sábado, 31 de março de 2012

Of days gone by in Yellowstone

Em tempos contei aqui a minha paixão por ursos, vinda da infância, o sonho de ir a Yellowstone e os meus encontros com ursos no parque, em Junho de 2008. Comentei também aqui o que, ao longo de anos, a estupidez humana tem vindo a fazer e continua a fazer a Yellowstone e à natureza em geral.

Esta imagem, algures do fim dos anos 50 ou do princípio dos 60, é eloquente. Os turistas acampados no parque desfazem-se do lixo, os ursos acorrem em busca de restos. A distância que os separa dos humanos não deve ser de mais de cinco metros, que eles podem transpor alegremente em dois saltos. A estupidez, a inconsciência! Hoje não há contentor de lixo no parque que não seja uma autêntica fortaleza de ferro, impossível de abrir para aquelas patorras.

Nunca mais poderemos ver imagens hilariantes como as de baixo, quando ursos pedinchões abordavam os carros nas entradas do parque e na estrada, à cata de petiscos. Os avisos para não dar comida aos animais são claros e estão por toda a parte. Num miradouro do Rocky Mountain National Park ainda tive uma discussão com o Vítor por causa de um idiota de um americano que estava a alimentar um esquilo com... batatas fritas. Fiquei indignada, queria intervir, o Vítor discordava, ainda acabava por ser insultada ou, no mínimo, por ouvir um «mind your own business», ou um «shut the fuck up and go back to your country» — o aspecto de labrego e as muitas tatuagens tornavam respostas como essas altamente prováveis. E eu, muito irritada, a ripostar que quem estava a defender o país dele era eu, e que era uma pena que ele e outros como ele não soubessem olhar por aquilo que a natureza lhes tinha dado tão generosamente. Quando o Vítor se deu por convencido já o idiota estava a caminho do carro, e a minha intervenção perdeu-se.

 (Arquivo histórico da revista Life)



E esta, a minha favorita. Estava pendurada na parede do café de Cooke Citty, Montana (que fica muito perto de uma das entradas do parque, que ocupa três estados), onde tirámos esta fotografia. Uma relíquia de outros tempos.

Por último, uma magnífica fotografia de Steve Hinch (que passa mais de nove meses por ano a fotografar o parque e a sua vida selvagem), já deste Inverno, Yellowstone devolvido à sua pureza original.



sexta-feira, 30 de março de 2012

Quem serão estas bestas?

O canal História alastra-se menos do que o Biography, mas também tem os seus brilhos. Esta noite, num documentário sobre Nova Iorque, ouvi por três vezes a palavra "pedestral" relativamente à Estátua da Liberdade. "Pedestral", com r, sim. À primeira achei que não tinha ouvido bem, à segunda confirmei, à terceira atirei as mãos à cabeça.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Um exemplo


Como traduziriam o título deste livro de David Littlejohn sobre ópera que me é muito querido? A Derradeira Arte? Disparate, não faz qualquer sentido! Claro que só pode ser A Arte Suprema.

A título de curiosidade, posso dizer que o livro me custou na Buchholz, no princípio de 1995, a infâmia de 8600$00 (coisa de 43 euros), o preço ainda está marcado a lápis na primeira página. Agora encontra-se disponível online, é só ir aqui. E se vale a pena! 

A banda sonora, La Cì Darem la Mano (Eberhard Wächter e Graziella Sciutti, na gravação de Giulini, que continua, tantos anos depois, sem rival), foi escolhida justamente para vos mostrar uma passagem do capítulo Don Giovanni: The Impossible Opera. Sobre este irresistível dueto, um pequeno tratado sobre a arte da sedução, escreve David Littlejohn:

«The lovely A-major duettino in which Don Giovanni wins Zerlina is a little drama all by itself. It starts with the achingly sweet intervals of his first appeal, which are answered about an octave higher in a charming expression of Zerlina's internal confusion ("Vorrei, e non vorrei" — "I want it, and I don't want it"). After a coy transition, and some twists on the fiddles, come faster and faster exchanges as the two grow closer and more heated. Her notes descend; the woodwinds press as she weakens ("Non son più forte!") until finally, after a last pause of dying conscience, she is pulled into breathless 6/8 harmony and cries along with him, "Andiam!"—"Let's go!"

The intercutting and blending of the musical lines, the very repeats and progresses duplicate the irresistible — and clearly sexual — movement from his to hers to theirs. Much as I abhor heartless seducers, and suffer for poor Masetto, so emotionally persuasive is this duet that I find myself wanting the seduction to succeed, and I feel as frustrated as Don Giovanni must feel when the ubiquitous Elvira interrupts his tender designs

Questões de tradução

Uma coisa que muito me irrita é encontrar invariavelmente em filmes e livros o adjectivo ultimate traduzido para derradeiro. Em muitos livros que revi acontecia a mesma coisa, encontrava a palavra, ia confrontar com o original inglês e via-me obrigada a alterar. É uma acepção possível, sim, mas acontece que na maior parte dos casos não é a correcta. Na maior parte dos casos, diria eu, a tradução mais correcta será supremo. Por isso fiquei há dias franca e agradavelmente surpreendida quando — aleluia! — encontrei num filme do canal Hollywood um altimate traduzido para supremo.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Comentários em blogues

Não comento blogues cuja caixa não nos notifique dos comentários posteriores.
Ainda há pouco ia deixar um comentário num blogue quando vi que tal não era possível. Fechei a janela. Paciência.

Ele há doidos para tudo

Ou, como diria o Manelinho, há de tudo neste supermercado de Deus.

Estava eu ontem à noite muito sossegada a ler e a espreitar ocasionalmente o programa So You Think You Can Dance, quando de repente arrebitei a orelha e fiquei de olhos pregados na televisão. Uma das candidatas (aquilo estava apenas em fase de pré-selecção), uma criatura bizarra do Utah, afirmava-se filha de um dos Beatles. De Ringo Starr, mais concretamente. 

Até aqui nada haveria de extraordinário, o que é de estranhar até é que não tenham surgido por aí muitos aspirantes a filhos ilegítimos de qualquer um dos Beatles, coisa para valer milhões. Mas não, esta pequena é filha do verdadeiro Ringo, o outro, o que anda por aí a enganar-nos a todos e usa o nome, é um impostor e chama-se Richard Starkey. Usa o nome de Ringo Starr graças a um contrato que assinou com o verdadeiro, o pai da nossa Britatany, e que lhe permite a sua utilização. Depois do assassínio de John Lennon, o senhor Starr (o legítimo, recorde-se) desapareceu do mundo e refugiou-se no Utah, onde vive até hoje.

