Mostrar mensagens com a etiqueta The past is a foreign country.... Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta The past is a foreign country.... Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O homem ideal

Ao longo de quase seis anos de blogosfera encontrei muita coisa escrita sobre essa entidade nebulosa, o homem ideal. Que tinha de ter esta e aquela características, e que Deus o livrasse de cometer certos erros que o riscavam para todo o sempre dos candidatos apetecíveis ao nosso afecto. Confesso que isto sempre me causou estranheza. Lia, muitas vezes francamente divertida, as listagens para mim absurdas de atributos desejáveis e de senãos intoleráveis. Levianamente, muitas vezes, atribuí-as a falta de maturidade de quem escrevia. Duas objecções, como cedo percebi: frequentemente, as autoras de tão draconianos juízos já iam a meio da casa dos trinta; não me lembro, nem sequer aos vinte anos, de ter ideias destas. Porque sempre achei que o homem ideal era aquele que encaixava bem connosco, e que isso não era uma questão de nos ler versos ao ouvido (e aqui confesso que nem estou muito bem a ver a coisa, apesar de já ter lido versos a dois e em enorme comunhão), ou de nos surpreender com presentes fabulosos a toda a hora, mais ramos de flores e viagens inesperadas para destinos de folhetim de televisão. É certo que vivi todas essas coisas, mas nunca foram parte da equação.

Nunca tive em mente qualidades imprescindíveis para me interessar por um homem, para detonar aquele interesse que pode (ou não) transformar-se em amor. Tal como nunca tive presentes objecções inapeláveis. Que não se drogue, que não seja um bêbedo, que trabalhe e tenha interesses na vida, que tome banho todos os dias, que lave os dentes várias vezes ao dia, que não use meias brancas ou tenha tatuagens? Isso nem são requisitos, são coisas básicas, nem se perde tempo a pensar nelas. No meu mundo as pessoas não são assim, ponto final.

O que sei, e é a única coisa que sei, é que há um momento mágico em que nos apercebemos de que aquele homem se insinuou em nós e passou a ser o único. E pode ter passado muito ou pouco tempo. E não é por uma listagem de qualidades, algumas bem patetas. É por uma questão de pele, de sintonia, de empatia, da sua pessoa a fazer-se cada vez mais presente nos nossos pensamentos até àquele momento em que descobrimos que é a sua imagem e as coisas que nos disse, por mais miudinhas que sejam, que já não nos largam.

Não tive poucas relações, mas grandes amores, e nunca será de mais dizê-lo, tive apenas dois. Dois e meio, melhor dizendo. E notem que não retiro importância aos outros, continuo a guardar afecto a quase todos, os que foram fogachos e entusiasmos passageiros. Não eram para mim, ou eu não era para eles, ou pura e simplesmente não era a altura certa. Se tinham todos coisas em comum? Claro que sim. Inteligência, sentido de humor e cavalheirismo. Integridade e bondade. E uma profunda sensatez, qualidade que muito prezo.

Deixem-me elaborar um bocadinho. O meu primeiro amor surgiu quando eu era muito novinha. Durante meses vivemos lado a lado sem que eu, ainda tão criança, tivesse qualquer estremecimento de um coração que se entregava muito mais à música, aos livros e aos jogos de matrecos no Circuito. Achava-o lindo, encantador, uma companhia fantástica, mas durante muito tempo não pensei no assunto. Até ao dia. E depois foram quase cinco anos.

O segundo amor veio de forma diferente. Eu já com vinte, quase 21 anos. E lembro-me muito bem da noite em que nos conhecemos, 24 de Julho de 1981, uma sexta-feira. E eu furiosa com uma amiga a suplicar-me um bind date com o grande amigo de um menino que eu não podia reprovar mais, tão mal a tinha já tratado. Danada, e a pedir desculpa, cancelei o cinema que tinha combinado com um bom amigo, arrastei-me para aquela saída como quem cumpre penitência. De rabo de cavalo e cara lavada, um simples vestido branco de alças. Predisposta a detestar o meu suposto acompanhante. E assim foi durante umas boas horas, nem devo ter olhado duas vezes para ele (e se era uma brasa!), mantive a casmurrice. Passagem na Versailles e eu malcriadamente a demorar-me imenso tempo a conversar na mesa de amigos encontrados por acaso. Passagem num bar esquisito e com ares de frequência de extrema esquerda para os lados da Sé (não me lembro do nome, nunca lá voltei), e eu quase muda, a responder por monossílabos desinteressados, a fazer um frete descomunal. A seguir, muitas franzidelas censórias de sobrancelhas aos olhares suplicantes da minha amiga, e para pôr fim àquele calvário, ainda fomos a casa do meu suposto acompanhante. Que era a casa dos pais dele, claro, tinha apenas 22 anos. A minha amiga e o outro imbecil (que nunca mais consegui tragar) arrulhavam a um canto. Eu pus-me a inevestigar os livros das estantes, sempre curiosa de saber o que lêem os outros. E encontrei os Contos de Oscar Wilde, em português. Como desde os 16 anos (obrigada, querida Dr.ª Teresa Monteiro!) só o lia em inglês, tirei o livro, fui direitinha à procura do final de O Principe Feliz, tentando avaliar a qualidade da tradução. Foi quando o M. chagou ao pé de mim, a estender-me um copo e a perguntar o que estava eu a ver. Suponho que a minha paixão por Oscar Wilde terá sido mais forte, porque lhe contei resumidamente a história e lhe li o parágrafo final, que na minha cabeça continuará sempre a ecoar em inglês:

«Bring me the two most precious things in the city, said God to one of His Angels; and the Angel brought Him the leaden heart and the dead bird. 
You have rightly chosen, said God, for in my garden of Paradise this little bird shall sing for evermore, and in my city of gold the Happy Prince shall praise me.» 


