60 Anos
Sorrio sempre que lembro o Vasco, porque as memórias que dele tenho são boas e bonitas. E alegres. Rio da nulidade que ele era em matéria de música, não distinguia os Beatles dos Bee Gees (roubou-me uma cassete destes últimos, à má fila, e ficou encavacadíssimo por não ma poder devolver quando lhe assaltaram o carro e lha levaram). Rita Lee e Maria Bethânia (ele adorava Maria Bethânia) ainda ia reconhecendo.
Uma bela noite, lá por 1983, estávamos nós no Stone's em alegre bailação, começa a tocar uma música que eu não conhecia (chamava-se Derniers Baisers, recuso-me a profanar a minha rica Gota com tamanha xaropada). "Que bodega é esta?", perguntei eu, irritada, ao mesmo tempo que deitava uma olhadela de censura ao Pedro Oom, na cabine. "São os Chats Sauvages" - resposta pronta do Vasco, a ignorância musical em pessoa. "QUEM?!" "Os Chats Sauvages", repetiu ele, imperturbável. Acenei afirmativamente ("está bem, abelha!"), ele ficou a gozar o pratinho. Assim que saímos da pista, umas quantas músicas depois, fui logo perguntar ao Pedro quem cantava aquela purga francesa que ele tinha posto. "Les Chats Sauvages", foi a resposta. Ao meu lado, o Vasco largou aquele risinho seco tão dele. Eu estava siderada. Ele explicou modestamente que sabia... porque os tinha visto no Casino Estoril, a meio dos anos 60, mas não tinha resistido a, por uma vez na vida, mostrar que também sabia umas coisas de música. E acabámos a rir, como sempre.
A saudade do Vasco não acaba, porque não tem princípio nem fim. Agradeço à Teresa A. estes retratos que tão generosamente me cedeu, os que tenho do Vasco não são muitos e estão neste momento fechados num caixote. Gostava de poder pôr aqui um que temos com uma certa leoazinha bebé ao colo, na festa dos seis anos do Filipe, sobrinho dele e meu afilhado. A Teresa acompanhou os últimos anos da vida do Vasco e com ele ficou até ao fim. Quando lhe perguntei se não se importava que publicasse aqui uma fotografia dos dois, a resposta foi peremptória: "Terei sempre orgulho em ser vista com o Vasco!". E é de ter, Teresa. É de ter. Entristeceu-me especialmente uma certa coisa que ela me contou: os dois tinham planeado duas grandes festas: a dos 40 anos dela e a dos 50 dele. O Vasco não viveu para estar fisicamente presente em nenhuma delas, foi-nos roubado quando tinha apenas 49, cumpridos havia pouco.
Aproveito para mandar também um beijo especial ao Pedro, filho dele, que eu conheci pequenito e me enviou um mail que muito me tocou aquando do décimo aniversário da morte do Pai. Um beijo também para a neta (que a Teresa me disse ser LINDA) que o Vasco não chegou a conhecer.
A banda sonora havia de lhe importar pouco. Escolhi esta música por duas razões: tocava muito no Disaster e marca uma época de grande sofrimento na minha vida em que o Vasco esteve muito presente e soube mitigar (consolar era impossível) uma dor que foi muito grande. Obrigada também por isso, meu Amigo.
(Click to listen)
Adenda: Tantas memórias! O presente do M. (a pessoa por trás do que acabo de contar, e que o Vasco conheceu muito bem) nos meus 31 anos foi a obra completa dos meus idolatrados Beatles em CD. Pediu ajuda à minha querida Paulinha, numa conspiração de amor, para lhos arranjar na Valentim de Carvalho, ele em Barcelona teria dificuldade em fazê-lo. Eu à época nem leitor de CD tinha ainda... Faltou um único, o álbum branco, não foi possível arranjá-lo. Algum tempo depois, num jantar com o Vasco em que lhe contei da minha grande felicidade reencontrada (é o padrão mais presente na minha vida, todas as pessoas voltam sempre), mencionei isso de passagem. Dois dias depois um paquete do hotel foi levar-me o álbum branco dos Beatles em CD à "Mercearia M." (um dia há-de haver aqui post sobre esse sítio surreal). Presente do Vasco.
