quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Jumping the shark

 Atenção, contém spoilers!

O conceito de jump the shark (nome que acho divertidíssimo) surgiu na televisão americana nos anos 70 e passou a usar-se para referir aquele momento em que os argumentistas de uma série, aparentemente já sem ideias, surgiam com qualquer coisa absurda ou muito pouco verosímil. O efeito acabava ser o oposto do pretendido, manter audiências e, como o público não é tão idiota como possam pensar, fartava-se de rir. Havia de tudo, mas diria que no topo sempre estiveram as personagens mortas que reapareciam depois de cara nova, operadas algures na América do Sul (até Friends brincou com isso, lembram-se da personagem de Joey na sua soap opera, que reaparece depois graças a um transplante de cérebro?), graves acidentes seguidos de amnésia do herói ou da heroína, e as irmãs ou irmãos (gémeos ou não) desconhecidos que de repente caíam de pára-quedas para complicar o enredo. Tais momentos acabavam também por coincidir mais ou menos com o princípio do declínio da série.

O nome surgiu numa série de grande sucesso, Happy Days, que se arrastou por muitas temporadas, num episódio em que uma personagem, a fazer ski aquático, encontrava pela frente um tubarão. Estão a imaginar a emoção, a música subitamente tensa, não? Não houve azar, o herói limitou-se a saltar por cima dele (a imagem é desse episódio). E estava criado o conceito.

Houve em tempos um site muitíssimo divertido, jumptheshark.com, em que passei horas de muito riso. Era um fórum em que encontrávamos todas as séries possíveis e imaginárias, alfabeticamente listadas, e em que os participantes davam as suas opiniões sobre os momentos em que esta ou aquela tinham decididamente saltado o tubarão. Infelizmente foi comprado pela TV Guide, segundo vim a saber, e perdeu a identidade.

O conceito ocorreu-me imediatamente há dias, ao ver o sexto episódio da segunda temporada de Downton Abbey. Que diabo de ideia foi aquela dos argumentistas de porem o herdeiro perdido (aquele que morre no naufrágio do Titanic, cuja notícia é a abertura do primeiro episódio, e cuja morte reabre todo o problema da sucessão) a reaparecer como convalescente justamente em Downton Abbey, convenientemente desfigurado e irreconhecível e com novo nome, Gordon, que lhe tinha ocorrido quando, sem saber quem era (também tinha perdido a memória, coisa recorrente em momentos de jump the shark), deu com os olhos numa garrafa de gin?

Note-se que adoro a série, mas aqui vacilei e temi o pior. A coisa foi inconcludente, o que talvez a faça ainda mais infeliz numa série realizada com tanta qualidade e cuidado. Contas feitas, cada vez me convenço mais de que Upstairs Downstairs, de que já falei aqui, já com quarenta anos, realizada com meios técnicos e financeiros muito inferiores, continua a ser melhor.

12 comentários:

  1. Começo pela redundância de dizer que adoro o blog e é a primeira vez que escrevo...
    Finda a introdução, quero fazer um pedido: numa próxima vez que escrever sobre uma série actual, inicie o post com - Atenção, contém spoilers! -
    Estou a seguir Dowtown Abbey, porque sou uma 'inglesa wanna be' e, por uma infeliz contrariedade, ainda não vi o último episódio, mas está gravado na box e conto vê-lo hoje.
    Entretanto, vou estar a contar com o regresso do herdeiro.
    "No hard feelings" :-)

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  2. Lilim, peço desculpa, muita desculpa, e já corrigi.
    Acredita que me lembrei disso e que depois me passou?

    Sem querer adiantar pormenores, o regresso do herdeiro não dá em nada.

    Recomendo-lhe, já que é uma angófila apaixonada, o remake de Upstairs Downstairs de 2010, em três episódios, vai gostar muito (eu vi-o directamente aqui:

    http://www.free-tv-video-online.me/internet/upstairs_downstairs/

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  3. Também achei estranho, mais ainda quando depois desaparece sem deixar rasto...

    (um remake em três episódios é perfeito, também vou ver!)

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  4. Rita, em boa verdade não é um remake. É um regresso a 165 Eaton Place, seis anos depois, com a família que compra a casa. A única personagem que vais rever é Rose, que é, mais uma vez, criadora da série.

    Passa-se numa época muito interessante, a da morte de Jorge V e da sucessão de Eduardo VIII, com toda a turbulência associada.
    Vale a pena.

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  5. Raquel, Friends é uma das sértes da minha vida! :)

    Não há melhor remédio para uma neura! :))))

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  6. Ah não, a neura exige Orgulho e Preconceito, a versão de 1995!

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  7. Rita, para mim não há outra. É a de 1995 e mais nada. Houve outras antes (lembro-me de uma muito boa no princípio dos anos 70), houve aquele filme abjecto com a Keira Knightley.
    Não se mexe na perfeição.

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  8. Oh céus, o desgosto, a facada no coração! Ainda não vi o episódio, está gravado, mas nem acredito! Mate leu uma má crítica numa daquelas revistas de cinema que compra religiosamente (Empire - a inglesa, Sight & Sound ou Total Film), e agora confirma-se.
    Não conhecia a expressão, mas é óptima.

    E sim, Orgulho e Preconceito com o Clin, O Coooolin!

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  9. Izzie, palavra que fiquei abismada, não estava à espera de tal pepineira numa série com tanta qualidade. E o pormenor de ele resolver cghamar-se Gordon porque, sem saber quem era, ter posto os olhos numa garrafa de gin? Estás a ver qual a marca, não? Esta matou-me. Foi um jump the shark muito constrangedor.

    Quanto à série de 1995 só podemos estar todas de acordo, não? Incontáveis vezes revista, é o que vos digo. E sempre com a mesma emoção. É como ler o livro.

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  10. Estamos, estamos e sobre o filme também. Muito superficial e depois aquela estética escura para parecer profundo e moderno...tristeza.

    Mas eu na verdade ia com algum medo que me substituísse a série, pelo que saí satisfeita.

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  11. Rita, seria muito difícil pôr todos os maravilhosos detalhes daquele maravilhoso livro em duas horas de filme. Porque julgas que Brideshead exigiu treze horas de uma série de televisão? :)))

    Sabes um momento que me faz sempre "goose bumps"? Na visita a Pemberley, depois de Lizzie ter tocado e cantado Voi Che Sapete (em inglês, heresia!) e a irmã de Darcy toma assento e ela fica a virar-lhe as páginas. É quando a odiosa Miss Bingley desata a falar de Wigham, só para vexar Lizzie. E há aquela incrível troca de olhares entre ela e Darcy. Ah, sou uma incurável romântica!

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