Os pecados antigos projectam sombras compridas. Dias há em que, estranhamente, voltam para nos assombrar. Foi o que aconteceu hoje.
No regresso a Lisboa de um jantar de amizade, numa daquelas conversas em que brevemente se afloram coisas grandes com ar ligeiro e são ditas coisas dolorosas e que nos desnudam (e eu sempre tenho e sempre tive esse grande pudor de me mostrar), falei de um episódio muito antigo na minha vida. O mais antigo de todos, aquele que foi o Verbo (no princípio era o Verbo, para quem não saiba).
Ao chegar a casa, ligo isto para enviar os retratos do jantar que foi tão bom. E encontro um comentário de alguém a um retrato meu muito antigo, dessa época de grandes mudanças. Impossível não sorrir da ironia. Porque na viagem eu tinha falado deste disco, e de como ele me encaminhou fatidicamente para a decisão mais errada da minha vida (de mãos dadas com
Gord's Gold, a reponsabilidade é a meias). E abrir o computador e dar com um comentário a um retrato meu dessa época (prodígios do Facebook!,
don't ask), precisamente pela mão da pessoa mais directamente ligada a essa tão tremendamente errada decisão, foi um poderoso coice no estômago. E, em simultâneo, motivo para um sorriso enternecido. Fica tudo lá tão longe que os contornos são esbatidos. Lembro tudo, cada minuto, cada sorriso, os meus cabelos guardados no caderno de apontamentos (
Curtains, de Elton John, um dia lá iremos), a ansiedade expectante do outro lado. Já a dor é-me mais difícil de lembrar, que o meu lado escolhido na vida é o do sol, e a minha eleição é sempre a da alegria. E houve dor, sim. Com a minha aguento mais ou menos bem, lido mal com a que possa ter infligido.
Too much information, vamos ao que interessa: este é MESMO um dos discos da minha vida. E a música que lhe dá o título, esta que agora toca, é responsável, paredes-meias, pela decisão mais errada de toda a minha vida. Quando se é muito novo também se pode ser muito tonto, e erros há que se pagam caro.
Porque, meus amigos, eu acredito mesmo numa certa frase lida algures na minha cada vez mais distante adolescência: «A vida inteira depende de dois ou três sins e de dois ou três nãos ditos antes dos vinte anos.»
Disse os sins e os nãos errados. Disse-os mal e com misturas (sempre ele, o meu irmão Caeiro). Sei que fiz o melhor que pude, e sei que não bastou. A consciência acusa-me de muito, mas nunca de ter magoado consciente e deliberadamente, de tal não seria capaz. Não é grande lenitivo, bem sei.
Sei também outra coisa. De nós todos, os três envolvidos nessa estranha espiral, talvez hoje em dia eu seja a mais feliz. É como naquela última carta de amor de Fernando Pessoa àquela Ofélia que foi o único amor que lhe conhecemos (e sabemos que ela não podia perceber, e isto dava matéria para páginas e páginas, mas é melhor poupar-vos e preservar-me):
«Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil.»
Hasten Down The Wind
«She tells him she thinks she wants to be free
He tells her he doesn't understand
She takes his hand
And tells him nothing's working out the way she planned
She's so many women
He can't find the one who was his friend
He's hanging on to half a heart
But he can't have the restless part
So he tells her to hasten down the wind
Now he agrees he thinks she ought to be free
Now she says she'd rather be with him
Oh it's just a whim
That she's designed to keep him out there on that limb
She's so many women
He can't find the one who was his friend
He hanging on to half a heart
But he can't have the restless part
So he tells her to hasten down the wind
He tells her to hasten down the wind.»