Infelizmente, tenho a certeza de ter lido com lágrimas já a tremular na voz, tanto este conto me comove.

Depois disso só me lembro de termos conversado muito tempo, eu menos hostil, menos avessa, um puff com os nossos copos pousados de permeio e música que ele pôs de que só lembro Joan Baez e Leonard Cohen. E lembro-me muito bem de Forever Young (por ela) e de Suzanne (dele) tocarem, e do silêncio reverente dos dois. E de, a certa altura, eu ter começado a reclamar, era tarde e no dia seguinte não só trabalhava ao meio-dia no Disaster como tinha de fazer o turno da noite, em substituição de um colega. Os meninos foram levar-nos a casa.

Tudo isto para dizer que a tal empatia, que provavelmente até começou nessa noite (e da parte dele deve ter começado, já que na noite seguinte apareceu para jantar no Diasaster, ficando com toda a firmeza até à minha saída, tendo acabado os dois a noite num Ad Lib à cunha sentados no degrauzinho por baixo do balcão do bar, numa tagarelice sem fum), nem foi consciente a princípio, como nunca é, ou pelo menos comigo nunca foi. E eu sempre agradada, sempre a gostar das nossas conversas, sempre sem sentir mais nada, ele já a telefonar-me diariamente. Até dois ou três dias depois, o tal momento em que há um estalido e de repente percebemos que estamos apaixonadas. Acho que foi no dia do casamento real que tão mal acabou que comecei a desconfiar de que aquele senhor estava a começar a ser muito importante. Fomos ao Fox Trot e ficámos horas à conversa à porta de minha casa. Julgo que no dia seguinte eu já respirava M. por todos os poros.

Nem no caso do D. nem no do M. parei para pensar se preenchiam requisitos — até porque eu nem requisitos tinha, a haver requisitos eram apenas coisas óbvias com que não se perde tempo. Foi uma construção, uma questão de tempo, mais vagarosa  num caso, mais rápida noutro, cada uma de acordo com a idade, tudo no tempo certo. E essa é bem uma das coisas mais preciosas da minha vida, tudo ter sido vivido no tempo certo, nem antes nem depois.

Foi sempre uma misteriosa e surpreendente comunhão de almas, um riso inesperado e cúmplice, um súbito e alarmante aperto na garganta. Nada que passasse por abrir portas, puxar cadeiras ou apertar o casaco para cumprimentar alguém ou ir dançar, tudo coisas que eles faziam naturalmente, como quem respira.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Trinta anos

Trinta anos certos são os que nos separam hoje, à Luísa e a mim, desta imagem. Foi justamente a 18 de Outubro de 1981, eu com vinte e um anos, ela com vinte. Nas voltas da vida, esta fotografia e outras viriam a ser-me discretamente surripiadas de um álbum, a Luísa trouxe-ma de volta há dois meses, no dia dos meus anos.

Trabalhávamos então no Great American Disaster do Marquês de Pombal, que inaugurámos e que nos deixou histórias hilariantes para o resto da vida. Era um trabalho em part-time (para nós duas, no mesmo turno, e amigas para sempre, terças, quintas, sábados e domingos ao almoço, do meio-dia às quatro), só admitiam estudantes universitários e eram esquisitíssimos na selecção — era bem trabalhar no Disaster, de filhos de embaixadores a filhos de ministros havia de tudo. Em Outubro um amigo do Vasco, que era um dos donos, ia abrir o Biergarten em Cascais e pediu-lhe pessoal para a inauguração. Já não me lembro de quem fez a selecção, se ele ou o Vasco, só sei que eu e a Luísa fomos convidadas e depois destacadas para ficar à entrada, a receber os convidados, naquelas fatiotas ridículas, uma espécie de dirndls pindéricos.

O trabalho de duas noites foi regiamente pago, andou perto do valor de um mês de ordenado no Disaster. Como ocupou as noites de sábado e domingo, o M. ficou muito melindrado. Na primeira noite, quando me foi buscar, já madrugada e com trombas de palmo e meio, entregou-me uma carta. Sim, nessa época os namorados escreviam-nos cartas, e ele escrevia especialmente bem. Nunca esqueci uma frase dessa carta daquele 18 de Outubro: "Não há dinheiro no mundo que possa pagar o tempo que devia ser nosso."

Como se pode ser tonto quando se é muito novo! Foi justamente esse dinheiro que tanto o irritava que nos custeou uma semana de férias no Baleal. O M., cabecinha brilhante, tinha-se formado em Junho. Já trabalhava na empresa havia um ano, assim que se formou foi logo promovido a director financeiro (era uma grande multinacional do ramo automóvel). Mas como tinha comprado um carro e tinha prestações muito altas para despachar aquilo mais depressa, a liquidez era pouca. Posso dizer que a partir de meio do mês saídas (o nosso adorado Stone's) e cigarros eram pagos pela minhas gorjetas no Disaster. E eu era positivamente a campeã das gorjetas. É provavelmente por isso que ainda hoje faço questão de deixar uma gorjeta simpática nos restaurantes, nunca abaixo de dez por cento — nos Estados Unidos é que dói mesmo na pele, aí já acho um exagero. Mas tenho histórias delirantes de gorjetas, à cabeça a do dono das Caves Aliança (a Luísa deve lembrar-se) e a de um certo casal americano.