Vejam e divirtam-se.


quinta-feira, 22 de março de 2012

Nada como uma boa gargalhada

E dei mesmo uma grande gargalhada quando vi o nome deste novo verniz da Catrice. Convém lembrar também a correcta pronúncia de salmon, que não é nada daquilo que quase todos os portugueses costumam dizer. É qualquer coisa como sémon (sou péssima a tentar reproduzir pronúncias por escrito).

Roubado à Beatlemarta, cujas maiores paixões na vida são os Beatles e os vernizes de unhas, dos quais tem centenas.


sábado, 17 de março de 2012

Mágicas noites de Teatro: The Breath of Life

O que acontece quando uma mulher decide confrontar aquela que foi, durante muitos anos, a amante do marido? O que acontece quando a mulher traída é Dame Judi Dench e a amante é Dame Maggie Smith e tudo isto se passa no palco de um teatro? Magia pura.

O encantamento começou logo que entrámos na sala do belíssimo Haymarket Theatre, um dos mais antigos de Londres. A cortina subida deixava-nos ver o cenário e a minha reacção foi igual à de toda a gente que avançava pela coxia: um grande "oh!!" deslumbrado. Que me lembre, só tive  tal reacção a um cenário duas outras vezes. A Street Car Named Desire no National Theatre (Londres, com Glenn Close como Blanche Dubois e um Woody Harrelson a aplaudir furiosamente de pé umas filas atrás), e Dinner at Eight, no Lincoln Center, em Nova Iorque. Não eram cenários, eram interiores que só por si contavam histórias.

Escrita pelo grande David Hare (autor, entre muitas outras coisas, do guião de The Hours), a peça agarra-nos desde o primeiro segundo. Apenas duas actrizes, mas quem precisa de mais quando as actrizes se chamam Judi Dench e Maggie Smith?

O encontro-confronto das duas mulheres não começa da melhor maneira, como seria de esperar. Madeleine, a amante durante 19 anos, conservadora de museu reformada e mulher com o seu quê de excêntrico, vive agora na ilha de Wight. Frances, a mulher, a legítima, fingiu ignorar a traição durante grande parte da sua duração. Tinha sabido quase desde o princípio e tinha-se calado. Aquilo que nunca tinha dito ao marido, que entretanto a abandonara para ir viver com uma pateta com metade da sua idade, vem agora dizê-lo à antiga rival. Um confronto de titãs e muitas mágoas dos dois lados.

Posso garantir-vos que poderíamos ouvir cair um alfinete, tamanha a magia do que acontecia no palco. Podíamos ouvir como as pessoas não respiravam, suspensas, chegadas à frente nas cadeiras. E assistimos fascinados à conversa destas duas mulheres no ocaso da vida, uma conversa que traz memórias antigas, que esclarece dúvidas, que revela outras infidelidades das quais nenhuma sabia («não, isso não foi comigo»). As horas correm, o último barco que sai da ilha ja partiu, Frances fica para jantar e para dormir, e a conversa continua. Noutras circunstâncias, poderiam ter sido grandes amigas. Ficamos todos a fazer votos por essa amizade quando finalmente se separam, ambas apaziguadas, e Frances, no dia seguinte, muitas horas de muita conversa depois, apanha o barco que a leva da ilha. O traste passou a ser assunto devidamente arrumado para as duas. E mesmo no ocaso da vida, há vida para diante.


Apontamento cómico: Um mês depois o Vítor voltou a Londres e tinha novamente bilhetes para a peça (compra sempre dois, mesmo que vá sozinho). Eram disputadíssimos, the hot ticket in town, lembro-me de o meu amigo Pedro, irmão da actriz Margarida Marinho (uma grande actriz, na minha opinião)  me ter contado que ela tinha ficado inconsolável por não ter conseguido ver a peça. O Vítor chega ao Haymarket Theatre e há à porta uma data de gente suplicante a pedir um bilhete. Ele ia sozinho, puxou do bilhete extra. Antes que pudesse abrir a boca, um senhor ofereceu-lhe 300 libras por ele. Ia recusar, não? E o senhor, na certa, nem pôde acreditar na sua sorte quando viu que o lugar era na terceira fila ao centro.


sexta-feira, 16 de março de 2012

Crazy little thing called love

Há tempos escrevi aqui sobre o homem ideal, e quão disparatados achava todos os requisitos tolos que lia por aí. Hoje dei comigo a rir, porque me lembrei de uma coisa sem qualquer importância que diz muito, que diz mundos. Sabem da minha paixão por vozes. Talvez também já saibam que na minha vida tive dois grandes amores e meio. O que não sabem é que nenhum dos três tinha (tem, que estão todos vivos, graças a Deus!) vozes especialmente bonitas. E então? Foram grandes amores, e eu não mudaria nem um milímetro nas pessoas deles. Com voz ou sem voz.

Elas

Há grandes actrizes nas novas gerações. Mas ainda lhes falta qualquer coisa. Tempo, experiência, vivências, não sei. O que sei é que estas são para mim as maiores entre as maiores. Talvez tenha deixado alguns nomes de fora, mas estas são mesmo as minhas escolhas.


Meryl Steep, a grande, a única. Descobri-a era ainda adolescente, em Holocausto, nunca mais a perdi de vista. A escolha da fotografia, tão antiga, foi deliberada: é desse tempo. Meryl é também, com enorme mágoa minha, a única das minhas eleitas que nunca vi no teatro.



Dame Vanessa Redgrave. Os mais furiosos amantes de teatro consideram-na a maior actriz viva. Vi-a no National Theatre naquela coisa desgarradora que foi The Year of Magical Thinking e tenho por ela um afecto muito especial, até por causa dos escassos minutos em que mais tarde, no restaurante, estivemos à conversa (contei aqui).


Patti LuPone, a grande dama da Broadway. Vi-a duas vezes, a primeira em Noises Off, a segunda em Gypsy, que lhe daria o seu quarto Tony. Foi a primeira Fantine, primeiro em Londres, depois na Broadway (e segundo Tony), e nunca ninguém conseguirá cantar I Dreamed a Dream como ela (estragou-me a música em palco, nunca consigo chorar, fica sempre aquém). Há dias arregalei os olhos quando lhe vi uma fugaz aparição em Glee, num episódio passado em Nova Iorque. Miss LuPone estava a jantar no Sardi's. Apropriado.

