quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Deixar de fumar sem engordar

É possível, sim senhor. Faz hoje dois meses que larguei os cigarros, e continuo com os mesmos 49 quilos que tinha no dia 12 de Outubro, o dia que estabeleci como meta para deixar de fumar. Vai daqui um grande, um enorme beijinho para a minha querida Dr.ª Dina Matias, eminente pneumologista do IPO, senhora de uma cútis aveludada que me mata de inveja (nunca fumou, pois é) e que me tem acompanhado e amparado nesta guerra ao cigarro. Ontem tive mais uma consulta com ela, que não é consulta, que é uma amena cavaqueira. Se aquela hora de conversa entre nós duas me faz tanto bem — além de sentir que, por enquanto, me é muito necessária —, acredito que para ela seja um pouco um interlúdio apaziguante entre os casos clínicos medonhos que diariamente tem em mãos. Ontem falámos disso, perguntei-lhe, ela confirmou-me que sim, que o cancro do pulmão é dos piores, dos mais agressivos, quando é detectado quase sempre já fez em surdina a sua obra de devastação, as metástases pavorosas costumam seguir-se a curto prazo e o desfecho é o que sabemos. No fim da consulta, e porque falamos de tudo e de mais um par de botas, já nas despedidas, e referindo a negra inveja que me consome por dentro quando lhe vejo a pele puríssima, acetinada e translúcida, disse a rir: «Vá, confesse, não está nem com um pingo de maquilhagem, pois não?» Ela, contrita, disse que não. Nem um primer, nem uma base, nada, minhas boas amigas! Só aquela pele gloriosa que Deus e os bons genes lhe deram, e que a nós custa fortunas de tentativa e erro para tentar alcançar.

Já vamos à questão do peso, descansem, sejam indulgentes, bem sabem que tenho sempre de contar muitas coisas a propósito da única fulcral. Antes disso quero contar a minha primeira consulta, como foi que lá cheguei e o resto — acredito que a história possa ser útil a quem se propuser deixar de fumar. A coisa começa pelo simples e comezinho facto de aos doentes oncológicos (coisa que ainda sou, o SOB leva tempo a desistir de nós, insiste, persiste, prega-nos sustos de morte, e esta é coisa com que terei de lidar o resto da minha vida) haver uma infinidade de coisas proibidas. Nem todas claras, nem todas evidentes. Como tal, convém sempre perguntar ao nosso médico. Foi o que fiz com a minha médica actual, a cirurgiã que me operou, que comecei por detestar e que hoje adoro (mas não tanto como a minha adorada Maria Fortunato, a minha médica de Radioterapia, essa terá sempre um nicho único de gratidão em mim, devo-lhe a vida). Disse-lhe que queria deixar de fumar, que me sabia fraca, se haveria contra-indicações em usar qualquer coisa que me facilitasse largar o cigarro, como adesivos, por exemplo. Agora que já gosto tanto dela (antes nunca lhe diria o nome, afinal podia ser uma mera embirração minha), posso dizer que a Dr.ª Mara Rocha preferiu marcar-me uma consulta de Pneumologia, lá nos entenderíamos. E foi assim que fui parar às mãos da Dr.ª Dina Matias.

A primeira consulta deve ter demorado umas boas duas horas, esmiuçámos os meus hábitos de fumadora, as motivações para deixar de fumar. O vício em mim é coisa enraizada, antiga de muitos e muitos anos de muitos e muitos cigarros. Fumar faz mal a tudo e mais alguma coisa, o grande problema é o tão bem que sabe. Porque sabe bem, pronto, e os fundamentalistas bem escusam de torcer o nariz e fazer cara de Savonarola. Havia até, há muitos anos, uma piada parva (mas com o seu quê de eloquente) que enumerava os três maiores prazeres da vida: um whisky antes e um cigarro depois. Inconvenientes de deixar de fumar? Um único, aos meus olhos, o medo de engordar. Tão peremptória fui que, aqui para nós, desconfio que a Dr.ª Dina pode ter suspeitado de uma qualquer desordem alimentar minha, porque me perguntou se eu fumava para não engordar. Qual quê! Eu fumava porque gostava, porque me sabia bem, porque me ajudava a pensar, nunca preocupações de peso entraram na equação. E confessei que antes de ir para ali, para aquela consulta para largar o maldito vício, a última coisa que tinha feito tinha sido comprar cigarros. E só a seguir me apercebi da irónica incongruência do gesto, um voluptuoso cigarro já aceso nos meus dedos.

