Da mentira
Sou por natureza uma pessoa confiante. Se alguém me diz que foi de férias para Bali, isso é para mim um facto. Se me dizem que foram jantar ao Gambrinus é outro facto. Acontece apenas que tenho muito boa memória e costumo dar naturalmente atenção a pormenores, às vezes ínfimos. E é aí que a coisa pode complicar-se, porque uma boa memória aliada a atenção aos pormenores pode detectar de repente incongruências, coisas que não batem certo. Um comentário casual sobre uma saída num dia em que antes me tinha sido dito que se tinha trabalhado até de madrugada, pode ser qualquer coisa. E passo a ficar mais atenta. Se vou tropeçando em mais contradições, não digo nada, apenas vou redobrando a atenção. E acaba por surgir o momento em que por princípio até já posso questionar qualquer coisa que me seja dita. Se me for dito que se foi tomar café ao Luanda eu penso com os meus botões que se calhar foi à Suprema.
Em toda a minha vida, graças a Deus, só conheci dois mentirosos compulsivos, um homem e uma mulher. Nos dois casos levei algum tempo a começar a detectar as mentiras, sendo que o caso dela era ainda mais grave, por ser uma ladra. Daquelas pessoas que se fazem todas simpatia e empatia, que se insinuam imenso, todas elas amabilidade e vontade de serem prestáveis. Chegou a acontecer-me, num jantar em casa de amigos, tendo levantado cinco contos ao sair e não voltando a precisar de mexer na carteira, que ficou numa sala, ter descoberto mais tarde que me faltavam três. Como esta história tenho mais, e nem me apetece relembrá-las. Trata-se seguramente da pessoa mais mal formada que alguma vez encontrei, e espero sinceramente nunca mais lhe pôr os olhos em cima.
O caso dele era mais complicado, e as mentiras eram tão patetas, tão insignificantes, muitas vezes meras gabarolices, que levei tempo a começar a dar por elas. Adivinham quem era? Pois está claro, o senhor das cassetes de vídeo com capas de ópera e do MG descapotável inexistente. Devo dizer que, a partir de certa altura, aquilo passou a divertir-me, até porque a maior parte das aldrabices era mesmo muito parva. E adorava estender-lhe corda para se enforcar. Com o ar mais inocente do mundo, fazia uma ou duas perguntas desinteressadas que só o faziam enterrar-se mais e ficava a rir-me para dentro.
Um exemplo? Na Primavera de 98, a empresa em que eu trabalhava mudou de central telefónica. A nova central tinha uma coisa que só na altura começava a ser instalada nas empresas, pelo menos nas mais pequenas: identificação de chamada. Nem comentei o assunto, por não ter qualquer interesse. Um belo dia, eu no escritório, o pequeno liga-me:
— Teresa, estou aqui em Bruxelas e...
E eu a ver no visor, com toda a nitidez, o número de casa dele. Em Lisboa, evidentemente.
Aliás, as supostas viagens a Bruxelas, muito mais frequentes do que as que fazia na realidade, aí umas duas ou três por ano, tornaram-se motivo de chacota entre mim e o Vítor. Havia um jantar de amigos? Que pena, não podia ir, nesse dia estava em Bruxelas. Bruxelas era sempre uma grande desculpa para tudo. E eu, claro, ficava a rir. Sem nunca dizer nada e fingindo que acreditava. Do que eu me livrei!
Eu juro-te que não entendo. Porque raio é que as pessoas mentem só por mentir?
ResponderEliminarMentir para salvar a pele é feio mas eu ainda consigo entender... agora mentiras bacocas como essas de estar em Bruxelas... é patético.
Quanto à amiga ladra... ah... isso sim é muito grave.
O meu primeiro namorado também era mentiroso compulsivo. Tudo inofensivo, mas mentia só por mentir. Há uma história tão parva mas tão parva...
Na altura ele trabalhava na Madeira e viajava muito até Lisboa, sendo que eu vivo no Norte do país. Como era chato enviar o carro para o Continente sempre que me vinha visitar (uma vez por semana), optava por alugar um carro.
Uma vez comprou-me um ovo da Páscoa, daqueles grandes, por altura da Páscoa (dah). Na parte de trás do carro encontrei um saca-rolhas... perguntei-lhe, de forma absolutamente trivial, se era dele. Disse que não, que já lá estava quando alugou o carro. Quando peguei na minha saquinha no Continente com o ovo da Páscoa, reparei que tinha o ticket dentro. Ticket de compra do ovo... e do saca-rolhas.
