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terça-feira, 21 de junho de 2011

Baú das relíquias #11: Sì


Esta noite, depois de dormir pouco mais de uma hora, acordei e depressa percebi que não conseguiria pregar olho outra vez, optando por vir para o computador. Encontrei o David no Facebook e, a propósito da sua actual obsessão com The Windmills of Your Mind, pusemo-nos a trocar músicas antigas, muito antigas. E foi assim que chegámos a esta belíssima canção de Gigliola Cinquetti, que representou Itália no festival da Eurovisão de 1974, ficando em segundo lugar.

O facto de tanto a intérprete como a canção e até o próprio ano do festival terem associados apontamentos curiosos deu-me vontade de a pôr aqui.

Comecemos pelo ano: 1974, o ano em que Paulo de Carvalho cantou E Depois do Adeus, que, menos de um mês mais tarde, seria a senha de saída para os militares que fizeram o 25 de Abril; foi também o ano em que um certo Waterloo ficou em primeiro lugar. Os autores e intérpretes, dois rapazes e duas raparigas suecos chamados ABBA, viriam  a ser a maior fonte de receitas do país, ultrapassando a própria Volvo.

Gigliola Cinquetti tinha vencido a Eurovisão em 1964, com apenas 16 anos e o enternecedor Non Ho l'Età, que sempre adorei. Dez anos mais tarde, transformada numa muito bela mulher, voltou com este . Que, como já disse, viria a classificar-se em segundo lugar e que, para mim, continua a resistir ao teste do tempo. Confesso que se Waterloo me aparecer no iPod passo à faixa seguinte. Se for oiço deliciada. Tem aquilo a que chamo uma melodia em círculos, ou em espiral. O conceito, que para mim é muito claro, não é fácil de explicar. É mais fácil dar exemplos de outras músicas que encaixo na mesma designação, como I Believe, por Art Garfunkel, ou Mandy, de Barry Manilow.

Por último, uma curiosa história associada à canção. À época a Itália preparava-se para um referendo sobre o divórcio. Como tal, e porque , o título, era palavra incessantemente repetida, a RAI e a maior parte das estações de rádio italianas proibiram a sua passagem, com receio de que o título pudesse ser entendido como mensagem subliminar e influenciasse o voto. A RAI nem sequer transmitiu o festival nesse ano, só por causa de (ver aqui). O voto ao ostracismo durou mais de um mês, até ao referendo, a 12 de Maio.
 


segunda-feira, 26 de abril de 2010

Baú das relíquias — singles #10: Raggio di Luna

Acabo de lhe digitalizar a capa e sorrio a olhar para ele. Está impecável, podia ter saído hoje da loja. No verso, uma data e um nome. A data é 21 de Maio de 1979, o nome é o de quem mo ofereceu. O P. M.

Como toda a gente da minha idade, vivi até certa altura o festival da Eurovisão como um grande acontecimento. A partir dos 13 anos (idade mais provável) comecei a arrumá-lo na categoria das coisas meramente engraçadas, tendo já uma noção clara de que havia música infinitamente melhor. Mas, ainda assim, ano após ano, lá por meados de Abril, lá ficava presa ao ecrã na grande noite. Eu e três quartos do país — o quarto restante talvez não tivesse televisão. Isto até 1980, ano dos meus 20 anos, o último em que me lembro de ter visto O Festival (o artigo é eloquente). Viria a vê-lo apenas mais uma vez, dez anos depois, por ter sabido por acaso que Toto Cutugno, cuja voz e sentido de melodia amo, cantava pela Itália. E ganhou, o meu querido menino.