E agora desceu sobre mim uma saudade. Lembrei-me do Jorge, do querido Jorge. Foi ele que me telefonou um dia a dizer que o Great American Disaster precisava de empregados, estaria eu interessada? Eu jantava lá com muitas vezes, à época era sítio na moda, achei a ideia divertida. Anos mais tarde, seria também o Jorge a telefonar-me a dizer que o Rui precisava de uma secretária, e que achava que eu era a pessoa certa. E assim, estranhamente, o Jorge ficou para sempre ligado a coisas que tão importantes viriam a ser na minha vida por tudo o que me trouxeram, pessoas, vivências, aprendizagem.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Trinta anos


«Lembro-me bem do seu olhar.
Ele atravessa ainda a minha alma,
Como um risco de fogo na noite.
Lembro-me bem do seu olhar. O resto…
Sim o resto parece-se apenas com a vida.

Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.
Olhei para as montras despreocupadamente
E não encontrei amigos com quem falar.
De repente vi que estava triste, mortalmente triste,
Tão triste que me pareceu que me seria impossível
Viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,
Mas porque seria impossível viver amanhã e mais nada.

Fumo, sonho, recostado na poltrona.
Dói-me viver como uma posição incómoda.
Deve haver ilhas lá para o sul das coisas
Onde sofrer seja uma coisa mais suave,
Onde viver custe menos ao pensamento,
E onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol
E acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais
Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.
 
Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,
Um coração exageradamente espontâneo,
Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,
Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta,
Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove.»

Fernando Pessoa

(sempre achei que este poema, que sei de cor há quase trinta anos, tinha sido mal catalogado — para mim é Álvaro de Campos)

(uma entre dezenas de músicas)

segunda-feira, 28 de março de 2011

Ghostville

A hora de almoço é para mim uma hora abençoada, de tempo só meu e tempo de que sou bastante ciosa. Tenho um vício adquirido na infância, um dia contarei como e porquê, o de ler enquanto como. E não poucas vezes é com tristeza disfarçada que renuncio à leitura quando chega alguém do Colosso que, vendo-me sozinha, pede licença para se instalar à minha mesa. Adeus leitura, adeus música! Sim, porque também oiço música enquanto leio. A minha irmã ainda hoje descreve a rir como eu era exímia na gestão simultânea de quatro coisas tão diversas como ler, ver televisão, fazer tricot e fumar. 

Devo dizer (há doidos com coisas piores) que às vezes a escolha do prato é determinada pelo livro que tenho em mãos. Se for uma brochura volumosa (também por isso prefiro sempre as encadernações) torna-se incompatível com um prato que requeira faca e garfo, aí opto pelas massas. A Teresa sugere-me sempre os pratos do dia, há este de que gosto muito, aqueloutro que elogiei na semana passada. Eu aponto-lhe o livro, impossível, preciso da mão esquerda livre para o segurar, venha o tagliatelle salsa rosa

Às vezes, muitas vezes, quando uma música mais especial me entra de repente ouvidos adentro, suspendo a leitura, o olhar perde-se-me no vazio, fico apenas a ouvir. Foi assim hoje, quando começou a tocar este I Believe (When I Fall In Love It will Be Forever), na voz cristalina de Art Garfunkel. O original é de Stevie Wonder, mas a versão de Art é um daqueles raros casos em que a cover supera em muito a matéria-prima.

De caminho, e porque a memória é coisa muito caprichosa, formou-se nítida na minha mente uma imagem com vinte anos certos, de Março de 1991, e de uma interminável e tensa viagem Madrid-Serra Nevada, de carro. Uma relação à distância é coisa dura de manter, pede a todo o momento sacrifícios e uma grande dose de paciência, e os conflitos podem surgir do nada. Era o caso, mas era suficiente para deixar que aquele silêncio pesado se tivesse instalado durante muitos quilómetros, cada um recolhido às suas poderosas razões e sem ceder.

Mas esta era uma das nossas (muitas) músicas, às primeiras notas uma mão a pedir tréguas estendeu-se para a minha, e tudo acabou num sorriso. Tamanho o poder da música.

Tão grande que o feitiço musical se mantém ainda hoje, conseguindo fazer-me voltar ao passado. A música continua a emocionar-me, o resto perdeu-se algures já muito lá atrás, num caminho que não voltaria a querer trilhar. E ainda bem, porque foi caminho de demasiado sofrimento.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Et in Arcadia Ego

«Just the place to bury a crock of gold. I should like to bury something precious in every place where I’ve been happy and then, when I am old and ugly and miserable, I could come back and dig it up and remember.»
Evelyn Waugh, Brideshead Revisited

Faz hoje vinte anos. Et in Arcadia Ego.



domingo, 13 de junho de 2010

It hits the soul!

Foi a frase linda, que guardei comigo até hoje, com que a dona da casa de chá da estação de Pickering, de onde partia o adorável comboio a vapor para Goathland, entusiasmada por encontrar portugueses num sítio a que tão poucos aportavam, nos resumiu a região. Conhecia muito bem Portugal, Lisboa e arredores, o Algarve, era de Londres e tinha-se reformado. Escolhera mudar-se para ali. Explicámos a rir que a nossa intenção inicial era a Escócia, mas que estávamos apaixonados pelo Yorkshire, a que tínhamos chegado porque havia o chamamento feiticeiro de Castle Howard, o meu Brideshead. «Ah!!! Mas vieram ter à região mais bonita de Inglaterra! It hits the soul!» — disse a senhora.