Glenn Close. Provavelmente a actriz mais injustiçada da história do cinema. Fiquei boquiaberta quando, há coisa de um ano, li que lhe tinha sido atribuída uma estrela no passeio da fama de Hollywood. E todas as outras flausinas sem qualquer mérito que a tiveram antes dela? O Oscar este ano fugiu-lhe mais uma vez, mas a rival era de peso. Perder para Meryl Streep é digno. Perder para Cher, como já aconteceu, é uma anedota de mau gosto. Vi-a no National Theatre como Blanche Dubois em A Street Car Named Desire. Nunca esquecerei essa noite.


Dame Maggie Smith. Adoro-a. Não é só a actriz genial, é a mulher irreverente e de sentido de humor perverso. Merecia mais Oscars do que os dois que tem. Vi-a em Londres em The Breath of Life. Muito possivelmente a experiência teatral mais electrizante de toda a minha vida. Hei-de contar.

Dame Judi Dench. Faz muito mais teatro do que cinema, para grande prejuízo dos comuns mortais como nós que não podem vê-la em cena. Vi-a uma vez, uma única, e foi suficiente para lhe perceber a genialidade. Foi em The Breath of Life (pronto, tenho mesmo de contar).

Dame Helen Mirren. Uma carreira no cinema que cresceu aos poucos, porque para ela o grande amor também é o teatro. Vi-a em Nova Iorque há mais de dez anos, em The Dance of Death, de Strindberg, numa parceria formidável com Sir Ian McKellen. Inesquecíveis.

quinta-feira, 15 de março de 2012

A voz e as palavras


Há uns meses, a querida Conceição enviou-me este vídeo. Com um poema de Wordsworth que eu conhecia muito bem havia muitos anos, porque tive uma extraordinária professora de inglês chamada Dr.ª Maria Teresa Monteiro. A diferença, toda a diferença, era a voz de Jeremy Irons.


Daffodils
(William Wordsworth)

I wandered lonely as a cloud
That floats on high o'er vales and hills,
When all at once I saw a crowd,
A host, of golden daffodils;
Beside the lake, beneath the trees,
Fluttering and dancing in the breeze.

Continuous as the stars that shine
And twinkle on the milky way,
They stretched in never-ending line
Along the margin of a bay:
Ten thousand saw I at a glance,
Tossing their heads in sprightly dance.

The waves beside them danced; but they
Out-did the sparkling waves in glee:
A poet could not but be gay,
In such a jocund company:
I gazed--and gazed--but little thought
What wealth the show to me had brought:

For oft, when on my couch I lie
In vacant or in pensive mood,
They flash upon that inward eye
Which is the bliss of solitude;
And then my heart with pleasure fills,
And dances with the daffodils.

Paixões

E depois há estes, os actores que venero, que a cada novo trabalho me deixam quase sempre deslumbrada. Notarão que são também quase todos senhores de vozes extraordinárias, e as vozes são mesmo a minha perdição.

Jeremy Irons. A voz mais arrebatadora do mundo. «Here, at the age of thirty-nine, I began to be old...»



Al Pacino. Apaixonei-me por ele aos 14 anos e apaixonada continuo até hoje.

Sir Anthony Hopkins. Foi o meu primeiro amor, apaixonei-me por ele e pelo seu Pierre de Guerra e Paz aos 12 anos. Podia ler-me a lista telefónica.

Morgan Freeman. Que grande actor, que voz linda!

Christopher Plummer. Especializou-se em papéis secundários, e que relevo lhes dá! Ainda no fim-de-semana o vi como tio Ralph numa óptima versão de Nicholas Nickleby. Magnífico!

Kevin Kline. Descobri-o em A Escolha de Sofia e o amor dura até hoje. O que eu adorava poder vê-lo no teatro!

Edward Norton. É a paixão mais recente, diria que tem uns dez anos.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Rescaldo da ModaLisboa

Depois de uma interminável sucessão de fotografias de zombies e outras aberrações que por lá se passearam (exemplos aqui), é refrescante ver finalmente uma mulher bonita, bem vestida e com bom ar como a Raquel. Aqui fotografada pelo Diário de Lisboa.


Tiro no pé

Um blogue passa a livro. Até aqui nada de novo, muitos tem havido, outros estarão certamente na forja. Ainda há pouco foi transformado em livro o blogue de uma operadora de caixa de supermercado a contar as suas apaixonantes experiências. Dei uma espreitadela ao blogue e fiquei a rezar para que alguém na editora lhe fizesse uma revisão severa, que quem paga por um livro merece ler coisa escorreita. 

Mas vamos ao que interessa: o novo livro retirado de um blogue. Sendo o autor jornalista e movendo-se com alguma facilidade no meio, nada me espanta que tenha surgido uma entrevista no Correio da Manhã a promovê-lo e a promover o livro. Uma extensa entrevista. Extensíssima, melhor dizendo, coisa de 4600 palavras, mais de 21 mil caracteres, o equivalente a quase 12 páginas A4. A manobra publicitária revelou-se, na minha opinião, um autêntico tiro no próprio pé.

Nenhum jornalista sério lerá aquela entrevista sem rir agarrado à barriga. Ninguém com uma escolaridade mediana lerá aquela entrevista sem reparar na inacreditável profusão de asneiras de português, de gralhas, de erros de construção, de faltas de concordância de género e número. Ainda nem ia a dois quintos da leitura (que, reconheço, foi um esforço de vontade) e já estava a pensar com os meus botões que poucas vezes tinha visto coisa tão mal escrita. A própria estrutura da entrevista, assinada por uma senhora de nome Isabel Faria, é tão deficiente, com perguntas repetidas, que me fez lembrar uma graçola corrente quando eu era miúda para designar os condutores especialmente nabos: tinha-lhes saído a carta na Farinha Amparo (farinha para papas que costumava trazer brindes, mais vale explicar, que isto são memórias do passado). Pois eu suspeito que também à Sr.ª D. Isabel Faria a carteira de jornalista tenha saído na Farinha Amparo.