O primeiro festival de que guardo uma memória muito nítida é o de 1966, tinha cinco anos. A ocasião era especial, foi-me concedido assistir, a uma hora em que já deveria estar na cama. E lembro-me perfeitamente de Udo Jürgens a cantar ao piano o vencedor Merci Chérie. Os meus favoritos em cada ano, mesmo tão pequena, reflectem bem a mudança que começava a fazer-se sentir: por influência dos Beatles e de tantos conjuntos (na altura ninguém lhes chamava bandas) vindos do Reino Unido, a muito forte presença francesa começava a empalidecer. Em cada ano era inevitável: eu vibrava pela Inglaterra, e nem imaginam a fúria que tive quando Massiel (espanhola, ainda por cima!) derrotou o Congratulations de Cliff Richard. Pouco importa que eu tivesse apenas sete anos, a música já era um grande amor e eu não seria  hoje a mulher de paixões que sou se não tivesse começado por ser a criança de paixões que fui.

Seja como for, lá por 1975, 1976, comecei a fartar-me das prestações britânicas no Festival. Aquilo já não me dizia nada, achava as músicas parvas. E transferi o meu apoio para as canções italianas. A de 1978, Questo Amore, é ainda hoje uma das músicas da minha vida. Não porque tenha uma qualidade extraordinária, nem sequer tem uma qualidade por aí além. É apenas por trazer consigo lembranças de uma felicidade imensa. No ano seguinte, 1979, ganhou Israel, com uma música fraquinha, básica, de receita quase garantida. Acabei a noite rouca de tanto me exasperar com as votações, a parvíssima canção espanhola a dar uma luta incompreensível, até ao fim o resultado esteve indeciso. O meu querido Estado de Israel ser batido por Espanha?! Mas era só o que faltava! Enervei-me, gritei, praguejei com os votos de cada país, as figuras que uma pessoa faz! Mas a minha preferida foi mesmo a canção italiana, este Raggio di Luna, de uns tais Matia Bazar.

Vamos lá falar com franqueza: a música é fraquinha, pronto. Sempre tive noção disso. Mas podemos ser lúcidos quanto aos reais méritos de alguma coisa ou de alguém sem que o nosso afecto seja beliscado — é o caso. O encanto da língua italiana não chega como explicação, a explicação é outra, e passa pela Primavera de 1979, por tardes supostamente de estudo em casa do P. M. que mais eram sessões de música e muita galhofa, o frasco de álcool a ter de aparecer no fim para limpar os riscos de esferográfica que eu lhe fazia no braço a cada graçola que ele me dizia. Tardes de estudo quase invariavelmente interrompidas para irmos comer um gelado à Pindô, no prédio do lado, ou para irmos aos crêpes do Pão de Açúcar da Estados Unidos da América, a cinco minutos de distância (oh tempos felizes! Eu engolia alegremente dois crêpes com gelado, chantilly e chocolate quente e era uma sílfide!), ou às livrarias do Apolo 70 e do Arco-Íris, ou a uma sessão de cinema que o capricho do momento nos fazia apetecida. Ou a uma discoteca. Por discoteca entenda-se loja de discos, evidentemente.

Nessa Primavera de 1979 o P. M. sabia que estava para aparecer à venda (era do ano anterior, mas os discos continuavam a chegar cá com grande atraso) Darkness on the Edge of  Town, de Bruce Springsteen. Quase todas as tardes arranjávamos maneira de passar numa ou noutra discoteca, a ver se já tinha chegado. Nessa tarde de 21 de Maio, nem sei bem porquê, fomos dar à discoteca do Imaviz. Onde ele finalmente o encontrou. À saída, ele já com a sua preciosa compra debaixo do braço, parámos a ver a montra, bastante ecléctica. E lá estava este disco, Raggio di Luna (o Festival tinha sido no mês anterior). «Adoro aquela música!» — exclamei impulsiva, a apontar para a capa. E não houve maneira de o dissuadir de mo oferecer. Relembro agora, divertida, os tormentos que viria a passar por causa dessa generosidade dele. Lembro em especial uma certa ida à Feira do Livro, que ainda era na Avenida da Liberdade, eu sem me atrever a manifestar interesse por qualquer livro, quanto mais manuseá-lo, segura de que o passo seguinte seria ele oferecer-mo (e resignada a voltar lá noutro dia, para poder fazer compras). Nem o meu aparente desinteresse conseguiu vencer o seu empenho. Desconheço qual terá sido o critério, mas acabei por ser presenteada com O Admirável Mundo Novo, de Huxley, da querida Colecção Dois Mundos. E foi impossível recusar, claro. Está na estante por trás de mim, anda comigo há mais de trinta anos.