Era verdade. Nunca chegámos à Escócia.

De caminho deu-nos indicações preciosas, entre elas a maravilhosa estalagem isabelina (Dog and Partridge) em que ficámos nessa noite. Já instalados, saímos para dar um passeio antes do jantar e do sagrado gin tónico a antecedê-lo. E sentíamo-nos mergulhados num livro de Agatha Christie, podíamos estar em St. Mary Meade, a aldeia de Miss Marple. As pessoas com quem nos cruzávamos, quase todas a passearem os cães (foi aí que percebi que os Labradores deviam estar na moda, que ainda não tinha chegado a Portugal), dirigiam-nos um cordial e vigoroso «Good evening!» Que retibuíamos, evidentemente — eu logo a fazer amizade com os cães. Foi por causa disso que houve o episódio de Thornton-le-Dale, que deixou o M. lívido. Conto noutro dia.


Thornton-le-Dale

Hutton-le-Hole

sábado, 12 de junho de 2010

Fitzwilliam Room

Sabemos que um homem (doido por futebol) está perdidamente apaixonado por nós quando, em pleno Mundial, passa cinco dias arredado de qualquer televisão para andar a passear connosco no Yorkshire. E quando, com um jogo a dar na televisão, prefere enfiar-se connosco num banho de espuma, gin tónico e muito riso à mistura.

Faz hoje vinte anos.

«The past is a foreign country. They do things differently there.»
L. P. Hartley



segunda-feira, 7 de junho de 2010

Pelágio vs. Plágio

A propósito do inacreditável plágio de que a Luna tem vindo a ser vítima nos últimos meses, com um método e uma perseverança repugnantes (vale a pena começar a ler por ali abaixo, está lá tudo, ou pelo menos tudo o que foi detectado), e que só na sexta-feira se descobriu, lembrei-me de uma velha história que ainda hoje me faz rir.

No Verão de 1991 eu estava de férias em Barcelona, com o M., que entretanto fazia anos. O pai dele tinha na véspera uma reunião em Madrid e meteu-se num avião para ir ter connosco. Calhava às mil maravilhas, aproveitava o fim-de-semana e passava o dia de anos com o filho.

Saímos para jantar e comemorar. Íamos na Diagonal quando o senhor, pessoa cultíssima, repara num hotel.

— Ahhhh! Hotel Covadonga! Isto faz-vos pensar em quê?

— Pelágio — respondo eu automaticamente.

— Plágio de quê? — pergunta o M., que ia a guiar, muito desconcertado.

A explosão de gargalhadas que se seguiu foi uma coisa indescritível. O M. é uma cabeça brilhante, mas nunca foi absolutamente nada versado em História. Tivemos de lhe explicar que a batalha de Covadonga, no século VIII, tinha marcado o início da Reconquista da Península Ibérica aos Árabes, e que o exército cristão era chefiado justamente por... Pelágio. Fomos a rir até ao restaurante, o M. já a fazer coro connosco.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Querido Diário

Tenho muitas e muitas centenas de páginas assim, manuscritas, de letras traçadas com a minha adorada Montblanc que quase se antecipa aos meus pensamentos, o aparo a correr sozinho no papel pautado dos livros de actas da Emílio Braga. Quando se gosta de escrever também se gosta da volúpia do contacto do aparo de ouro com o papel, muito mais íntimo e convidativo a confidências do que uma página de Word. De caneta na mão sou capaz de contar coisas que recusaria ao teclado.

Sempre fui pessoa de diários. Não é que os meus diazinhos tenham ou alguma vez tenham tido alguma coisa de notável, é só que gosto e sempre gostei de registar as coisas presentes que em breve serão futuras, e de reflectir sobre elas.

E é assim que hoje tiro da estante este caderno de 500 páginas escrito entre 25 de Março de 1990 e 12 de Março de 1991, forrado, como muitos outros, num lindo tecido cor-de-rosa — para mim por excelência a cor para se ser feliz.

A página acima foi escrita, num atropelo de sentimentos e emoções, faz hoje vinte anos. Que longe vai tudo isto, santo Deus! E contudo... contudo (não, Álvaro de Campos agora não!)... Lembro-me de, naquele tempo (In Illo Tempore) o M. ter perguntado ao Vítor se eu era uma pessoa triste ou alegre, como que a precisar de confirmação na voz da pessoa que melhor me conhece. O Vítor vacilou, embatucou, tanto sabia de mim e da minha vida, ficou a pensar, acabou por dar o veredicto: ALEGRE! O M. sorriu aliviado, a olhar para mim, o sorriso do meu lado a confirmar a sentença, enquanto na telefonia do carro tocava  I Need You To Turn To (ironia que ele não percebeu, mas a gente não pode nunca desnudar-se completamente e dizer como aquilo nos denuncia).

«Qui m'aurait dit qu'un jour sans l'avoir provoqué
Le destin tout à coup nous mettrait face à face
Je croyais que tout meurt avec le temps qui passe
Non je n'ai rien oublié

Je ne sais trop que dire, ni par où commencer
Les souvenirs foisonnent, envahissent ma tête
Et le passé revient du fond de sa défaite
Non je n'ai rien oublié, rien oublié...»