Mas que estupidez, fiquei chocada. Mentir para quê?
Estupidez completa e inacreditável!
EliminarA questão é que na maior parte das vezes a mentira é sobre coisas perfeitamente irrelevantes.
Também já convivi com uma pessoa (uma amiga) assim durante alguns anos. Inicialmente não me apercebia de nada, mas aos poucos fui apanhando uma série de deslizes e quando dei conta, estava ali uma vida inteira de fachada. Até um ex marido que nunca existiu, com uma história cheia de pormenores. Comecei a não dar importância nenhuma ao que ela dizia, já não acreditava em nada e, tal como tu, até acabava por rir de muitas situações ridículas. O pior foi quando percebi que não era só sobre a vida dela que ela mentia e inventava, mas de toda a gente à sua volta também. Cortei com ela imediatamente, claro.
ResponderEliminarPessoas assim são um pesadelo, Ana. Não se pode acreditar numa única palavra.
EliminarE normalmente ainda passa algum tempo até que comecemos a aperceber-nos.
Pois Teresa!
ResponderEliminarNo meu caso, não meu do meu ex. foram 50, tínhamos ficado a dormir em casa dele,quando o ex.quis meter gasolina nem um tusto :-(
Por acaso ou não eu tinha um cahet de um trabalho que o malandro não sabia!
E havia dinheiro no banco.
PS. Irmão
Que horror.
EliminarEu fui roubada mais vezes. Das primeiras só achava esquisito o desaparecimento de dinheiro, achava que tinha perdido. Depois, num certo dia, foi tão evidente que só podia ser ela. E aí foram dez contos. Eu tinha levantado 15, fui ao supermercado buscar meia dúzia de coisas e saí para jantar. Já só na Kapital precisei de dinheiro para comprar cigarros. E faltavam-me dez contos, que eu me lembrava muito bem de estarem na carteira na caixa do supermercado.
Sou como tu. Topo essas mentiras à distância e, com a minha memória, não há como escapar. Pela minha experiência, os piores mentirosos são os homens. Recordo-me facilmente de dois que passaram por mulheres muito ciumentas. Mentiam por tudo e por nada, sem necessidade.
ResponderEliminarFazia exactamente o mesmo, ria por dentro, ou era sincera e dizia "Que mentira tão pouco sofrível! Isso desgasta-me a beleza!
Curiosamente, quando quero, acho que sou uma boa mentirosa.
Beijinhos
Eu achava mais divertido fazer-me de morta e gozar o pratinho. Era cada invenção mais idiota!
EliminarExemplo: à mesa do restaurante, toda a gente a escolher. Alguém lhe pergunta se ele vai comer peixe ou carne. Resposta pronta "Carne, que esta semana almocei duas vezes no Mercado do Peixe".
E eu, sabedora de que tinha estado toda a semana em casa, clada como um rato. E a rir, pois claro.
Tive um amigo que era mentiroso compulsivo, mas não em coisas do dia-a-dia, aproximava-se mais do fantasista e mitómano. Claro que se espalhava ao comprido inúmeras vezes, mas a veemência com que tentava colmatar as lacunas das histórias que lhe apontávamos era digna de muita risota.
ResponderEliminarE bom, não entendo a necessidade de mentir em coisas pequenas. É uma patetice, e sinal de imaturidade. Já alguém que rouba, felizmente nunca tive o azar de lidar com alguém com uma tara dessas. Que desgosto. Nem saberia o que fazer.
Um bocadinho diferente destes dois, esse teu amiga, como podes ver pelas histórias que já contei. Este não era mitómano. Era só parvo e mentiroso.
EliminarE nem imaginas o que é o pesadelo de lidar com alguém que nos rouba. E as histórias que eu podia contar-te de mentiras! Só gravidezes inventados (e entretanto a servir-se dos meus tampões à socapa) seguidas de abortos conheci-lhe três. Nem queiras saber o que isto prejudicou outras pessoas. A velha chantagem uterina. Um horror.
Eu soube, nunca mais entrou em minha casa, gatuno e bebedo!
ResponderEliminarAliás penso que a Teresa conheçe o meu ex.
Se conheçesse o maniho e a maninha aposto que dizia, não , não podem ser!!!