Preciosos, um e outro. O disco e o livro.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Baú das relíquias — singles #9: I Like You

Quando eu tinha 11, 12, 13 anos, fechava-me no quarto a seguir ao jantar e lia, lia, lia — até chegar o momento fatídico em que ouvia um severo «Tê, apaga a luz!» da minha Mãe. O primeiro de muitos, que todas as noites a história se repetia, comigo sempre a suplicar mais um bocadinho, a mendigar tempo para ler mais algumas páginas. 

Noites houve em que a minha Mãe teve de recorrer a medidas extremas como desligar o quadro eléctrico. Sempre fui filha exemplarmente obediente, as únicas transgressões eram mesmo no campo da leitura. Por a leitura ser também uma paixão dele, o meu Pai sempre foi mais indulgente nesse capítulo, fingindo não reparar na faixa de luz por baixo da porta do meu quarto a denunciar-me. Como todas as crianças, fiz as minhas asneiras. Não muitas, é certo. Mas os meus Pais cedo perceberam que o maior e mais eficaz castigo que podiam aplicar-me era a proibição de ler. Lembro-me de que, já pelos meus sete anos, se queixavam ao médico (tive uma grave doença a partir dos quatro anos, coisa a prolongar-se por largos anos, a exigir acompanhamento constante e, na fase mais aguda, análises de sangue diárias) de que, se deixassem, eu lia o dia inteiro. «Tê, larga a leitura!» deve ter sido a frase que mais ouvi em criança. E daí não sei, que também havia a exasperação da minha Mãe com a minha falta de apetite crónica. A sua maior proeza de paciência (ou desespero, por eu estar tão doente) foi levar duas horas para conseguir que eu comesse uma banana. A contar-me histórias, a encher o lavatório da casa de banho de água e Sonasol, um dos poucos detergentes da época, a pôr-me nas mãos um batedor de claras, a minha minúscula pessoa empoleirada numa cadeirinha de madeira que ainda hoje está a um cantinho da saleta e foi herdada pela Marta e pela Rita, as minhas sobrinhas. Entretida a fazer espuma com aquilo, lá ia aceitando engolir alguma coisa. Dou comigo a sorrir desta ironia. Mundo muito mal feito! A bem da tranquilidade da minha Mãe, eu deveria ter nessa época o apetite que tenho hoje. A bem da minha linha, eu deveria ter hoje por comida a mesma enorme repugnância que tinha então. E toda a gente era feliz, num mundo ideal.

Mas voltemos à música, que eu sou mulher de se dispersar muito mas de voltar sempre ao ponto de partida. Nessas noites dos meus 11, 12, 13, 14 anos em que recolhia ao quarto a seguir ao jantar para ler, havia sempre uma telefonia minúscula ligada num programa chamado Quando o Telefone Toca. Ligava-se para o programa, debitava-se uma frase relacionada com o patrocinador, previamente divulgada, e pedia-se uma canção. Eu, confesso, ouvia aquilo na esperança de apanhar músicas dos Beatles. O que apanhava, na maior parte das vezes, eram fúrias autênticas, tamanhas as piroseiras com que era brindada. Mas, honra seja feita ao programa e ao locutor, o saudoso Matos Maia, também conheci músicas e contraí paixões.

E é assim que chegamos a esta minha relíquia, que já não tenho. Algures lá por 1973, esta canção de Donovan passou muito no Quando o Telefone Toca. E eu comprei o disco numa gigantesca discoteca (loja que vende discos, as outras para mim ainda são boîtes) chamada, se a memória não me falha, Grande Feira do Disco, na Rua do Forno do Tijolo. O disco viria a desaparecer-me quando o emprestei para uma festa da Católica, em 1978. Deu-me muito trabalho encontrar novamente a canção. A capa, a mesma (e como a lembro bem!), devo-a mais uma vez ao Luís.