(...)

quarta-feira, 3 de março de 2010

Músicas no meu iPod: I Was Kaiser Bill's Batman

Só conheço outra coisa com um poder evocativo tão grande como o da música: os perfumes. Transportam-nos. Sem precisarmos sequer de fechar os olhos, sentimo-nos levados para momentos às vezes muito distantes no tempo, para rostos quantas vezes perdidos nas voltas da vida, para situações, para alegrias, para tristezas.

Foi assim que esta manhã, à saída de casa, este tontíssimo mas irresistível I Was Kaiser Bill's Batman, de um senhor chamado Whistling Jack Smith, me entrou pelos ouvidos, uma clareira sorridente na manhã chuvosa e, é claro, pondo-me a assobiar rua fora («e achas isso bonito?» — perguntaria a minha Mãe, se me tivesse visto naquela figura).

Lá pela Primavera de 1988, o                  Pedro Oom fez-me um dia a deliciosa surpresa de dez cassetes que tinha andado pacientemente a gravar para mim, uma para cada ano da década de 60, que eu era mesmo a taradinha dos anos 60 — o Pedro Albergaria chegava ao Stone's e perguntava logo se a S. Francisco (eu) ainda não tinha aparecido (o que também é significativo quanto à minha presença quase diária lá). Na cassete de 1967 vinha esta música, que eu nunca mais tinha ouvido mas que me lembrava perfeitamente de ouvir na telefonia em muito miúda.

Mais tarde, em 1990, e porque o M. adorava as minhas cassetes, andavam sempre no carro, e lembro-me de uma viagem ao Algarve para passar o fim-de-semana a convite do meu cunhado, que era na altura director de um hotel e em que demos boleia à minha irmã, que estava em Lisboa. Quando isto começava a tocar, um minuto depois olhávamos uns para os outros e desatávamos a rir, porque estávamos os três a assobiar em coro. Experimentem lá... conseguem não assobiar também? É mais forte do que nós.

Lembro-me também dos filhos do M., a Teresa e o André, tão pequeninos na época,  cinco e três  anos, e que ao fim-de-semana iam connosco para todo o lado, e que tinham de ser entretidos em viagem (are we there yet?) — escusado será dizer que ainda sei de cor As Cantigas da Minha Escola,  de Cândida Branca-Flor. Mas esta era mesmo a sua grande favorita, e tínhamos um jogo que os deliciava. Sentados no banco de trás, nós de costas, não podiam olhar para nós,  eu e o Pai íamos assobiando à vez e eles tinham de adivinhar qual de nós assobiava em cada momento. E quando a música chegava ao fim tínhamos de repetir, uma e duas vezes, às vezes mais.

Meu Deus! E está mesmo quase a fazer vinte anos que tudo isto  aconteceu!


Fiquem também com o vídeo, já agora. De 1967, o grande ano da música. Abençoado YouTube!



sábado, 20 de fevereiro de 2010

Old Souls - II

Odessa, sim, esse Odessa por mim tão amado que foi o disco escolhido para começar a falar aqui, de vez em quando, daqueles que são os discos da minha vida. Não, não é o tal, a sumptuosa edição original em vinil, de 1969, que nunca tive sequer na mão e de cuja existência só soube há poucos dias. É uma edição especial em CD, luxuosíssima, três discos. Forrada a veludo, claro, noblesse oblige.

Presente especial, tão especial do Abel, minha old soul em coisas que chegam a ser inquietantes, e que, outras vezes, nos fazem rir imenso. Tal como eu (outra coisa igual), não aguentou: queria dar-me o disco quanto antes, eu ainda protestei, tenho uma série de coisas para ele no Colosso.

E aqui está ele, esta beleza, ainda na mão generosa do Abel. Estou neste momento a ouvi-lo em altos berros, auscultadores na cabeça. Obrigada, Abel. Obrigada. Obrigada. Nem sei dizer mais, e é bom saber que sabe o que isto é para mim.

A música escolhida, Melody Fair, é uma das músicas da minha vida, eternamente. O Pedro Oom, se aqui passar, vai sorrir, ele que tantas vezes a pôs a tocar para mim no Stone's. Uma outra pessoa, que aqui vem de vez em quando, também sorrirá e há-de lembrar-se.

E ao ouvir mais uma vez, uma milionésima vez na minha vida, este Melody Fair, vêm-me à lembrança palavras do Vítor, há muitos, muitos anos, mais de trinta: que o fazia sempre lembrar de mim, por causa de dois versos.«Remember you're only a woman, / Remember you're only a girl.» O Vítor achava que esta dualidade de menina-mulher era uma coisa muito minha, e muito cativante. Outras pessoas, ao longo da minha vida, viriam a achar o mesmo. Não sei exactamente quanto dessa menina de anos idos terá sobrevivido na mulher de hoje, mas tenho esperança em que dela ainda vá restando alguma coisa, aqui e ali. Esta noite, neste momento, a ouvir mais uma vez este disco soberbo que, mais do que um dos discos da minha vida, é um grande amor da minha vida, parece-me que ela está aqui outra vez.


P.S. só para o Abel: Estou neste momento a ouvir With All Nations (International Anthem). A faixa 13, a que foi retirada quando fizeram a edição em CD (crime! crime!). Não a ouvia há uns bons trinta anos. Obrigada. Outra vez.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A Mafalda, o Nuno e eu

Aqui vai a história, ontem prometida, da Mafalda (a do Quino, não a que foi casada com o Nuno e com quem  ele teve três flhos que são umas brasas, os genes dos dois lados cumpriram).

