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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Uma gorjeta memorável

Referi aqui a história de passagem. Hoje apeteceu-me contá-la.

Não se espantem com a banda sonora trepidante. Era assim que as coisas funcionavam no Great American Disaster: música rápida e aos berros. Acelerava o ritmo dos empregados  (eu conseguia levar quatro pratos de uma vez) e também acelerava o ritmo a que os clientes comiam. E este Enola Gay, dos Orchestral Manoeuvres in the Dark, foi seguramente uma das músicas que mais tocaram no Disaster naquele Verão de 1981.

Estava capaz de jurar que foi no sábado seguinte à inauguração. Aos sábados os clientes chegavam mais tarde, e eram mais grupos familiares. Chegou um senhor sozinho, instalou-se numa das minhas mesas (10 à 13, ainda me lembro, tal como lembro que as da Luísa eram da 5 à 9), fui atendê-lo. O senhor aconselhou-se imenso, fez imensas perguntas sobre os pratos, eu fui simpaticamente respondendo a todas as questões. Finalmente, acabou por decidir-se pelo bife da vazia, o prato mais caro da lista, 120 escudos (sim, sim, 60 cêntimos em moeda actual) e pela salada coleslaw. E lançou a pergunta da minha desgraça: «Então e para beber?»

— Bom, temos Pepsi, cerveja, sumo de laranja, água... — respondi eu.

— E vinho não?

Eu já estava naquela mesa havia imenso tempo, coisa que não contava, porque era relativamente cedo e havia muito pouco movimento. E tinha achado o senhor tão simpático que fui muito franca. Todos os vinhos eram das Caves Aliança e eu, que já achava que percebia umas coisas, não gostava de nenhum.

—  Temos. Mas (baixando a voz) não recomendo nada, é uma porcaria.

O senhor pestanejou. Depois disse que arriscava — eu, sempre irreverente, ainda bichanei um «depois não diga que não avisei», acho que foram parvoíces destas que me fizeram tão popular com os clientes, até postais do estrangeiro de turistas de passagem cheguei a receber, palavra. O senhor não foi para o vinho da casa, pediu a reserva.

O resto do almoço correu normalmente, mais gente chegada entretanto, eu já com muito trabalho e a correr de mesa em mesa. E se eu corria, senhores! Ainda tenho uma caricatura deliciosa que o Carlos fez da minha pessoa, cabelos ao vento, vários pratos na mão, batatas fritas a voarem, as minhas sabrinas azuis-escuras da Sapataria Lisbonense, e uma lagarta (obviamente caída de uma salada) a rastejar atrás de mim e a protestar «espera por mim, porra!»

O senhor tinha acabado de almoçar. Era capaz de jurar que, além do café, comeu uma tarte de maçã e bebeu um whisky de malte. Chamou-me discretamente a pedir a conta, que lhe levei.

— Estava tudo óptimo, adorei, e a menina é um amor. Só não gostei de uma coisa.

Um sobressalto. Eu tinha amor à camisola (t-shirt, que pena não ter guardado nenhuma!), fiquei muito atenta.

— Não gostei daquilo que disse sobre o vinho. Sabe... eu sou o dono das Caves Aliança.

Devo ter desejado que o chão nos engolisse, a mim e à minha língua de trapos, naquele preciso instante. O senhor largou a rir. Abriu a carteira e, além do preço do almoço (que hoje é difícil calcular, mas julgo que não terá ido além dos 250 escudos), acrescentou uma bela nota azulada com a efígie de D. Maria II, uma nota de mil escudos. A minha gorjeta, pelo menos quatro vezes o valor do almoço.

As gorjetas eram democraticamente divididas por todos, os meus colegas por pouco não me transportaram em ombros, não havia memória de uma coisa assim. O senhor voltou muitas vezes ao Disaster e fazia sempre questão de ser atendido por mim, mesmo que não ficasse numa das minhas mesas.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Trinta anos

Trinta anos certos são os que nos separam hoje, à Luísa e a mim, desta imagem. Foi justamente a 18 de Outubro de 1981, eu com vinte e um anos, ela com vinte. Nas voltas da vida, esta fotografia e outras viriam a ser-me discretamente surripiadas de um álbum, a Luísa trouxe-ma de volta há dois meses, no dia dos meus anos.