Ontem, num óptimo almoço de taradinhos por anos 60 em geral e por Beatles em particular, falou-se muito desta música. E do álbum a que ela pertence. Que é este: Cosmic Wheels. De Donovan, o trovador de Atlantis. O disco é de 1973, tinha eu 12-13 anos.


quinta-feira, 21 de maio de 2009

Baú das relíquias — singles #8: O Que Passou, Passou

Mais uma dívida para com o Luís.

Não, nunca tive este disco. Saído em 1977, anda indissociavelmente ligado ao meu primeiro ano de faculdade. Eu e a Eduarda, minha melhor amiga na Católica, passávamos a vida a cantar isto, que se ouvia todos os dias na telefonia. Sabíamos a letra de cor, pois claro!

Cantavam as Cocktail (a voz principal é a de Rita Ribeiro, bem gira era naquela época!), letra e música são de Tozé Brito. Mais tarde o grupo viria a ter um quarto elemento, Fernanda de Sousa, que o mundo hoje conhece como a nossa inefável (i)Ágata.

De vez em quando há musiquinhas assim, sem qualquer mérito, que nos caem no goto e até são um pouco guilty pleasures. É o caso desta, definitivamente. E o que eu a procurei! Nem sequer lhe sabia o título...

Graças ao Luís, reencontrei-a. Foi emocionante voltar a ouvi-la. Um emocionante diferente, muito diferente, de voltar a ouvir Slides, de Richard Harris (que também devo, adivinhem... ao Luís!). Mas emocionante, ainda assim.

Por momentos vi-me outra vez na piscina do Penta com a Eduarda, a faltarmos descaradamente às aulas, colegas de ano igualmente gazeteiros a tirarem-nos aprovadoramente as medidas da varanda do bar (modéstias de fora, na época éramos giríssimas). Tamanho é o poder evocativo da música. Como o dos perfumes...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Baú das relíquias - singles #7: I Think I Love You

Pois é verdade, meus amigos: eu comprei mesmo este disco... I Think I Love You (1970) foi o maior sucesso da Família Partridge, que não era mais aparentada entre si do que eu e os meus vizinhos de cima — que nem sei quem sejam —, tirando David Cassidy e Shirley Jones (vencedora de um Oscar e que estava casada com o pai dele).

A Família Partridge foi uma série de televisão que passou em Portugal lá por 1972 e 73, à hora do almoço. Foi um fenómeno de sucesso em todo o mundo e criou um mito: David Cassidy (aquele menino bonitinho em cima, à direita). Foi uma histeria de proporções mundiais, até no Japão. As adolescentes idolatravam David Cassidy. Eu, como tinha apenas doze anos, fiquei imune. Mas bem via a Bravo circular freneticamente lá pelo Liceu, numa enorme excitação. Semana sim, semana sim... David Cassidy vinha na capa. E note-se que ninguém sabia alemão, eu entrei no segundo ano em que o Liceu teve raparigas e as mais velhas tinham treze ou, no máximo catorze anos...

Seja como for, eu achava a série giríssima e, claro, adorava esta música. Tanto que comprei o disco. E lembro-me de fins de tarde na Nazaré, no Verão de 1973, ora em minha casa, ora em casa da Isabel, em que este disco (e outros que ainda aqui hei-de pôr) se fartava de tocar.

sábado, 3 de maio de 2008

Baú das relíquias #6: Silence Is Golden

Este disco foi a segunda parte do presente de anos da querida Nita em 1986 — puxei pela memória e rendi-me à evidência, foi nos meus 26 anos que ela mo ofereceu.