E aí atacámos a fase prática: estabelecer uma data para deixar de fumar. Julgo que aquela consulta foi numa quarta-feira, a Dr.ª Dina sugeriu-me um dia de fim-de-semana. Fiz rapidamente contas e sorri, vocês bem sabem do meu fraco por datas, e das centenas que tenho armazenadas de cor na cabeça. O sábado seguinte era dia 12 de Outubro, o Columbus Day (e também a data da morte do meu querido John Denver). Servia na perfeição! A rir, comuniquei à Dr.ª Dina que sim, que sábado seria um bom dia. E ela lembrou uma coisa deliciosamente irónica: não tinha sido justamente Cristóvão Colombo que tinha trazido o tabaco para a Europa? Alinhamento de planetas, meus amigos, fosse eu pessoa de acreditar nessas tretas. Nem tal coisa me tinha ocorrido, mas a coincidência era providencial.

E pronto. Passaram dois meses. Os outros benefícios ficam para depois, por enquanto mantenho-me arredada de cigarros, quero continuar arredada de cigarros. E sem chatear ninguém. Almocei hoje com grandes amigas, os cigarros que uma delas fumou nada me incomodaram e, melhor ainda, não me tentaram insuportavelmente (o perfume sedutor do fumozinho que de vez em quando me chegava às narinas até me dava um prazer nostálgico, confesso). Sei que continuo a precisar de ajuda, isto é muitas vezes muito difícil. Mas está, a cada novo dia que passa, a ficar um pouco mais fácil. Baby steps.

E o peso? Foi aí que entraram as caminhadas, porque eu sabia que não bastaria não passar a comer mais como vingança da privação de nicotina. Mesmo mantendo um controlo apertado sobre o que ingeria (e eu gosto mesmo tanto de comer!), a tendência inelutável seria ganhar peso, porque um metabolismo privado dos cigarros de toda a vida passa a ser um metabolismo mais lento, à laia de retaliação, o estuporzinho. O único recurso era contra-atacar, neutralizar as pelo menos 200 calorias adicionais diárias que se me instalariam nas ancas, nas pernas e no rabo se eu não os pusesse a mexer aos três. E, de caminho, enquanto me despedia de um hábito nocivo, ia adquirindo um outro muito saudável. Uma win-win situation.

Agora que isto são águas passadas, e graças a uma parvoeira chamada Year in Review sugerida pelo Facebook, que era passar o nosso ano em revista, encontrei, datadas de 17 de Maio, estas palavras minhas:

«Hoje, pela primeira vez num ano inteiro, a balança registou 46 quilos e qualquer coisa. O Ricardo tem sempre a mania (ou não fosse médico) de me perguntar "quanto é que estás a pesar?" Arredondei bastante algumas vezes, nunca lhe contei que cheguei a andar nos 41 e qualquer coisa quilos, porque ele ia instalar-me um chef francês a cozinhar-me coisas apetitosas em casa (assim é o Ricardo). Mas pronto, não tarda nada estou outra vez uma texuga.»

O meu peso ideal sempre andou nos 48/49 quilos. Aí continuo, mesmo privada de cigarros. Claro que já visto bem as calças 34 que durante tanto tempo me nadaram aflitivamente no corpo doentiamente magro. Acreditem, minhas amigas que fazem dietas malucas, não queiram pesar tão pouco por tão graves razões. Aos poucos, devagarinho, o meu corpo foi recuperando, hoje já lhe vigio novamente o peso, que estacionou nos valores certos. 

Uma última informação, porque as centenas de mensagens que recebi quando aqui contei do SOB me acalentaram na certeza de que aí fora, algures, havia pessoas (tantas desconhecidas!) para quem a vida ou a morte da Teresa do A Gota de Ran Tan Plan contava alguma coisa: tive hoje a consulta periódica para saber se continuo bem. E sim, meus queridos amigos, continuo bem, examinada que fui até à medula. A próxima consulta será em Abril. O medo é outra coisa, o medo de que o SOB volte fica connosco para o resto da vida. Mas entretanto há vida, e abençoada seja!

Joan Baez - Gracias a la Vida

3 comentários:

  1. É mesmo verdade que se ganha uma outra forma de olhar, uma outra compreensão de tudo, uma profunda sabedoria das prioridades, não é Teresa? Gracias a la vida.

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  2. Graças, devemos dar graças à vida e valorizar o que temos de melhor, ou seja, a saúde. Parabéns pela determinação em não fumar mais e pelos bons resultados.

    Bom fim de semana

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  3. Teresa,

    Eu, embora grande parte do tempo em silêncio, sou, por várias razões, uma dessas pessoas para quem a sua vida contava e conta alguma coisa. Por isso fico muito contente que esteja bem. Sabe que, quando passamos por isto de perto, a solidariedade para com os outros que passam pelo menos é maior.

    Um beijinho grande de outra Teresa

    P.S.: o que é SOB?

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