A Sr.* D. Isabel Faria até este medonho erro de português consegue fazer. Um "concentra-se" por "concentrasse". O jornal não tem revisores? Se tem, deviam avançar para o desemprego e dar o lugar a outros mais competentes que estejam sem trabalho. Tal como devem estar neste momento sem trabalho muitos jornalistas sérios que sabem alinhavar frases com princípio, meio e fim, e sem erros, enquanto uma jornalista (notem o itálico) como a Sr.ª D. Isabel Faria tem direito a um texto com este destaque.

«Mundo muito mal feito, Sr. Afonso da Maia!»

terça-feira, 13 de março de 2012

Embirrações

Só há dias, com mais de trinta anos de atraso, vi finalmente The Shining. Mesmo sendo um filme de Stanley Kubrick, eu bem sabia que lá no fundo havia boas razões para me ter mantido tantos anos longe dele. Odiei. ODIEI. Para mim vale apenas pela cena de abertura, com a paisagem das Montanhas Rochosas.

A explicação? Em primeiro lugar, porque detesto tudo que tenha que ver com o paranormal. É coisa de que fujo. Não tenho paciência, é só ver como mudo a toda a pressa de canal se tropeço na televisão em qualquer programa remotamente ligado ao assunto — e neste momento há vários. Pois se eu nem sequer tenho paciência para pessoas que insistem em contar-me o que sonharam, como se isso fosse muito relevante ou me interessasse!

Em segundo lugar, porque Jack Nicholson é o protagonista, e eu embirro com Jack Nichoslson. Como disse aqui não há muito tempo, acho que faz sempre de Jack Nicholson. Deve ser o actor mais sobrevalorizado de sempre.

Mas há outros actores com quem embirro, e muito. Basta ver-lhes a cara para começar a ranger os dentes.


Tom Cruise. Não o suporto, nunca o suportei. A balela da cientologia ainda mo faz mais antipático. E depois dos pulos de mentecapto no sofá de Oprah a coisa ainda ficou pior.

Jim Carrey. Toda a vida odiei humor de caretas.

Embirro, embirro e embirro. Alguém se lembra de um filme bom com ele? Eu não.


Owen Wilson. Ar de surfista californiano passado de prazo. Não percebo que graça possam achar-lhe.


Ryan Gosling. Ar de labrego, ar de mal lavado. Ar daquilo a que os americanos chamam white trash


Nicolas Cage. Nem sei justificar bem a embirração. Não sei se é a cara, os olhos de carneiro mal morto, a voz. Mas como embirro com ele!

segunda-feira, 12 de março de 2012

Nicks

Ora aqui está uma coisa em que homens e mulheres são realmente diferentes na blogosfera: o nickname que adoptam para os seus blogues.

Eles ou assinam com o nome verdadeiro ou criam nomes que até podem fazer-nos rir, como Tolan Baranduna ou Jibóia Cega (saudadedes do querido Ervi Mendel), mas que são, na esmagadora maioria dos casos, nomes que não envergonham ninguém.

Já com elas a coisa é mais complicada e há de tudo. Há um primeiro grupo que se subdivide em dois, o grupo das que têm dois dedos de testa. Os nomes são simples, uma única palavra, às vezes até o nome próprio da autora, ou assinam com o nome do blogue, e há as que adoptaram nomes de personagens literárias, como Julie d'Aiglemont ou Kitty Fane. E depois há o grupo das diminuídas mentais. Que diabo passa pela cabeça de algumas criaturas para escolherem nomes pseudopoéticos como Bela Sonhadora, Princesa das Estrelas, Coração Solitário, Alma Angustiada ou À Espera da Felicidade? E olhem que estes nomes não foram todos inventados, já encontrei parte deles por aí em comentários noutros blogues.

Por último, temos a categoria à parte que mais me faz rir: a que tem erros ortográficos no nome. Essa desafia adjectivações. À cabeça lembro-me de uma Brilhosinhos e de uma Turbolenta. É impossível bater isto.

domingo, 11 de março de 2012

I left my heart in... (#3) Beartooth Highway

A Beartooth Highway é muitas vezes referida nos livros de viagens como a mais bela estrada da América. Sabemos como são estas designações, e eu não seria capaz de escolher entre ela e a Going-to-the-Sun-Road. Mas uma estrada chamada dente de urso — o nome é claramente indígena — já tem, à partida, muito para me cativar.

Um dos problemas destas viagens é tudo aquilo que não depende de nós e não pode ser planeado com certezas absolutas. E nessa matéria a Mãe-Natureza dá cartas. Razão pela qual uma viagem como esta não deve ser feita mais cedo e tem um prazo de validade não muito largo, sob pena de se perder muita coisa. Aterrámos em Denver a 21 de Junho e a Beartooth Highway continuava fechada, intransitável (verificação diária na Internet). Se bem me lembro, só no terceiro dia, nós já de partida de Denver para Yellowstone, tivemos sinal verde. E notem que os guias turísticos dizem que a estrada está aberta entre Maio e Setembro. Fiem-se nisso e depois contem-me.

A Beartooth Highway, que serpenteia mais ou menos ao longo da fronteira entre o Wyoming e Montana, começa e acaba em Montana. Acedemos a ela a partir de Cooke Citty, a minúscula cidadezinha (aquilo é um povoado) em que a fotografia abaixo foi tirada.


Tínhamos acabado de passar quatro dias em Yellowstone, três noites com dormidas diferentes, tão grande é o parque. A última foi em Mammoth Hot Springs. Nessa tarde, na volta que demos antes de jantar e ao lusco-fusco, a  tremer de emoção, avistei mais um urso. Que não era um grizzly, para meu grande desgosto. Mas era um ursoso, Deus Nosso Senhor seja louvado! A tratar da sua vidinha, como a tratar da sua vidinha ia o coiote que minutos antes encontrámos a trotar ligeiro pela estrada fora.

A meio da manhã de 28 de Junho, saímos de Yellowstone (tenho de voltar no Inverno, tenho de voltar no Inverno) rumo à Beartooth Highway. Sobe-se e sobe-se até quase 3500 m. Nunca terei palavras para contar a beleza das montanhas que nos rodeiam. A paisagem consegue ser ao mesmo tempo comovente e esmagadora. Todas aquelas curvas a atingirem pontos cada vez mais altos, a vermos por baixo de nós o bocadinho de estrada em que ainda momentos antes estávamos. Muito cedo na subida de vertigem surge-nos a neve, que depressa está por toda a parte, muitas vezes grandes bocados de gelo ainda à beira da estrada (porque é que julgam que está tanto tempo intransitável?). Aqueles cumes brancos e puríssimos devolveram-nos o espírito tonto das crianças  que ainda há em nós e não resistimos a parar para uma batalha de bolas de neve. A 28 de Junho,

Abaixo, algumas fotografias (ponham em full screen) que não fazem justiça à beleza do que vi e vivi. Talvez porque estivesse mais ocupada a ver e viver.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dos perfumes


Esquecemos muitas coisas ao longo da vida, nunca esquecemos certos perfumes. Ficam-nos para todo o sempre, associamo-los a pessoas e a momentos e, se nos revisitarem, por mais anos que tenham passado, conseguem transportar-nos como por magia a tempos antigos e a emoções que ficaram muito lá para trás.