Uma boa memória mais não é do que uma boa capacidade de associar ideias. Lembrava-me de que na Primavera de 1986, no restaurante do meu amigo Miguel Amaral nas Amoreiras, àquela hora em que, fregueses despachados, ficávamos alegremente à conversa, tinha ouvido esta música pela primeiríssima vez. Éramos bastantes, os sobreviventes de um grupo que tinha partilhado histórias quase surreais no The Great American Disaster. Assim de caras, aposto que nesse dia estávamos à mesa, além do Miguel, da então mulher, a João (Joãozinha, onde andas?! — até o teu blóguio, mesmo sendo estritamente familiar, está parado) e de mim, o Carlos S. (aqui o comentador A4, também sumido), o João P., o Zé P. (em anos idos e atribulados o mítico Zé Cow-boy das festas lisboetas), a Cristina P., irmã da João e, claro, a Nita. Nesse dia, quase vinte anos depois (o original dos Four Seasons, de 1964, não fez história — isto já é investigação minha —, esta versão dos Tremeloes é de 1967, o grande ano da música), ouvi este Silence Is Golden pela primeira vez, e fiquei deliciada. Pedi para porem várias vezes, queria saber quem cantava esta coisa tão querida.

Só a Nita sabia, e fez um brilharete: eram os Tremeloes. Calou-se muito caladinha e em Agosto, nos meus anos, no jantar na Gôndola (o dos 27 anos foi no Pap'Açorda e ela ofereceu-me A Corte do Norte, de Agustina Bessa-Luís), ofereceu-me o seu velho single, de quando tinha 14 anos, juntamente com Le Ruisseau de Mon Enfance, que já aqui pus.

Pergunta só para ela: olha lá, mula... nunca me falaste deste José Reis que tem o nome na capa! Quem era?! :)

Aqui fica também o videoclip. Atrevam-se lá a dizer na minha cara que não é uma perfeita ternura...



quinta-feira, 1 de maio de 2008

Baú das relíquias #5: Le Ruisseau de Mon Enfance

Nos anos 60 ainda éramos uma civilização profundamente francófona, coisa que viria a mudar em breve, no turbilhão iniciado pelos Beatles - sim, sem quaisquer conhecimentos de Sociologia, arrisco que as mudanças começaram com a música. Comprava-se a Paris Match e a Jours de France, os adolescentes (coisa que eu estava a uma década de ser...) devoravam a Salut les Copains. Os novos títulos da Bouquins e da Livre de Poche desapareciam da Férin (a livraria francesa na Rua Nova do Almada) assim que chegavam.

Adamo (Salvatore Adamo) teve uma época de glória. Em Portugal fez furor. Eu era demasiado pequena, mas lembro-me de ver os discos à venda, até nas papelarias, as mesmas que vendiam aqueles álbuns para guardar discos. Adamo fez tanto sucesso em Portugal que chegou até a cantar em português, estão a ver a dimensão da coisa... Lembro-me muito bem de o ouvir na telefonia.

Reencontrei esta canção (que me é muito querida - vá lá, chicoteiem-me!) muito mais tarde, numas féria na Suíça em 1985, em casa do namorado com quem ia casando. Não casar foi, muito provavelmente, a decisão mais sensata que tomei em toda a minha vida. Fica a música, vale a música. Lembrava-me perfeitamente dela, ouvi-a dezenas de vezes, deliciada, no reencontro enternecido com uma memória auditiva da minha infância afinal muito presente.

Dois anos mais tarde, a minha grande amiga Nita, sete anos mais velha e que viveu esta época em pleno, ofereceu-me o single, que ainda conservava, este cuja capa aqui vêem, no dia dos meus anos. Juntamente com um outro que aqui apresentarei noutro dia... Ainda os tenho, como devem calcular...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Baú das Relíquias #4: Ha! Ha! Said the Clown

Com este não há batotas, ainda o conservo e a maneira como me veio parar às mãos é engraçada.