Para minha grande surpresa, fui encontrar a imprescindível imagem que a ilustra justamente num  blogue de que sou visita diária, o Dias que Voam.

Esta tira da Mafalda forneceu-nos motivo para risota, ao Nuno e a mim, durante mais de vinte anos.



Não sei qual de nós a utilizou pela primeira vez, só sei que o primeiro que usou a frase «Eu não sou seu criado/a)», proferida pelo Gui, foi imediatamente captado pelo outro, percebendo aonde aquilo ia chegar, e colaborando acto contínuo.

No Stone's, o nosso lugar de eleição eram os parapeitos junto à cabine (sempre a música, que tentávamos a todo o custo controlar). De repente, havia um copo vazio a pousar e pedia-se ajuda ao que estivesse mais próximo de uma mesa, ou do rebordo da cabine; de repente, havia um cigarro a apagar, e era o outro que estava mais próximo de um cinzeiro.

Suponhamos que foi o Nuno que deu início a isto (é indiferente, ambos sabíamos a Mafalda de cor). Eu estaria empoleirada no parapeito da cabine, o que tinha a mesa triangular por trás. Ele,  em frente, tinha mesmo por trás a primeira mesa à direita, para quem entrava.

— Nuno, apague-me o cigarro, por favor.

— Eu não sou seu criado.

— Não lhe estou a pedir como a um criado, mas como a um amigo.

— Ah! Sendo assim...

Ele apagava-me diligentemente o cigarro. Eu fazia-lhe uma festa condescendente na cabeça, acompanhada do inevitável «Obrigada, ingénuo.»

E a seguir rebentávamos a rir, sempre, como se fosse a primeira vez. Isto aconteceu centenas de vezes, ora havia um ingénuo, ora uma ingénua, e ríamos sempre com a mesma genuína alegria da partilha cúmplice.

Explicação para a banda sonora? Era uma das nossas músicas (sim, também há canções de amizade), fruto de muitos anos de muitas confidências. O Nuno via-me em baixo e apontava carinhosamente o ombro, dizendo «Any time at all...» Eu via-o em baixo e fazia o mesmo.

«If the sun has faded away, I'll try to make it shine,
There's nothing I won't do
If you need a shoulder to cry on I hope it will be mine


Não que fôssemos muito de chorar por coisas  nossas, o Nuno e eu. Mas era sempre reconfortante saber que havia um ombro em que podíamos encostar a cabeça. E acabávamos a rir, por pior que fosse o cenário.

Banda sonora: The Beatles - Any Time At All (A Hard Day's Night, 1964)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Le Temps Retrouvé

É o título do último volume daquela obra da minha eterna obsessão. Esta noite, em muitos momentos, senti-me um pouco como naquelas páginas finais de Proust, na recepção da princesa de Guermantes, em tempos longínquos apenas a Verdurin, muito brevemente, antes da grande escalada, duquesa de Duras.

Não estou a falar do jantar, que foi muito bom, com duas pessoas de quem muito gosto e de quem sou realmente amiga, mesmo com a pena de duas ausências que percebo, justificadas à última hora, quando já eram esperadas. Tenho pena, pronto.

Estou a falar do que se seguiu ao jantar. Vamos beber um copo ao Xafarix, decidiu-se. Conheço o Xafarix desde a inauguração, vai para mais de vinte anos, nunca consegui perceber que piada toda a gente achava e continua a achar àquilo. E note-se que acho o Cajó e o Luís Represas umas pessoas encantadoras. A culpa deve ser mesmo minha.

A noite em Lisboa deixou de ter graça. A noite em Lisboa, para mim, era o Stone's, quase sempre (porque tinha a música). Também foi (menos) o Bananas. Também foi (ainda menos) o Ad Lib e a Primorosa. Até chegou a ser, alargando o raio geográfico, o Rolls, o Club e o Van Gogo, em Cascais. Tudo isso morreu, passaram muitos anos, e eu já não tenho paciência.

Esta noite, no Xafarix, percebi que, realmente, estar ali não fazia qualquer sentido. Na sala de acústica insuportável, lá estava o Rodrigo d'Orey a assassinar músicas que me são muito queridas, e só me apetecia ir-lhe ao focinho. Olhava em volta e reconhecia muitas caras de antigamente, do tempo em que eu saía todas as noites. Marcadas, mais velhas, como a minha, que isto toca a todos. O Cajó nem me reconheceu e eu não fiz qualquer esforço para me fazer lembrada. Passaram muitos anos, e ele dá-se com centenas de pessoas, é o seu papel como dono daquilo.

Na mesa ao lado estava o Diogo. Grande festa, grande abraço, beija-mão às minhas amigas, não nos víamos havia uma eternidade. E foi justamente quando lembrei o Diogo de antes, amigo encantador, perfeito cavalheiro, grande dançarino, o Stone's parava para nos ver dançar juntos, que senti que estava nas páginas finais de Proust, Le Temps Retrouvé. Um baile de espectros. O Diogo até casou mais duas ou três vezes, e viveu umas quatro ou cinco relações de facto neste intervalo.

Não é só eu estar mais velha, se bem que deva pesar. A noite de Lisboa mudou mesmo. Nunca achei a menor graça ao Lux. Do Bairro Alto é melhor nem falarmos.