É assim que, ainda hoje, o perfume dos lilases me traz de volta as férias da Páscoa na Quinta da Caneira e a criança de seis, quase sete anos, maravilhada com a perfeição frágil e efémera das delicadas flores em cachos. É assim que, ainda hoje, consigo trazer à memória o cheiro de Brut, da Fabergé, e lembrar a menininha de 15 anos que voltava para casa a cheirar a mão em que persistia o perfume do namorado. É assim que, ainda hoje, Monsieur de Givenchy me lembra, onde quer que esteja, o meu querido Zé Pracana, the ultimate gentleman, os nossos apaixonados despiques queirosianos em perdidas noites de Stone's. É assim que, ainda hoje, Van Cleef & Arpels, aquele subtil cheiro com qualquer coisa macia de talco à mistura, me traz à memória conversas antigas com o Vítor, mesmo que ele há mais de dez anos tenha deixado de usar perfume. Usa a linha toda da Biotherm para homem, desodorizante incluído, passou a achar o perfume excessivo. E podia continuar a desfiar memórias durante uma eternidade.

A minha relação com os perfumes começou aos 15 anos com Agua Brava. Não se espantem, nessa idade e nesse tempo os nossos eleitos eram os perfumes de homem, havendo três grandes favoritos: Agua Brava, Eau Sauvage e Paco Rabannne. O D., que achava isso um disparate, quando festejámos o primeiro ano de namoro ofereceu-me um lindo coffret com dois sabonetes e um frasco de Miss Dior, que foi assim o meu primeiro perfume oficial. Outros se seguiram, oferecidos por ele. O maravilhoso e etéreo L'Air du Temps, de Nina Ricci, que ainda hoje me faz suspirar. Fidji, de Guy Laroche, Alliage, de Estée Lauder, o encantador e fresquíssimo Diorella, da Dior, todos já desaparecidos. Tal como desapareceu o meu querido Estivalia, da Puig, tão leve e fresco, que usava muitas vezes no Verão (e que viria a substituir pelo também muito fresco Eau de Lancôme), Quem me dera poder deitar agora as unhas a um frasco!

Foi só aos vinte anos que encontrei o meu perfume, o que me acompanha até hoje, aquele que associam a mim: Rive Gauche. E é um milagre que ainda não tenha desaparecido também. Chegou a ter uma vasta linha, da qual eu tinha tudo: sabonete, gel de banho, talco, leite hidratante para o corpo, já nem lembro que mais. E estava disponível nas versões parfum, eau de toilette e eau de parfum. Já só resta a eau de toilette, e só Deus sabe até quando.

Nos últimos quatro anos tenho cometido algumas infidelidades com Funny, da Moschino, que adoro, mas é sempre ao Rive Gauche que volto, e é um amor para toda a vida. E tive também uns deslizes com Paris, da YSL, que não sei se continua a existir ou foi obrigado a mudar de nome, tal como já tinha acontecido com Champagne.

Lembro-me de ter grandes ódios por alguns perfumes que nunca suportei, o mítico Chanel N.º 5 à cabeça. E por outros que, em épocas diferentes, estiveram muito na moda. Opium, da YSL.Poison, da Dior (nome muito bem escolhido, um veneno autêntico, já o Tendre Poison era adorável). DKNY, que me dá náuseas. Aramis, perfume de homem que me traz memórias aterradoras.

Todos os anos surgem perfumes novos que cedo desaparecem sem prejuízo para ninguém, sendo os principais os que têm nomes de celebridades em voga. O que é pena é que grandes perfumes tenham desaparecido. Muito gostava eu de poder passar outra vez no pulso umas gotas de Eau de Courrèges ou de Dior-Dior!



quinta-feira, 8 de março de 2012

Eu bem sabia que a minha intuição era de fiar


Por acaso lembrei-me de que este esterco começava ontem a passar na Fox. Porque detesto ser preconceituosa, resolvi dar uma espreitadela. Se tiver conseguido ver dez minutos, terá sido muito.  Confirma-se. Insuportável. Intragável. Execrável. Abominável. De fugir a sete pés, em suma.

A não perder


A Tê, leitora sem blogue que me acompanhava há três anos sem eu saber, veio anteontem deixar pela primeira vez um comentário. E um presente. Um presente fabuloso que muito bem ilustra a minha opinião sobre a diferença entre os grandes actores e os meramente bons.

Desconhecia por completo a existência desta Web Therapy, série online criada e produzida por Lisa Kudrow (a inesquecível Phoebe de Friends), cuja personagem é a terapeuta Dr.ª Fiona Wallice, E há nem mais nem menos que três episódios com Meryl Streep, no papel de Camilla Bowner (o que este apelido me fez rir, santo Deus!), conselheira e orientadora sexual especializada em restituir aos homens a sua condição natural, ou seja, a deixarem de ser gays.

Não percam, porque isto é brilhante! Comecei a rir assim que Meryl Strrep apareceu no ecrã, com aquele penteado híbrido de Dolly Parton e Victoria Principal em Dallas, o ar de dona de casa suburbana e a vozinha de veludo. Meryl Streep, já sabemos, dispensa adjectivos, seja em que registo for. Lisa Kudrow, aqui muito formal, mostra uma vez mais a extraordinária comediante que é. 

O segundo episódio com Meryl está aqui e o terceiro aqui., Na barra lateral encontram ainda alguns extras.