Eu era muito miudinha (a música é de 1967, o grande, o maior ano da música pop) e adorava isto. Mais tarde, muito mais tarde, lá pelo princípio de 1982, quando abriu o Bananas, eu passava lá a vida - na verdade chamava-se Banana Power e teve a sua época áurea entre 81, ano da abertura, e talvez 84; ter entrada no Bananas não era para toda a gente, pela porta do clube nem se fala. Ficou célebre a história de o querido Victor, porteiro que para lá tinha transitado do Stone's, ter recusado a entrada a uma filha de Pinto Balsemão, então primeiro-ministro.

Depressa me fiz amiga de todos os disc-jockeys (eram quatro em simultâneo), principalmente depois de o Tó Zé, também do Stone's, para lá ter ido, em Janeiro de 82 - era frequente estar na pista a dançar e ver de repente, com uma nova música, passar no jornal electrónico frases como «Esta é para a Teresinha». Passava a vida a vasculhar-lhes os discos, e quando encontrei esta preciosidade fiquei tão extasiada... que o Luís Afonso me ofereceu o disco.

Levei-o para o Stone's, que nunca deixou de ser a minha casa-mãe. Íamos aos dois na mesma noite, às vezes ainda dávamos uma saltada à Primorosa e ao Ad Lib - muito boémia fui eu, credo! O disco lá ficou, bem à mão de semear, encostado ao vidro. Numa noite qualquer, nem um mês depois, pedi ao Pedro Oom para o pôr. Ficou lívido. A custo, quase a gaguejar, lá me explicou o que tinha acontecido: o Luís Ferreira de Almeida (o da série A Idade da Inocência, sim) tinha-o queimado com um cigarro. Sem querer, claro. O cigarro estava no cinzeiro, ele distraiu-se a pôr música e... quando deu pela asneira o estrago era irreparável, o vinil tinha derretido numa área de mais de um centímetro, e justamente em cima de Ha! Ha! Said the Clown - era um EP, as segundas faixas não foram atingidas. Se olharem com atenção para a fotografia, lá verão a marca do delito. Fiquei possessa, naturalmente, e devo dizer, com alguma vergonha, que a partir daí as nossas relações foram sempre bastante tensas. É que aquilo era mesmo uma relíquia, e na altura ninguém sonhava que vinha a caminho uma revolução chamada CD e que todas aquelas pérolas (ou quase todas, que há coisas que continuo a perseguir com a obstinação da MDP que sou) viriam a ser reeditadas. Tenho a certeza de que o Luís se lembra perfeitamente deste episódio caricato. Resta-me dizer-lhe, agora que mais de um quarto de século é passado... que há muito lhe perdoei.

Fiquem também com o vídeo. Abençoado Youtube!

Ah, antes que me esqueça: a música, obviamente, não é um paradigma de qualidade, está bem longe disso. É só uma coisinha queriducha e tonta, bem ilustrativa do que foi um certo género dentro do largo espectro de géneros que coabitaram nos anos 60.


quinta-feira, 13 de março de 2008

Baú das Relíquias #3: Viens, Viens

Acabo de perceber que vou ter de aldrabar um pouco este baú das relíquias, mas a intenção é boa e para os (AS!) amantes de música francesa (Azul, Safira, Ana, Sofia...) este é um disco precioso...

A verdade é que nunca o tive. Lembro-me muito bem da sua aparição em Portugal, lá pelos meus 13 anos, chegaria a ser para mim, mulher de grandes amores musicais que sou, mais uma obsessão. Não sei o que lhe aconteceu, quando surgiu o formato DVD a música não aparecia em lado nenhum. O meu querido amigo Artur, que vive pelo menos metade do mês em Paris, adorável de amizade e da muita extravagância que uma grande fortuna proporciona, quando, A.I., lhe pedi para me encontrar esta música (A.I. - antes da Internet, claro!) bombardeou-me com discos de Marie Laforêt. Para complicar ainda mais as coisas, ela tem uma outra música com o mesmo título... claro que a azarada que em mim vem sempre à tona foi esse que recebeu... e em vários discos. Para abreviar, só lá por 2000, quando o meu amigo Pedro Fajardo (muitos favores musicais lhe devo!) me indicou um site revolucionário para ir buscar música, uma coisa chamada Kazaa, eu consegui deitar as minhas unhas sôfregas a esta canção. O tal site, que já não uso, quase viria a ser responsável pelo colapso do meu computador, mas... como diria a fabulosa Mama Morton do Chicago (hello, Cell Blog Chicks!)... Don't you know that this hand washes that one too? - está perdoado. Devo-lhe coisas que já tinha desesperado de conseguir. Como tal, desculpem a qualidade manhosa da fotografia que ilustra este post, foi apenas a fotografia possível.