"o senhor das cassetes de vídeo com capas de ópera e do MG descapotável inexistente"
ResponderEliminar<3
David, as outras histórias estão aqui, é só ver a etiqueta. :)
ResponderEliminarVade retro...conheço alguém assim, e não se limita a roubar notas. Psicopata do piorio... O meu instinto disparou logo que lhe pus os olhos em cima, mas fui tola, e estava rodeada de tolos piores. Oh, well. Vivendo e aprendendo.
ResponderEliminarEu conheci dois e os dois casos foram muito complicados . O primeiro ia-me deixando a vida pendurada porque estava a tratar de tudo para me mudar para uma casa que ele em teoria ia vagar mas na qual afinal morava com os pais que não estavam a planear ir a lado nenhum. Quando comecei a desconfiar tratei rápido de inventar um estratagema para descobrir, mas mesmo depois de confrontado ele agarrou-se à história, virou como podia…incrível. Muito antes disso, cheguei a enviar um comunicado de imprensa em nome de uma organização de que ambos fazíamos parte com uma história dele que, a ser verdade, era gravíssima. A inocência da juventude, o que nos valeu é que não deu em nada…mas ele era doente, definitivamente.
ResponderEliminarA outra era mais difícil porque ela sofria mesmo, era uma pessoa muito triste e deprimida de quem gostava (e gosto) muito e que não sabia ajudar. Devia dizer-lhe abertamente que sabia que muitas das suas histórias eram mentira? E quando vinha com problemas que podiam ou não ser verdade? A certa altura afastou-se e só voltou a entrar em contacto comigo depois de começar uma terapia – fiquei tão feliz ao saber que se estava a tratar!
Acho que ainda hoje se conhecesse outra não procuraria afastar-me e também não condeno, não sei se é uma doença mental própria ou apenas o sintoma de uma, mas essas pessoas sofrem muito e é-lhes tão difícil dar o passo para a verdade…
(também há só os fanfarrões, claro, e de ladrões nem falo)(também há as pessoas que às vezes inventam histórias estranhíssimas quando conhecem alguém que nunca mais vão ver [assobio discreto para o lado], mas parece que não se sabe se é só um escape criativo ou um sintoma de que há alguma coisa de errado na cabeça dessas [assobio discreto para o outro lado]…)
Oh... e nao lhe pediste que trouxesse uns pasteizitos de belem dessa "Bruxelas"? ehehe... eu nao resistia :)
ResponderEliminarAi!
ResponderEliminarGente mentirosa e muito perigosa também já se me atravessou no caminho e como eu me revi no "esticar a corda para se enforcarem"... enfim, uma tristeza de gente poucochinha.
Oh Teresa! Esse tal do MG não estaria muito à frente no tempo para a altura em questão? Não teria já um daqueles aparelhos de topo da tecnologia que "diz que estão no café mas estão em casa ou que estão na rua mas estão em casa" mas a funcionar ao contrário??? ;)
Beijocas***
PS: Vi agora que já tens aqui a subscrição dos comentários pr e-mail e que inclusivé tens uma opção para responder comentário a comentário que acho muito boa também. Vou ver se consigo pôr isto lá na tasca, se não conseguir venho aqui pedir-te ajuda :)
beijocas***
Eu nunca conheci nenhum mentiroso perigoso, felizmente. Mas tive o melhor dos amigos nesse sentido do rir e rir e rir...ele dizia que era Ninja e andava só de meias em cima das pedras do caminho...a dizer que um Ninja não sente dor...mas cheio de dores, portanto. A pior (melhor) dele, foi dizer que numa viagem qualquer (que ele nem fez) engravidou a irmã da Claudia Schiffer...um desastre.
ResponderEliminarSissi,
ResponderEliminarInfelizmente a minha intuição não costuma disparar com essa rapidez. Nestes dois casos, ter-me-ia poupado grandes dissabores.
Rita,
É sabido que há casos e casos, mas acredita que no caso dela, desta de que falo, não há qualquer lugar para compaixão.
AEnima,
Claro que não. Era tão mais divertido fingir que acreditava e vê-lo alastrar-se! :)
Cenourita,
ResponderEliminarA história passou-se em 1997 e 1998. ;)
E vejo que já mudaste a caixa de comentários. Bem sei que é horrível, mas é a única que permite agora notificação de comentários.
Ruyva,
Esse amigo parece-me mais a atirar para o alucinado.