Obrigada, muito obrigada, Tê, por me dar a conhecer esta coisa deliciosa!

terça-feira, 6 de março de 2012

A diferença entre os grandes e os bons

Há papéis em que não conseguimos imaginar outros actores que não os que lhes deram vida e se apropriaram deles para todo o sempre, venham os remakes que vierem. Scarlett O'Hara e Blanche Dubois são Vivien Leigh, Rhett Butler é Clark Gable, Karen Blixen é Meryl Streep, Hannibal Lecter é Antrhony Hopkins, Clarice Starling é Jodie Foster (por mais que eu goste de Julianne Moore, e gosto mesmo muito). Mas esses mesmos actores, que imprimiram um cunho inesquecível a esses papéis, foram igualmente muito grandes em muitos outros, muitas vezes também no teatro (coisa que não é para todos) e sempre de maneira diferente, sem repetições e estereótipos. Esses são, para mim, os grandes actores. Os mesmo muito grandes.

E depois há os bons actores. Muito bons, sem dúvida. Alguns até chegam a ter a sorte de conseguir papéis que se lhes colam ao nome para o resto da vida, papéis em que também são inesquecíveis. É verdade que não conseguimos imaginar mais ninguém como Carrie Bradshaw, só Sarah Jessica Parker, tal como não conseguimos imaginar mais ninguém no papel de Lorelai Gilmore, só Lauren Graham. Mas um actor tem de ser mais do que isso, tem de despir a pele de uma personagem para se enfiar na de outra. 

No caso de Sarah Jessica Parker, pelo que tenho visto, não é só uma multidão adoradora de mulheres que quer ver sempre nela a sua querida Carrie: Carrie é a única composição de personagem que ela consegue dar-lhes. Só há pouco tempo vi o péssimo (PÉSSIMO!) Failure to Launch, e pude comprovar isso. Gestos, maneirismos, trejeitos, expressões, está lá tudo e é tudo igual. Carrie Bradshaw, nada a fazer. Outro tanto para Lauren Graham, da minha venerada Gilmore Girls. Reencontrei-a recentemente na óptima Parenthood e é, também ela, Lorelai Gilmore por uma pena. 

Por essas e por outras embirro tanto com Jack Nicholson, que acho que faz sempre de Jack Nicholson.

I ♥ Gilmore Girls

Não dei atenção à série quando começou a passar na televisão, na SIC Mulher, e estava capaz de jurar que só deram uma ou duas temporadas. Mas às vezes à noite, ao computador no escritório e com a televisão ligada baixinho, arrebitava aqui e ali a orelha com fragmentos de diálogos que me pareciam francamente bons e desviava os olhos para o ecrã. E resolvi comprar a primeira temporada.

Foi paixão fulminante e um fim-de-semana em que não fiz outra coisa senão devorar episódio atrás de episódio. Gilmore Girls é notável. Localizada em Stars Hollow, uma cidadezinha imaginária do Connecticut, centra-se em Lorelai Gilmore e na sua brilhante e encantadora filha Rory, com o sonho de entrar em Harvard. Lorelai foi uma mãe adolescente, teve Rory com 16 anos, criou-a sozinha, deixando de estudar e cortando praticamente todos os laços com os seus empertigados pais de classe alta. E é justamente aqui que a série começa, quando Lorelai, engolindo o orgulho, lhes pede ajuda financeira para poder mandar a filha para uma óptima e caríssima escola privada que lhe dê uma sólida preparação que possibilite a sua admissão em Harvard, coisa que não está ao alcance do liceu de Stars Hollow, com os seus padrões pouco exigentes.

Gilmore Girls é todo um mundo, não é apenas a riquíssima relação de Lorelai com a filha. Os seus diálogos, disparados numa velocidade estonteante, são um emaranhado constante de referências culturais. Música, política, cinema, televisão, vale tudo. Sei que apanhei uns 90%, mas devo ter deixado escapar umas quantas. Gilmore Girls é também uma extraordinária galeria de personagens, a começar nos pais de Lorelai, que é impossível não adorarmos, tanto nos divertem. Principalmente a mãe, que a cada novo episódio tem uma nova criada, já que a anterior foi despedida pelos motivos mais incríveis ou despediu-se, exasperada — o que faz lembrar Murphy Brown e as secretárias, que só apareciam nos créditos como Secretária #1, Secretária #2, até perfazerem o anedótico número de 93.

Mas há muito mais, há todas as personagens de Stars Hollow e a sua divertidíssima dose de absurdo. Luke, o dono do diner, que ainda conserva o letreiro de quando era a loja de ferragens do pai. Lane, a reprimida grande amiga coreana de Rory, e a sua feroz mãe. Michel, o desdenhoso e impagável Michel, concierge da estalagem (vibro com as piadas dele e o ar com que são ditas). Sookie, a melhor amiga de Lorelai. Os vizinhos, com menção especial para Miss Babette, a Sally Struthers que foi a filha de Archie Bunker em All in the Family. Taylor, o lojista e autarca déspota, sempre às turras com Luke. E Kirk, o extraordinário Kirk, de episódio para episódio com um trabalho diferente, sempre envolvido em tudo o que acontece na cidade.

E depois há Paris, a competitiva e insuportável Paris, grande rival de Rory em Chilton, e cujo convívio, nem sempre fácil, continuará quando entrarem para a universidade.

O que posso dizer mais? Que comprei as restantes seis temporadas num ápice, em coisa de mês e meio, e que as devorei? Que as emprestei todas em Maio à Cristina, mulher do Gonçalo, também doida pela série, e que estou a ressacar de saudades? 


(confesso que não gosto nada, nada, mesmo nada da canção de abertura da série, Where You Lead, mesmo sendo da grande Carole King e cantada por ela. Por isso optei pelas Bangles, o grupo que Lorelai, a mãe, adora; chega a levar a filhas e as amigas a um concerto delas em Nova Iorque, em que este Eternal Flame é tocado)

segunda-feira, 5 de março de 2012

Da mentira

Sou por natureza uma pessoa confiante. Se alguém me diz que foi de férias para Bali, isso é para mim um facto. Se me dizem que foram jantar ao Gambrinus é outro facto. Acontece apenas que tenho muito boa memória e costumo dar naturalmente atenção a pormenores, às vezes ínfimos. E é aí que a coisa pode complicar-se, porque uma boa memória aliada a atenção aos pormenores pode detectar de repente incongruências, coisas que não batem certo. Um comentário casual sobre uma saída num dia em que antes me tinha sido dito que se tinha trabalhado até de madrugada, pode ser qualquer coisa. E passo a ficar mais atenta. Se vou tropeçando em mais contradições, não digo nada, apenas vou redobrando a atenção. E acaba por surgir o momento em que por princípio até já posso questionar qualquer coisa que me seja dita. Se me for dito que se foi tomar café ao Luanda eu penso com os meus botões que se calhar foi à Suprema.

