-ão - porque se preocupam, porque gostam de si. Porque a querem acompanhar, ainda que à distância. E não vale a pena fugir desse abraço bem intencionado, mesmo que seja virtual. Pela parte que me toca, todos os dias estenderei os meus braços para si, de manhã, pelas 8 e tal, 9 e picos.

Eu não sei se vai correr tudo bem; quero muito que sim, acredite. O meu lado emotivo diz-me que voltará aos teatros londrinos, ouvirá muitas músicas ainda não gravadas, lerá muitos livros ainda não imaginados. Gozará o seu amado sol, com gatos meigolas a ronronar-lhe as pernas. Comemorará muitos Agostos. Confio na ciência e mais, confio na luta que vai encetar, por si e ao mesmo tempo contra si.

E de facto, como disse tão bem a Pólo Norte, dignidade é a melhor palavra para a descrever. A Teresa é uma mulher digna. Já a sabia leal. Testemos, a partir de agora, a sua resiliência.

Deixo-lhe um forte abraço e se quiser, use-me como fiel depositária das suas amarguras. A vida leva-se a rir, mas chorar também faz parte.

A.»


Banda sonora - Beethoven - Pathétique -Adagio Cantabile (Wilhelm Kempff)

sábado, 9 de junho de 2012

Explicação

Estou a responder devagarinho, devagarinho, aos muitos e-mails que tenho recebido. Peço a maior desculpa pela demora.

Crisis? What Crisis?

Ando muito seriamente a tentar deixar de fumar, se bem que quase toda a gente me diga que este momento é provavelmente o menos adequado de todos, como se eu não tivesse já suficientes batalhas pela frente. Mas tenho as minhas razões, e são poderosas.

Ora ontem ia a caminho do IPO para fazer mais um exame e ia enervadíssima. Tudo em mim pedia um cigarro, a coisa estava a tornar-se uma obsessão. E acabei por fazer uma coisa que muito poucas vezes fiz na minha vida, e que detesto que me façam (até porque sou incapaz de recusar, o que já resultou, por exemplo, em dar cinco cigarros no percurso entre o Rossio e o Terreiro do Paço): pedir um cigarro a um estranho.

Cruzei-me com um senhor de bom ar, dos seus 60 anos, que ia a fumar. Morta de vergonha, a enrolar as palavras, murmurei qualquer coisa como «Desculpe, será que pode dar-me um cigarro?»

O senhor estendeu-me prontamente o maço, esperou que eu tirasse o cigarro para mo acender, olhou-me de alto a baixo e comentou:

— Isto está mesmo mal, hem?

Encavacada, com vontade de que o chão me engolisse, acenei que sim. «É. Estou desempregada.»

—  Calculei. Com uma Louis Vuitton que se vê bem que não é de Carcavelos... Olhe, eu há quatro anos andava de BMW, agora guio um chaço de 400 euros.

Podia ter acrescentado «E eu tenho cancro. Ganho eu!», mas abstive-me. Apertámos cordialmente as mãos e desejámo-nos um bom resto de dia e melhor sorte.

E os reembolsos do IRS? Nos anos anteriores foram sempre 20 dias certimhos, religiosamente contados, o tempo entre a entrega da declaração e a entrada do dinheiro na minha conta, e o mesmo aconteceu com toda a gente que conheço. Este ano é uma anedota. O Abel fez a declaração no dia 2 de Maio e continua à espera. Eu entreguei a 19, deveria ter recebido ontem. Está bem, abelha! Ontem, a única coisa que fizeram (porque passo a vida a espreitar o portal das finanças) foi passar a minha situação de "certa" a "direito a reembolso" — e com data de 3 de Junho, para dar melhor aspecto. Vai esperando, Abel. Vai esperando, Maria Teresa.

E sabiam que os doentes oncológicos no desemprego, no anterior governo, recebiam uma comparticipação (ou a totalidade, não tenho a certeza) para os transportes? Agora já não. E sabiam que para poder ter isenção de pagamento de taxa moderadora nos hospitais por incapacidade é preciso ir a uma junta médica? Até aqui nada de anormal, acho mais do que justo. O que já acho bizarro, para não dizer pior, é que para tal se tenha de pagar 50 euros.