O que se perdeu foi aquela coisa de encontrar as pessoas, aquele frémito de excitação, aquele friozinho na barriga de querer muito que este ou aquele menino aparecessem, a expectativa de quando se abria a porta do Stone's e talvez no minuto seguinte víssemos a tal pessoa descer os degraus. Eu e o Nuno falávamos muito disso, era um sentimento comum. Mas o Nuno morreu, não tarda nada, faz dois anos. E acho que já mais ninguém percebe.

O Stone´s tinha duas músicas de fecho, seguidas; Adieu l'Ami, de Bécaud, e Stones, de Neil Diamond. Isto antes de o Manecas vir inventar, lá a meio dos anos 80, e juntar uma terceira, My Way, que não fazia parte da tradição (confesso que nunca gostei lá muito do Manecas). O que nunca me sairá da memória é o cheiro a petróleo dos candeeiros das mesas quando, altas horas da manhã, desligavam o ar condicionado. E a sopa ou o spaghetti bolognese oferecidos a meio da noite às quartas-feiras. E o querido Duarte, o meu empregado favorito, a circular pelas mesas com o seu silvo especial. E o Mário, que chamava fregueses ao clientes. E o Artur. E o Quim. E o Luís, a quem eu traduzi para inglês a magnífica carta de recomendação, quando emigrou para a Austrália. E a Manuela, no bengaleiro. E mais tarde o João, a Lia, o Miguel. Éramos uma família. Não esqueço que na noite dos meus anos aparecia sempre uma garrafa de champagne, oferta da casa. E bem sei que não eram os donos que pagavam.

Já nem falo de quem punha música. Esses continuam meus amigos até hoje. Aprendi muito com eles. Também lhes ensinei algumas coisas. Lembro-me de ter apresentado Tim Buckley ao Pedro Oom, quando lhe ofereci Goodbye and Hello. Ainda se lembra, querido Pedro?

Banda sonora: Gilbert Bécaud — Adieu l'Ami

P.S. Queridos Pedros (Oom e Fajardo), esta versão de Adieu l'Ami não é a que passava no Stone's, esta é mais rápida! Preciso da verdadeira, sabem como sou esquisita com estas coisas.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Trinta anos

Este retrato faz hoje exactamente trinta anos.

Tirado pelo Duarte (aliás estou com o pull-over dele vestido, estava muito vento e ele, sempre um perfeito cavalheiro, emprestou-mo) no alto da falésia da minha Nazaré muito amada. Talvez seja o meu retrato preferido, juntamente com um outro tirado seis anos depois na piscina de Vilalara. Não estou especialmente bonita, estou cheia de sardas e o ar da selvagenzinha que volto sempre a ser naqueles penhascos a que conheço todos os recantos. Mas estou aqui inteirinha, sou eu e o melhor de mim.

Tenho saudades, muitas. Vamos ver se em Setembro vou lá passar um fim-de-semana.

sábado, 1 de agosto de 2009

Aniversário e aniversários

Maldita seja esta memória de elefante que Deus me deu, que faz que eu saiba que hoje é a festa nacional da Suíça e que saiba onde (na Ruína, Albufeira) e com quem jantei faz hoje 24 anos.

Maldita seja esta memória de elefante que Deus me deu, que faz que eu lembre, minuto a minuto, o fim de tarde à beira Tejo de há 28 anos. Também era sábado. Sei, absolutamente por acaso, que foi justamente nesse dia, primeiro de Agosto de 1981, que a MTV começou, com um clip que hoje é histórico: Video Killed the Radio Star. Até o céu carregado estava igual. É provável, muito provável, que ele venha a ler isto, sei que vem aqui de vez em quando. Até poderá alimentar-lhe a vaidade. Não é caso para tanto. É só a minha memória, já não quer dizer nada, há muito que não tem significado (e até tenho pena, preferia que tivesse). Ainda tenho algures a cruz de prata com a data gravada, uma data muito especial, capicua: 1.8.81. E contudo...
«Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.»
Álvaro de Campos


Volto, como sempre, ao meu Mestre, a Alberto Caeiro:

«Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual.
Ser real é isto. »


domingo, 19 de julho de 2009

Fnac who? (I ♥ Amazon!)


Não há volta a dar-lhe, os tipos são mesmo bons!

Na sequência de uma animada troca de mensagens com o Pitx, a Amazon alertou-me amavelmente para o facto de eu ter comprado este filme, que me comoveu de uma maneira que nem sei explicar, a 12 de Maio de 2006 (está no topo da imagem).

Nem vou falar do significado que a data, 12 de Maio, tem (teve) para mim. Durante anos e anos a fio 1205 foi o código para tudo: telemóveis, cartões de crédito e de multibanco, malas de viagem... And then, finally, one day I moved on...

We always move on, sooner or later. Sei que, num dia qualquer, ele vai ler isto e vai saber que é com ele — vem cá espreitar de vez em quando, contou-me. Só tenho pena de que, nesse dia, ao abrir esta página, a música a tocar aqui seja já outra. Esta ia desabar sobre ele em cheio. E agora estou a lembrar-me daquela frase de Proust e a sorrir. Ele nunca leu Proust. Só perdas, daquele lado. :)


terça-feira, 10 de março de 2009

A velha Horta da Fonte

Apanhei um trânsito absurdo e inexplicável para vir para casa, já que saio quase sempre muito tarde, a horas em que normalmente não encontro complicações de maior. Parada em bicha a meio da Av. da Liberdade, a telefonia sintonizada na M80, começou de repente a tocar So Long, dos Fischer-Z. Os dedos a repetirem no volante a batida forte, dei comigo a sorrir e a lembrar-me de quando e como tinha conhecido a música.