Nessa noite, como em quase todas, o Nuno apareceu para o café e para sairmos a seguir (Stone's, Alcântara-Mar, Kremlin, etc., muito boémia fui eu!). Já não saímos. Ficámos a noite toda a ouvir aquele extraordinário disco.
Os meus mortos estão vivos, porque andam sempre comigo. O Vasco continua vivo. Ainda há coisa de um mês eu e o A4 (Carlos S.) estivemos duas noites inteiras a lembrar histórias dele, ou em que ele entrava. As Cangalheiras assistiram a uma delas e são testemunhas.
Hummm acho que gostaria do Vasco, temos pelo menos uma coisa em comum (gargalhada)... os nossos "largos conhecimentos" sobre música!
ResponderEliminarbeijos d'enxofre
Parabéns Vasco!
Nem de propósito! Ando com o White album atrás, que é como quem diz nos ouvidos. O maridinho pôs no leitor de mp3.
ResponderEliminarbeijo
Muito obrigado pela "pequena grande" homenagem. É um dia triste para todos nós. Felizmente o meu Pai deixou uma "marca" bastante forte em todos nós. Bj
ResponderEliminarMais uma vez mostras ser uma boa amiga. As pessoas de quem gostamos estarão sempre vivas!
ResponderEliminarUm beijinho
Diabba (Possum!),
ResponderEliminarE eu, que te conheço, acho que o Vasco te acharia muita graça. Se bem que eu ache que tu já fazes gala nessa tua dita ignorância musical... :)
Beijo.
Maria Eskisita,
Grande escolha. É um álbum magnífico, uma extraordináia manta de retalhos. Beatles forever!
Beijo.
Pedro (filho),
ResponderEliminarA marca é indelével.
O seu agradecimento não tem aqui lugar: conhecer o seu Pai e ser amiga dele foi um privilégio. Uma inteligência brilhante, um fino sentido de humor, um sólido bom senso, um enorme sentido de justiça, uma integridade sem mácula... Um grande Homem. Pode ter orgulho nele (sei que tem).
Pergunta parva: não é o mesmo Pedro que muito esporadicamente aqui vem comentar, pois não?
Um grande beijo e... se se lembrar, mande-me um retrato da sua filha um dia destes, sim?
Gata Verde,
Estão sim! As minhas só hão-de morrer em mim quando eu deixar de existir.
Um beijo.
e que continuem sempre contigo Teresa,
ResponderEliminarbeijo grande
VV será sempre uma minha referência, tanto pessoal como profissional; lidei mais com ele na segunda vertente e tenho muita pena desse facto, porque mais do que admirá- lo, gostava, sinceramente, muito dele! Parabéns, amigo!
ResponderEliminarQuero chegar a uma altura da minha vida em que possa pensar assim. Que haja aquele amigo que me faça ter os mais doces pensamentos e que me anime só de pensar nele mesmo depois de ausente. Complica-me a vida estar sempre longe deles e de não poder partilhar a minha vida e as minhas experiências com eles.
ResponderEliminarBeijos
Maria Cunha,
ResponderEliminarContinuarão sempre comigo, acredita. Enquanto eu tiver um sopro de vida.
Beijo grande.
A4,
Eu sei bem como as tuas palavras são verdadeiras - falamos tantas vezes dele! -, daí que me tenham comovido.
Um beijo.
Eskisito,
Esse é mais um dos males destes tempos que correm: o pouco que estamos com aqueles que mais importantes são para nós. Mas há pessoas que, mesmo distantes, ou até já levadas pela morte, andam sempre connosco. E quero acreditar que há pessoas que nos levam também sempre com elas.
Um beijo.
Sofia (irmão do Pedro e como ele filha do Vasco),
ResponderEliminarRecebi os teus dois mails, que merecem resposta ponderada e em privado.
Se quiseres comentar aqui é só assinalares "outro": abre-se uma janela onde podes escrever o teu nome, é tão simples como isso, não percebo por que não conseguiste.
Seja como for, este fim-de-semana respondo-te.
Um beijo.