Em toda a minha vida, graças a Deus, só conheci dois mentirosos compulsivos, um homem e uma mulher. Nos dois casos levei algum tempo a começar a detectar as mentiras, sendo que o caso dela era ainda mais grave, por ser uma ladra. Daquelas pessoas que se fazem todas simpatia e empatia, que se insinuam imenso, todas elas amabilidade e vontade de serem prestáveis. Chegou a acontecer-me, num jantar em casa de amigos, tendo levantado cinco contos ao sair e não voltando a precisar de mexer na carteira, que ficou numa sala, ter descoberto mais tarde que me faltavam três. Como esta história tenho mais, e nem me apetece relembrá-las. Trata-se seguramente da pessoa mais mal formada que alguma vez encontrei, e espero sinceramente nunca mais lhe pôr os olhos em cima.

O caso dele era mais complicado, e as mentiras eram tão patetas, tão insignificantes, muitas vezes meras gabarolices, que levei tempo a começar a dar por elas. Adivinham quem era? Pois está claro, o senhor das cassetes de vídeo com capas de ópera e do MG descapotável inexistente. Devo dizer que, a partir de certa altura, aquilo passou a divertir-me, até porque a maior parte das aldrabices era mesmo muito parva. E adorava estender-lhe corda para se enforcar. Com o ar mais inocente do mundo, fazia uma ou duas perguntas desinteressadas que só o faziam enterrar-se mais e ficava a rir-me para dentro.

Um exemplo? Na Primavera de 98, a empresa em que eu trabalhava mudou de central telefónica. A nova central tinha uma coisa que só na altura começava a ser instalada nas empresas, pelo menos nas mais pequenas: identificação de chamada. Nem comentei o assunto, por não ter qualquer interesse. Um belo dia, eu no escritório, o pequeno liga-me:

— Teresa, estou aqui em Bruxelas e...

E eu a ver no visor, com toda a nitidez, o número de casa dele. Em Lisboa, evidentemente. 

Aliás, as supostas viagens a Bruxelas, muito mais frequentes do que as que fazia na realidade, aí umas duas ou três por ano, tornaram-se motivo de chacota entre mim e o Vítor. Havia um jantar de amigos? Que pena, não podia ir, nesse dia estava em Bruxelas. Bruxelas era sempre uma grande desculpa para tudo. E eu, claro, ficava a rir. Sem nunca dizer nada e fingindo que acreditava. Do que eu me livrei!

domingo, 4 de março de 2012

Duplamente extraordinário


O Ié-Ié andou a deambular pelo Príncipe Real e fotografou estes dois prodigiosos avisos na porta do Pavilhão Chinês. E eu não resisto a roubar-lhe a imagem, porque isto é demasiado bom, ou demasiado mau, consoante a perspectiva, para não ser divulgado.

Só não consigo decidir qual é pior, se a versão inglesa ou a portuguesa. «Closed for a privet invent» ou «Fechado para envento privado»? Decidam vocês, enquanto eu continuo a rir.

sábado, 3 de março de 2012

Preguiça e outras coisas

A minha lista de links na barra lateral é uma vergonha, é um desleixo completo. Continuam lá blogues que já morreram há muito, não adicionei outros que leio diariamente. Urgia talvez fazer uma grande limpeza/renovação, mas falta-me a paciência.

O mesmo se aplica, diferentemente, aos seguidores. E os seguidores são para mim um grande mistério. De vez em quando lá me desaparece um, às vezes até dois de uma assentada (e talvez eu só dê por isso vários dias depois, tão pouco ligo àquilo). Não sei quem foi o desaparecido ou a desaparecida e fico sem perceber o que terei feito ou escrito para assim provocar esta atitude de corte declarado, de "já não brinco mais contigo". Será por eu não visitar e comentar os seus blogues? É possível, mas cada vez comento menos blogues e com menos frequência.

Se querem mesmo saber, só por consideração por quem se instituiu seguidor deste blogue não retiro daqui aplicação tão parva. Não me acrescenta nada. Suspeito que a maior parte dos blogues a que aderi como seguidora terá sido como forma de gentileza para com o autor ou a autora, uma atitude simpática e nada mais. Teria de ir ver quais são para confirmar. Mais ainda: provavelmente nem sou seguidora de blogues que leio diariamente e que comento com regularidade. Fui verificar e escangalhei-me a rir. É que nem sou seguidora do blogue da Luna, seguramente aquele que mais comento. Como ela quase de certeza não é seguidora do meu. Para quê, de resto? 

Quando esta coisa dos seguidores começou, por ser novidade e por ter achado graça, instalei-a. Hoje acho-a uma perfeita inutilidade e uma espécie de montra pateta de vaidades, a ver quem conta mais. Repito: é apenas por consideração por quem aderiu que não retiro aquilo dali.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Ouvido absoluto

À semelhança da querida Ana Vidal, parece que também eu fui abençoada com este dom do ouvido absoluto. Foi assim que há pouco, no mais recente episódio da muitíssimo boa Parenthood, identifiquei no primeiro segundo uma música a tocar em fundo. Música de que por acaso nem gosto nada, como nunca gostei do conjunto, os Chicago. E sempre embirrei solenemente com If You Leave Me Now, se querem saber. Pior mesmo só o abominável I'm Not In Love dos 10 CC., da mesma época.

Não ouvia este As Time Goes On, para muito boa gente tão irresistivelmente romântico, há muitos e muitos anos. Diria que desde o tempo do Stone's, que disco destes senhores foi coisa que nunca comprei. Posso garantir que não tinha saudades. Mas reconheci a parva da música no primeiro segundo. E, como é óbvio, não a ponho a tocar aqui. Que xaropada intolerável!

Hilariante

Ri com uma perdida quando vi esta imagem. Só quem nunca pisou uma peça de Lego com pés descalços não perceberá.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Uma vergonha desgraçada

Qualquer mecanismo de autodefesa do meu subconsciente deve ter sepultado o episódio que vou contar no mais fundo da memória, tanto que só há duas ou três semanas ele reemergiu, quando o D. mo lembrou. 

