terça-feira, 30 de julho de 2013

A Tragédia das Cadeiras de Plástico

Foi por causa de um comentário que deixei no Pipoco (tinha começado a escrever "deixado há pouco no Pipoco" e a revisora que há em mim encolheu-se logo, horrorizada com a rima) que me lembrei desta história, e tudo a propósito de cadeiras de plástico. Já por isto, e espero que seja esclarecedor para quantos me perguntam por que nunca me abalancei a escrever qualquer coisa com intuito de publicação: as minhas musas inspiradoras são tudo menos elevadas, como vêem até cadeiras de plástico me servem, e não me parece que a minha palavra escrita faça falta, já bastam as tantas pessoas que se queixam da minha tagarelice verbal — risonhamente, é certo; depois, sabem?, não tenho ideias. É certo que o grande Eça, modestamente, se queixava também disso, mas vejam as obras-primas que nos deixou, e se quanto à sua escrita é uma afirmação que elas atiram por terra, no meu caso é coisa muito real, conheço perfeitamente as minhas limitações. A única coisa em que a minha escrita pode aproximar-se da dele, incomparável, é na falta de poder de síntese, já que tenho, há muitos anos assumido, o vício dos quilómetros de letras: vou por aí fora e acabo a falar dos castanheiros dos Campos Elísios em 1938 quando tinha começado por falar da civilização sulista anterior à guerra da Secessão (esta já me aconteceu). Eça confessava que aquilo que tinha mais dificuldade em escrever eram telegramas. «Vem a meus braços, celerado!» — aposto que se telefonasse agora ao meu querido Zé Pracana, a perguntar de que livro e de que personagem é esta frase, a resposta seria automática.

E pronto, estão a ver, querem prova maior? Já me afastei galáxias do assunto que me trouxe aqui e ainda nem sequer o aflorei, o que ameaça texto muito comprido, que ninguém terá paciência para ler. Tive um namorado que era especialmente bom nisto. Num almoço ou num jantar, a conversa a tergiversar e a abordar as coisas mais díspares, eu às tantas, num esforço de disciplina, perguntava: «Espere aí, como foi que chegámos aqui?!» E recapitulávamos, passo a passo atrás, todas as coisas abordadas. Confesso que era altamente lisonjeiro verificar que ele tinha estado sempre com uma atenção extrema, muito participante, e não me achava simplesmente maluquinha. E o sentimento de triunfo (e de alívio) quando conseguíamos desenrolar a meada de coisas diferentes que tinham sido abordadas e chegar ao assunto inicial era muito gratificante. O Senhor Alemão ainda não andava a ameaçar-nos, mas isto é conversa séria e para mim perturbadora a ser deixada para outro dia. Lá iremos.

Focus, Teresa, focus. O comentário no Pipoco e as lembranças que acordou, com o mote "cadeiras de plástico"

Cá vai a história. Foi em 2005, numa maravilhosa noite mesmo antes do começo de Verão, nos jardins do Palácio de Queluz. Uma homenagem ao guitarrista e compositor Mário Pacheco por grandes nomes do fado como Mariza e Camané, mais outros que agora não lembro, teria de ir procurar o programa, entre eles Mísia. Dela não gostei nada e menos fiquei ainda a gostar quando soube, por fontes privilegiadas dos bastidores, que era insuportável de vedetismo, com exigências de diva. Já Mariza (informação das mesmas fontes) era encantadora de simplicidade, para ela tudo estava sempre bem, era amável e calorosa com toda a gente. O palco era o patamar da escadaria da imagem acima, em frente há um rectângulo de relvado de bom tamanho, suficientemente grande para dispor bastantes filas de cadeiras com um corredor central. Cadeiras de plástico, iguaizinhas a esta.

As cadeiras de plástico iam arruinando a noite, só vos digo. É que o silêncio concentrado e reverente em que se ouve o fado é incompatível com o barulho de cadeiras a explodirem e de pessoas a caírem ao chão, queda acompanhada de um gritinho abafado do ou da ocupante e de explosões de riso dos vizinhos (eu incluída, mea culpa, e provavelmente quem ria mais). A primeira cadeira, umas três ou quatro filas atrás de mim, rebentou aí no quarto fado. Um estrondo que nem queiram saber, logo seguido do tal gritinho. Primeiro foi o sobressalto, logo a seguir o riso. Aposto que deve ter sido muito difícil para quem estava nesse momento a tocar e a cantar. Como deve ter sido igualmente difícil para todos os fadistas seguintes, já que as cadeiras iam estoirando a intervalos regulares, para aí de três em três minutos. Confesso que, a partir de certa altura, já estava completamente desconcentrada em relação à música, os ouvidos em estado de alerta em relação à próxima cadeira, e a rezar para que o mesmo não acontecesse com a minha. Não aconteceu, nem ao amigo que estava comigo, talvez fôssemos mais leves, sei lá. Ele, que era engenheiro, explicou-me o fenómeno. O dia tinha estado muito quente, as cadeiras deviam ter sido alinhadas muitas horas antes e tinham com certeza estado muito tempo expostas ao sol. O plástico, dilatado durante as horas de calor, tinha contraído com a chegada da noite e de uma temperatura mais fresca, e ficado fragilizado. Sentar-lhe em cima logo depois uns 80 quilos era receita provável para dissabores. A noite foi cheia de dissabores. A certa altura parei de contar, creio que umas 20 a 30 cadeiras rebentaram. E eu só conseguia rir como uma alarve. Mário Pacheco não merecia aquilo.

Um vídeo dessa noite, fico grata por as cadeiras terem respeitado este fado sublime. Aposto que deve haver no YouTube uns quantos em que se ouve o seu estrondo.



4 comentários:

  1. A sucessão "explosão-gritinho-risos abafados" em pleno espectáculo de fados é o grotesco levado ao extremo.

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  2. Ahah! Isto comigo teria sido bonito, teria cabo do espectáculo em três tempos!

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  3. Teresa, muito obrigado pelas suas palavras. Respondo mais detidamente ao seu comentário num comentário a seguir a esse, para não ocupar aqui um espaço longo e a despropósito do seu post.

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  4. Como te compreendo em noites de vento. É a festa das cadeiras no terraço das traseiras.

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