Trabalhávamos então no Great American Disaster do Marquês de Pombal, que inaugurámos e que nos deixou histórias hilariantes para o resto da vida. Era um trabalho em part-time (para nós duas, no mesmo turno, e amigas para sempre, terças, quintas, sábados e domingos ao almoço, do meio-dia às quatro), só admitiam estudantes universitários e eram esquisitíssimos na selecção — era bem trabalhar no Disaster, de filhos de embaixadores a filhos de ministros havia de tudo. Em Outubro um amigo do Vasco, que era um dos donos, ia abrir o Biergarten em Cascais e pediu-lhe pessoal para a inauguração. Já não me lembro de quem fez a selecção, se ele ou o Vasco, só sei que eu e a Luísa fomos convidadas e depois destacadas para ficar à entrada, a receber os convidados, naquelas fatiotas ridículas, uma espécie de dirndls pindéricos.

O trabalho de duas noites foi regiamente pago, andou perto do valor de um mês de ordenado no Disaster. Como ocupou as noites de sábado e domingo, o M. ficou muito melindrado. Na primeira noite, quando me foi buscar, já madrugada e com trombas de palmo e meio, entregou-me uma carta. Sim, nessa época os namorados escreviam-nos cartas, e ele escrevia especialmente bem. Nunca esqueci uma frase dessa carta daquele 18 de Outubro: "Não há dinheiro no mundo que possa pagar o tempo que devia ser nosso."

Como se pode ser tonto quando se é muito novo! Foi justamente esse dinheiro que tanto o irritava que nos custeou uma semana de férias no Baleal. O M., cabecinha brilhante, tinha-se formado em Junho. Já trabalhava na empresa havia um ano, assim que se formou foi logo promovido a director financeiro (era uma grande multinacional do ramo automóvel). Mas como tinha comprado um carro e tinha prestações muito altas para despachar aquilo mais depressa, a liquidez era pouca. Posso dizer que a partir de meio do mês saídas (o nosso adorado Stone's) e cigarros eram pagos pela minhas gorjetas no Disaster. E eu era positivamente a campeã das gorjetas. É provavelmente por isso que ainda hoje faço questão de deixar uma gorjeta simpática nos restaurantes, nunca abaixo de dez por cento — nos Estados Unidos é que dói mesmo na pele, aí já acho um exagero. Mas tenho histórias delirantes de gorjetas, à cabeça a do dono das Caves Aliança (a Luísa deve lembrar-se) e a de um certo casal americano.

E agora desceu sobre mim uma saudade. Lembrei-me do Jorge, do querido Jorge. Foi ele que me telefonou um dia a dizer que o Great American Disaster precisava de empregados, estaria eu interessada? Eu jantava lá com muitas vezes, à época era sítio na moda, achei a ideia divertida. Anos mais tarde, seria também o Jorge a telefonar-me a dizer que o Rui precisava de uma secretária, e que achava que eu era a pessoa certa. E assim, estranhamente, o Jorge ficou para sempre ligado a coisas que tão importantes viriam a ser na minha vida por tudo o que me trouxeram, pessoas, vivências, aprendizagem.

domingo, 7 de dezembro de 2008

50 are the new 40!

O meu amigo Carlos fez hoje 50 anos. É um marco.

Graças à eficiência organizativa da Cristina, tudo correu sobre rodas no almoço surpresa que se prolongou até às cinco da tarde. Eu tive uma premonição: ele ia reconhecer carros no parque de estacionamento. Toda a gente disse que não, disparate, ele não estava à espera daquilo!

Pouco importa. O Carlos reconheceu alguns carros, sim, lá se foi o factor surpresa. À sua espera tinha 35 adultos mais número não especificado de crianças.

Carlos, meu querido Carlos: se nunca to disse de viva voz, tenho a certeza de que sabes que és e foste sempre uma pessoa importante na minha vida. Por isso gostei tanto de estar presente na festa dos teus 50 anos, justa homenagem de amigos que, como eu, acham que fazes a diferença. Tu e eu nem sempre estamos de acordo, já se sabe, mas respeitamo-nos. E gostamos genuinamente um do outro, come what may. Acredita que me tocou fundo o que me disseste a caminho dos carros, que eu era pessoa que fazia todo o sentido ali, naquele dia, das que faziam mais sentido. Eu também acho que sim.

É por isso que escolhi esta música (para mim a mais obcecante) dos meus idolatrados Moody Blues, que ainda nunca tinham tocado aqui, por uma espécie de pudor: Never Comes The Day. Ainda tenho o original em vinil que me ofereceste naquele Verão de 82, no Algarve, é coisa preciosa.

A grande equipa do Great American Disaster. O João, a Xana, a Paula (esplendorosamente grávida), tu, a João (a minha Joãozinha), eu, o Luís, a Cristina, o Tó, a Lurdes. Niguém diria que passaram todos estes anos...