Ao contrário de muitos adolescentes, atravessei a idade do armário em perfeita serenidade e sem necessidades patetas de afirmação. Os críticos 13, 14 e 15 anos foram por mim vividos na medida certa, tudo a chegar no tempo devido, sem querer vestir roupa que me fizesse mais velha, sem pretensões a pintar-me (coisa que, em boa verdade, só começaria a fazer lá pelos 18 ou 19 e, mesmo assim, sem passar de um rímel e de um gloss, o famoso só brilho da Max Factor, tão difícil de encontrar e que já só as pequenas da minha idade lembrarão). E sem fumar, que era quase a marca registada de promoção a crescido aos olhos parvinhos dos adolescentes. Fumar dava estatuto, dava pose, dava outro ar. Da minha turma de quinto ano, todos com 14 anos, alguns dos rapazes fumavam, das raparigas, que me lembre, só uma ou duas. No ano seguinte, com a transição para o pátio Sul, o dos mais velhos, verifiquei surpreendida que havia de repente muito mais raparigas a fumar. Mantive até muito tarde um ar muito infantil e a maior parte das minhas colegas (mas não as minhas maiores amigas) parecia agora muito mais velha do que eu. O primeiro namoro viria justamente no fim desse sexto ano, eu ainda nos 15 e com ar enfezado de miúda que ainda não acabou de crescer. O D. fumava às vezes, raramente. Eu não. O mesmo para o sétimo e último ano do liceu. Na viagem de finalistas, eu e a Vanda, sempre rodeadas por um bando de uns seis ou sete rapazes, todos fumadores, continuávamos desinteressadas de cigarros. Que nos eram oferecidos com frequência e que recusávamos sempre. Quanto à Vanda não sei, mas eu, entre outras razões poderosas, recusava porque não sabia fumar.

Não perguntem agora o que terá passado por esta tonta cabecinha de 16 quase 17 anos para decidir que tinha de aprender a travar o fumo, mais que não fosse para não fazer tristes figuras de principiante se alguma vez aceitasse um cigarro. Suponho que tenha sido um ataque agudo e um pouco tardio de parvoíce adolescente. Seja como for, já nas férias, na época de exames (eu ia a exame a Filosofia e a Introdução à Política, às restantes cadeiras tinha dispensado), resolvi iniciar a minha auto-educação tabagística. Comprei um maço de cigarros (catorze escudos, sete cêntimos em moeda actual) e sentei-me frente ao espelho, a tentar perceber como diabo se engolia o fumo. Andei nisto uns dias, no gira-discos sempre o mesmo disco a tocar, Help!, dos Beatles, que eu não tinha e o querido João Viegas me tinha emprestado. Fiquei tonta, tive náuseas, cheguei a vomitar. Quão burra é preciso ser para ter persistido? Persisti. Aprendi a travar o fumo sem ficar agoniada como um pato moribundo. E em pouco tempo já comprava cigarros com regularidade. Tinha-me tornado fumadora, e acreditem que isto me envergonha profundamente.

Um único pormenor de não pouca importância: nada contei ao D., junto de quem, fumasse ele ou não, eu continuava alheia aos cigarros. Só pode ter sido a noção subconsciente de quão parva tinha sido. Em Setembro entrei para a Católica, ele para a Universidade Livre. Eu passava as manhãs longe dele e rodeada de novas pessoas, sendo o Vítor a única do tempo do Liceu. E fumava. Passava as tardes com o D., cinemas, lanches nas Vicentinas e na Versailles, e eu nada de tocar num cigarro — o cigarro que já me apetecia desesperadamente, viciada que já estava.

Sei que o desfecho desta história que tanto me vexa foi depois do Natal, porque lembro agora um passeio a pé e o D. a tentar sondar-me quanto a presentes de Natal e quanto ao que poderia oferecer-me e a dizer que se eu fumasse poderia dar-me um isqueiro (e suponho que não faria a coisa por menos que um Dupont, já que no Natal anterior me tinha dado um sumptuoso estojo de canetas Cross). Devo ter corado por dentro, se tal coisa é possível, e mantive-me calada.

E depois, um belo dia, fui ao Baeta cortar o cabelo ao António. Já contei aqui o que era esse ritual,  e como o pobre D. passava horas infindáveis a cirandar naquele maldito centro comercial até que me atendessem. Finalmente despachada, saio radiante e radiosa, à espera de ouvir elogios e que o cabelo estava lindo e eu uma beleza. Em vez disso encontro umas trombas ferozes e oiço apenas uma pergunta rosnada entredentes com voz furibunda, uma pergunta que me deixou gelada e fez gaguejar. «Desde quando é que a menina fuma?!»

A explicação? Muito simples. No seu deambular pelo centro, o D. tinha encontrado o Vítor com a namorada, nossa colega na Católica, e a irmã. Conversa para aqui, conversa para ali, e falam de cigarros. E a Rosário, em toda a sua inocência, lança a pergunta que desmascarou a minha omissão idiota: «A Teresa fuma Ritz, não é?» À negativa risonha do D., de que eu não fumava, ela ripostou seguríssima: «Que disparate, D.! Estamos todas as manhãs juntas na faculdade e farto-me de a ver fumar!»

Como é evidente, a fúria do D. deveu-se apenas ao facto de eu lhe ter ocultado durante tanto tempo que tinha começado a fumar (coisa que fazia em casa sem problemas). E nunca chegou a dar-me um isqueiro, qualquer isqueiro, nem sequer um Bic, quanto mais um Dupont. Suponho que terá sido para me castigar. E o castigo foi merecido.

Explicação para a banda sonora? Ainda hoje, muitas vezes, ao ouvir Help!, e tão forte é o poder evocativo da música, tal como o dos perfumes, a memória leva-me ao meu quarto cor-de-rosa e branco de adolescente e a uma miúda muito parva a tentar aprender a fumar. Às vezes a lembrança é tão nítida que é quase física. E na altura apaixonei-me por este encantador I Need You, que não conhecia.

Better without you

Palavra de honra, não consigo lembrar-me de muitas séries piores do que esta, de que só se aproveita a música de abertura, que é engraçadinha..

É que é mesmo tão má que até dói. Os péssimos timings dos actores, os diálogos parvos (fiquei boquiaberta quando descobri que a autora tinha feito parte da equipa de Friends, a isto chamo eu perder qualidades), completamente desprovidos de graça, as deixas forçadas que nem um sorriso complacente me arrancam artificialmente acompanhadas por gargalhadas de lata a sublinharem uma piada que, pura e simplesmente, não existe.

Confesso que fiz um sorriso malicioso e deleitado quando vi que a série tinha sido cancelada ao fim da primeira temporada.