Esta canção continua a comover-me, suponho que assim será sempre. É o apelo de uma filha ao pai que, talvez em crise dos quarenta (isso ainda existe?), trocou a mãe por uma miúda. Suplica-lhe que volte. Para casa, para a mãe, para ela, para o irmão mais novinho que, quando faz de conta que fuma, é o retrato vivo do pai. Tentando aliciá-lo, conta coisas pueris e estranhamente tocantes, tão miudinhas são: a mãe pintou o quarto em Setembro, o irmão já sabe o alfabeto... E frisa sempre que não é por ela que lhe pede que renuncie a essa rapariga, que sabe bonita, mas pela mãe (je sais bien qu'elle est jolie cette fille... que son amour tient ton âme, crois-tu que ça vaut l'amour de ta femme?), que da sua ausência vai morrendo, essa mãe que com ele soube partilhar vida, destino, dificuldades, sem nunca lhe soltar a mão...

Não digo mais nada. A música continua a comover-me, tantos anos passados, sim. Deixo-vos também dois vídeos. Escusam de vir dizer que Marie Laforêt é linda, lindíssima, de uma beleza invulgar com uma nota de fragilidade indefesa que corta o coração - isso é gritante, mete-se pelos olhos dentro. Creio que lhe chamavam a mulher de olhos de âmbar. Parece-me também uma mulher que carrega uma dor secreta (vejam com atenção o segundo filme, as suas lágrimas; saber francês ajuda... aqui quase nem é preciso). Música e palavras são dela.

Viens, Viens

Viens, viens, c'est une prière
Viens, viens, pas pour moi mon père
Viens, viens, reviens pour ma mère
Viens, viens, elle meurt de toi
Viens, viens, que tout recommence
Viens, viens, sans toi l'existence
Viens, viens, n'est qu'un long silence
Viens, viens, qui n'en finit pas.

Je sais bien qu'elle est jolie cette fille
Que pour elle tu en oublies ta famille
Je ne suis pas venue te juger
Mais pour te ramener
Il parait que son amour tient ton âme
Crois-tu que ça vaut l'amour de ta femme
Qui a su partager ton destin
Sans te lâcher la main.

Viens, viens, maman en septembre
Viens, viens, a repeint la chambre
Viens, viens, comme avant ensemble
Viens, viens, vous y dormirez
Viens, viens, c'est une prière
Viens, viens, pas pour moi mon père
Viens, viens, reviens pour ma mère
Viens, viens, elle meurt de toi
Sais-tu que Jean est rentré à l'école
Il sait déjà l'alphabet, il est drôle
Quand il fait semblant de fumer
C'est vraiment ton portrait

Viens, viens, c'est une prière
Viens, viens, tu souris mon père
Viens, viens, tu verras ma mère
Viens, viens, est plus belle qu'avant
Qu'avant, qu'avant, qu'avant, qu'avant
Viens, viens, ne dis rien mon père
Viens, viens, embrasse-moi mon père



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Baú das Relíquias #2: Dizzy

Outra memória muito antiga, também dos meus oito anos. Esta música fez furor! E eu, claro, adorava-a! Como tinha primos mais velhos que tinham o disco, fartava-me de o pôr a tocar. Um belo dia, querendo imitar o que via fazer aos mais crescidos, pus-me a dançar. Sozinha, claro. E de repente, numa reviravolta qualquer, fiquei de frente para a porta, no meio daquela bailação desajeitada mas entusiástica, e dei com a minha Avó e a minha Tia Laura perdidas de riso a gozar o prato.