Numa noite de sexta-feira de Janeiro de 1981, tinha eu vinte anos, encontrei-me com um grupo de amigos na Av. de Roma, na defunta pastelaria Capri (era o quartel-general deles, eu nunca fui de fazer vida de café). O programa mais provável seria um copo no Pabe e a seguir irmos para o Ad Lib, que era quase invariavelmente o programa deles (a meio da noite alguns meninos costumavam desaparecer por um bocado e iam até às Caves Mundial, para grande fúria de algumas meninas, incluindo eu, por nunca nos levarem, que morríamos de curiosidade — era uma boîte que... enfim, não sei se estão a perceber...). Mas eis que, em boa hora, alguém sugeriu que fôssemos até à Horta da Fonte. De todo o grupo, que ainda era grande, só dois conheciam o sítio, e aderiram prontamente, explicando-nos que era uma boîte nova e giríssima no Cartaxo. Em menos tempo do que leva a dizê-lo, uns quatro ou cinco carros punham-se a caminho. A mim calhou-me o carro do Tó, que já não é deste mundo.

Ora o Tó tinha sempre as últimas novidades em matéria de música, pagava ao disc-jockey do Ad Lib para lhe gravar cassetes com tudo o que ia saindo, mal saía. E foi assim que — meu Deus, como essa lembrança permanece vívida! —, ao passarmos junto à Casa da Moeda, ouvi pela primeira vez esta batida ainda de New Wave que achei imediatamente irresistível.

— Ó Tó, o que é isto?
— Fischer-Z. So Long.
— É um espanto!

So Long chegou ao fim. «Outra vez!», pedi. O Tó fez recuar a fita. E fomos assim até ao Cartaxo, setenta quilómetros, dos quais só 23 eram de auto-estrada (que ainda só ia até Vila Franca) a ouvir So Long, sempre e só So Long. A partir da quarta ou quinta audição, o Tó já nem dizia nada, limitava-se a rebobinar a cassete. E lá vinha novamente a mesma música.

Adorei a Horta da Fonte, que na altura muito pouca gente em Lisboa conhecia. Passou a ser o meu sítio favorito para ir ao fim-de-semana, em que a música no Stone's e no Van Gogo, a rebentarem pelas costuras de cheios, não era exactamente a que mais me apetecia ouvir. E, claro está, fiz-me logo amiga do disc-jockey. Lá pelo meio de Março, ele disse-me que estava a planear fazer uma noite só de anos 60. A minha reacção, claro está, foi entusiástica. Pegámos num calendário para estudar possíveis datas e sorri, deliciada: o dia 10 de Abril, 11.º aniversário da separação dos Beatles... calhava a uma sexta-feira! Poderia haver data melhor para uma noite de homenagem aos anos 60?

A noite foi um grande sucesso. Houve muitos prémios, sempre t-shirts, para quem soubesse o que era e quem cantava esta ou aquela músicas. Quando arrecadei a minha 9.ª t-shirt proibiram-me de continuar a concorrer... o que achei uma enorme injustiça. Seja como for, cheguei a Lisboa sem nenhuma, acabei por dá-las todas...

A imagem acima, actual, é a mais parecida que encontrei com a que a minha memória guarda da Horta da Fonte naqueles tempos do princípio, antes das obras que viriam a fazer algum tempo depois. Não vou lá há uns cinco ou seis anos.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Parece que o querido e velhinho Van Gogo...

... sim, esse mesmo, o nosso querido Van Gogo, REABRIU!!!

Lanço já um repto às Cell Blog Chicks, alargado às Cangalheiras residentes em Lisboa, a Actriz Principal e a Diabba: vamos lá matar saudades num fim-de-semana muito próximo?

Sugiro patuscada prévia num certo restaurante que eu cá sei...

Será que a música de fecho ainda é esta? (lembram-se?)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A call from the past

Foi há pouquinho, irrompeu-me pelo Skype. E foi isto, só isto.

Inevitável virem-me à memória as últimas palavras de Swann no capítulo Un Amour de Swann, naquele livro da minha eterna obsessão.

Não tenho a tradução de Pedro Tamen, que me dizem ser soberba e definitiva, passei naturalmente da minha, muito velhinha e coberta de sublinhados, a de Mário Quintana, ao original de Proust. Aqui fica em Português, façam-se as necessárias adaptações de género:

«E dizer que eu estraguei anos inteiros da minha vida, que desejei a morte, que tive o meu maior amor, por uma mulher que não me agradava, que não era o meu tipo!»

Que longe, meu Deus!

«A que distância!... (nem o acho...)», como nas palavras do poeta que é a minha obsessão maior.

Nem sequer é como na última carta dele a Ofélia, e que também espelha, hoje e sempre, o que foi o meu outro grande amor (tive dois grandes amores e meio), e sei esta passagem de cor:
«Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil.»


terça-feira, 19 de agosto de 2008

Quem te viu e quem te vê...

Gorbachev, nova aquisição publicitária da Louis Vuitton, passa de limousine junto ao Muro de Berlim. Há quem fale de texto subversivo naquele coiso pousado no saco, eu fico-me pelo bizarro da imagem.

«Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.»

Camões