Bem sabem que nunca aqui fiz comentários à situação política, com a única excepção do acordo ortográfico. Mas agora apetece-me mesmo pôr a boca no trombone. Muito podia eu contar!

Banda Sonora: Supertramp - Two of Us (do álbum Crisis? What Crisis?)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Balanças da treta

Esta manhã pesei-me na farmácia. Era uma daquelas balanças modernaças, que fazem tudo e mais um par de botas e que têm a pretensão de nos dizer, além do peso, uma data de coisas como a altura e a massa corporal. Por mais uns cêntimos ainda podiam brindar-nos com a carta astral e o horóscopo para o dia, esta gente não tem olho para o negócio!

Com o papelucho com os resultados na mão, torci o nariz. Toda a minha vida adulta achei que tinha 1,63 m de altura, mas o cartão do cidadão resolveu atribuir-me 1,64 m e eu não discuto, a pigmeia que sou agradece alegremente aquele centímetrozinho de bónus. Então não é que a idiota da balança me deu uns escassos e humilhantes 1,58 m, roubando-me cinco ou seis centímetros, como preferirem? A grande estúpida!

Quanto aos resultados da pesagem, foram igualmente duvidosos: a balança, sovina (se calhar a achar que estava a ser simpática), deu-me menos 1,9 kg do que a do hospital, há apenas dois dias. 

Nota mental (aí pela trigésima vez): lembrar-me de substituir a pilha da super fiável balança de casa, uma coisa alemã que é um luxo e me custou os olhos da cara há mais de dez anos, que até regista o peso de 50 em 50 gramas.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Juro que não fui eu

Não, aquela correcção irresistível de um proíbido para proibido não foi obra da minha mãozinha.
Mas bem podia ter sido.


terça-feira, 22 de maio de 2012

The Big C

É uma lotaria. E eu, que sempre fui uma rapariga cheia de sorte, fui contemplada. O tipo escolheu-me.

Sim, sim, é isso. Estou com um filho da puta de um cancro. Bem sabem que odeio palavrões, mas não há mesmo nomes amenos para dar ao bicho. E não há dúvida que um palavrão bem puxado, se não resolve nada, às vezes sempre alivia um bocadinho.

Hesitei muito antes de contar isto, já que sempre tentei controlar bastante o grau de exposição das coisas que aqui escrevo. Mas mensagens diversas e enternecedoramente carinhosas que tenho recebido, algumas de pessoas que me lêem há anos sem que eu desconfiasse, por não deixarem comentários, mensagens a indagar as razões pelas quais nada escrevo aqui há tanto tempo, fizeram-me reconsiderar.

De resto, devo dizer que este hiato pouco habitual no blogue, mesmo estando eu longe de ser daquelas pessoas que acham que têm de publicar todos os dias, nada tem que ver com este bicho que só agora me foi confirmado. Problemas muitos, problemas sérios, têm-me impedido ou tirado a vontade de publicar, é tão simples como isso.

O blogue continua na linha de sempre, quando, como e se eu puder, não vai haver aqui registos de coisas que toda a gente já sabe como são, infelizmente. No dia em que o comecei, há quase seis anos, tentei definir no cabeçalho aquilo que pretendia fazer dele; nunca alterei o que então escrevi, e julgo que consegui ser consistentemente fiel a essas linhas-mestras: «Um sítio para partilhar histórias antigas e recentes. Música e livros. Filmes. E a rir, se possível.»

Por isso, meus queridos amigos, isto não vai passar a ser um diário de quimioterapias (lá se me vai o meu rico cabelo, a melhor coisa que tenho, digam lá que não sou uma sortuda?), mal-estares, desânimos e todos os medos que me assaltam. Porque eu estou transida de medo, vamos lá chamar os bois pelos nomes. Sei o que me espera e como é duro, sei também que daqui nem toda a gente sai viva. E a verdade é que não me apetece nada morrer com os 52 anos que faço em Agosto, com tanta música nova ainda por ouvir e tanta que é de sempre e à qual volto sempre como a um colo maternal, com tanto livro para ler, com tanto livro tão amado para reler, com tantas viagens por fazer (o verso lindo de Moon River que há anos me obceca: «there's such a lot of world to see!»), tantos sítios por descobrir, tantos sítios aos quais o coração só me pede que volte.

A Gota de Ran Tan Plan continua. Como eu. O resto logo se vê.