Essa cena deve estar, certamente, na origem de eu recusar, a partir dos 14 e 15 anos, todos os convites para festinhas, com as desculpas mais parvas, por achar que não sabia dançar. A primeira vez que me atrevi, muito apreensiva, já tinha 16 anos e meio, e foi na viagem de finalistas do Liceu à Madeira. Nunca mais me esqueço, foi o Hey Jude, dos meus queridos Beatles. Depois perdi o acanhamento e sempre adorei dançar.

O single do Dizzy devo-o a um namoro fugaz (uns dois meses) que me deixou óptimas lembranças. Até foi ele que acabou, por motivos que compreendi perfeitamente. Tive pena, mas não pude deixar de lhe admirar a honestidade e de concordar com ele: tinha de ir viver uma história importante que ficara por acabar. Seja como for, foram dois meses muito bons e alegres. O T., que era uns dez ou onze anos mais velho, tinha vivido em cheio aquela época que eu adorava e em que não passava de uma miudinha, e lembro-me de que nessa despedida, num almoço, uma das últimas coisas que me disse foi que nunca esqueceria que eu lhe tinha devolvido a música da sua adolescência. Uma vez fomos de propósito, altas horas da noite e saídos do Stone's, a casa dos pais dele, onde ele sabia ter ainda todos os seus discos dos anos 60 - era Verão e os pais estavam fora de férias, a casa, aliás casarão, que eles eram nove irmãos, estava vazia. Lá surgiram aqueles velhos álbuns para guardar singles (só os mais velhos se lembrarão deles, vendiam-se em qualquer papelaria de bairro, a maior parte das vezes com umas capas de fugir de pirosas), que eu me pus a investigar, excitadíssima. No meio de exclamações extasiadas e da pilha dos que ia seleccionando para ouvirmos a crescer, dei com o... Dizzy, de Tommy Roe. Nem queria acreditar! No Stone's não o tinham, tinha passado muitos anos sem o ouvir. E continuava incrédula a olhar para a capa e só dizia «O Dizzy... O Dizzy...», numa emoção doida. O T. tirou-me o álbum, sacou o disco da bolsinha e estendeu-mo, enternecido. «Tome, é para si. Ofereço-lho.» Atirei-me ao pescoço dele, doida de alegria com tão maravilhoso presente.

E sim, já há muito que tenho o Dizzy em CD. Não é uma grande música, claro está. Mas tenho-lhe um carinho enorme.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Baú das Relíquias #1: Daydream

Há tempos encontrei em casa da minha Mãe uma pilha de singles muito, muito antigos. Digitalizei-lhes as capas (algumas um tanto estragadotas), sorrindo das memórias que cada um me trazia.

Este Daydream, dos Wallace Collection - um grupo belga, acreditem ou não - é-me, ainda hoje, especialmente querido. Nem imaginam a doideira que eu tinha por esta música, aos oito anos! Era capaz de ficar a ouvi-la repetidamente horas a fio.

Poucos anos mais tarde, uns três ou quatro, viria a descobrir que uma certa passagem era um plágio flagrante do Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky - como debati há poucos dias com a AV, do Porta do Vento -, mas nem mesmo isso abalou o meu amor incondicional pela música. Preferi achar, o que era bem mais cómodo, que não passava de uma infeliz coincidência.

Encontrei dois vídeos de Daydream, mas, curiosamente, nenhum deles é aquele que me lembro de ter visto uma vez na televisão - e se a minha memória é boa!

Fica aqui este, tão ao sabor da época (1969) e de uns restos sonhadores de Flower Power.



Now playing: Wallace Collection - Daydream
(click to listen)

P.S. E porque a memória também é uma coisa muito caprichosa, acabo de me lembrar de que o exemplar de Daydream que tocava no Stone's, igualzinho a este (não poucas vezes lhe vi a capa encostada ao vidro da cabine), era um empréstimo do Nuno. Nunca lhe foi devolvido, claro. Onde andará?