
É fatal como o destino: sou distraída e tenho acentuada propensão para a asneira. As duas coisas juntas podem ter resultados funestos.
Ontem, para não variar, saí tarde do Colosso, estoirada. Cheguei a casa já passava das nove. Abro a carteira para tirar as chaves e não as encontro. Segue-se busca frenética e cada vez mais angustiada. Das cabras das chaves nem vestígios. Ligo para o Colosso, a D. Emília ainda lá devia estar. Foi duas vezes ao meu gabinete, de chaves nem sinal. Reconstituí mentalmente o percurso da manhã, ao sair de casa. Breve passagem no banco, um táxi para o Colosso. Eram as únicas hipóteses, o restaurante do almoço era um não declarado, mas até para lá telefonei. Nada. E foi ao lembrar-me do restaurante que me lembrei de outra coisa: que à hora do almoço tinha visto uma mensagem de voz no telefone. Havia muito barulho em volta, decidi que ouvia depois, não devia ser nada de urgente, já que era das dez da manhã, hora a que estava no gabinete. Com um mau, muito mau pressentimento, fui ouvi-la. Pois. Era do banco em que eu tinha estado de manhãzinha. A dizer que tinha lá deixado as chaves. Amaldiçoei o nunca mais me ter lembrado de ir ouvir a mensagem enquanto estava perfeitamente a tempo de recuperar as chaves, chamei-me dois ou três nomes feios, mas não demasiado, que não gosto de palavrões.
E parti para o lado prático, não sou muito de ficar a chorar o leite derramado. Eram nove e meia. Estava à porta de casa, exausta, sem poder entrar. Podia chamar as Chaves do Areeiro, ficar nem sei quanto tempo à espera, pagar nem sei bem quanto, que nunca seria pouco — taxa de urgência, taxa nocturna, o diabo a sete. Mais valia ir para um hotel. Era certo que Agri estava em casa, mas tinha comida e tinha água, podia esperar até à manhâ seguinte.
Táxi comigo, a pensar nos hotéis mais próximos, na Av. Malhoa, Ibis ou Novotel. Consultei o motorista, que foi a favor do Novotel, «o Ibis é um hotel assim um bocadinho esquisito», disse ele com ar protector e uma piscadela de olho malandra. Como também associo o Ibis a encontros clandestinos, fui para o Novotel. Registo, essas coisas todas, pessoal simpático. Assegurei-me de que tinham tudo aquilo de que precisaria hoje de manhã. Tinham o básico. Escova e pasta de dentes eram pagas à parte. Reviraram os armários todos, estavam sem kits de higiene dental. Nova piscadela de olho: «mas ali em frente, no Ibis, têm uma máquina dispensadora, posso mandar lá alguém». Declinei a gentileza e atravessei a rua. Tinham a tal máquina, sim senhor. Que fornecia, a saber: kit de barbear, uns cinco tipos diferentes de preservativos, dois de tampões e... o meu kit para a dentuça. Fiquei fascinada, nunca tinha visto tal coisa num hotel.
E pronto, basicamente foi isto. O meu quarto era igualinho à imagem lá de cima, até na disposição, falta a parte que não se vê. Até diria que era o mesmo, se no meu os apontamentos de azul não fossem cor de caramelo ou para essas bandas. Era espaçoso, com uma boa casa de banho e um óptimo chuveiro. Cumpria.
Acordei às sete (serviço de despertar pontualíssimo), saltei para o banho, lavei a cabeça com o shampoo possível, que era basicamente detergente, creme ali seria luxo — a minha sorte é ter um óptimo cabelo. Nua, a passarinhar-me nas sandálias, vesti a roupa da véspera, que remédio (nunca ando descalça em quartos de hotel, nem que seja no Claridge's ou no Plaza, quando viajo levo sempre chinelos de quarto — muitas vezes nem chegam a sair da mala, porque fazem parte das gentilezas do serviço, tal como um roupão). Vinguei-me no óptimo pequeno-almoço: ovos mexidos com bacon, cogumelos e tomate, excelente chá verde, sumo de laranja aceitável. O imprescindível expresso a terminar deveria ser pago, mas foi-me galantemente oferecido.
Eram oito e um quarto, saltei para um táxi, calculando que haveria gente no banco antes da hora da abertura. Recuperei as chaves, corri para casa, fiz muitas festas a uma Agri muito queixosa, de tigelinha de ração esgotada e só com um restinho de água, mudei de roupa a correr, pus tónico e hidratante nas trombas, o resto ficava para depois, e saí como um furacão. Às nove menos dois minutos estava à secretária. All's well what ends well. Mas a D. Emília ficou muito admirada por eu só pedir chá verde, em vez do habitual pequeno-almoço de café com leite e pãozinho com queijo. Abstive-me de explicações. Soube à tarde que a minha mudança de regime alimentar tinha sido comentada. People talk. Let them talk.
«Never complain, never explain.»
Duquesa de Windsor
est0u sem imensas teclas, sem maiusculas, sem acent0s, etc
w0rten n0 dia seguinte, aman-a
a letra a seguir a0 g az alta. a letra antes d0 g tambem, c0m0 p0dem ver. a cuarta v0gal idem, p0r iss0 escrevi c0m c...
drama...
(largo e maldoso sorriso mode)
ist0 eram zer0s, a cuarta v0gal na0 mexe