terça-feira, 8 de novembro de 2011

Comfort food

Há coisas que nunca mais poderão voltar a ter o mesmo sabor que tinham na casa da nossa infância. Cresci num tempo em que a economia doméstica era uma ciência delicada, que as mães geriam sabiamente.  Havia sempre muita cozinha de restos, ou de sobras, porque nada se desperdiçava. E é justamente desses pratos humildes que hoje tenho uma saudade maior.

Nunca voltarei a provar pastéis de massa tenra como os da minha Mãe, a massa de espessura de papel a rebentar em grandes bolhas gloriosas, eu fascinada a assistir à confecção desde o primeiro passo, quando ela moía os restos dos bifes ou da carne guisada da véspera numa maquineta que há dias fez as minhas delícias ao reencontrá-la no MasterChef Australia e me arrancou um suspiro nostálgico. Nunca voltarei a provar rissóis como os da minha Mãe. Nunca umas almôndegas me saberão ao mesmo. Ou uma tomatada com ovos escalfados. Ou a sua célebre torta de peixe, que se seguia inevitavelmente ao seu maravilhoso pargo assado no forno, rodeado de batatinhas tostadas.

Uma vez pedi-lhe a receita da torta de peixe. Nessa época a minha Mãe já tinha perdido a paciência para cozinhar. Sou uma muito fraca cozinheira, admito (se bem que faça ovos mexidos e scones como ninguém, atenção), mas consigo levar uma receita a bom porto. Fiz a torta de peixe num fim-de-semana no Algarve, com o namorado da altura, que vivia lá. Comíamos sempre fora, nos melhores restaurantes. A Ruína e o Catuna? Estávamos sempre lá caídos. Mas sair sempre para almoçar e jantar também cansa, especialmente num dia chuvoso de Inverno em que só apetece casa e o calor da lareira. Para a torta de peixe não tinha restos, claro, comprei umas postas de pescada congelada (que deram para mais duas utilizações). O resultado final não envergonharia a minha Mãe, ele ficou maravilhado com a leveza e o sabor, e com o arroz branco que acompanhava (esqueci-me de acrescentar o arroz às minhas virtudes culinárias, sempre fui especialmente talentosa com arroz, provavelmente a iguaria de que mais gosto neste mundo, logo a seguir a queijo — era capaz de viver feliz só com arroz). E, homem prático, não pôde deixar de assinalar que aquele fantástico almoço tinha ficado por coisa de cem escudos, talvez menos. Vinho à parte, claro.

Tenho algures a receita da torta de peixe da minha Mãe. Acho que um dia destes volto a ela.


6 comentários:

  1. Nada há como a cozinha das nossas mães. Há algo de reconfortante e de especialmente saboroso que dificilmente conseguimos imitar, mesmo quando se tem a receita... E é de facto notável como as mães conseguem fazer pratos deliciosos a partir do 'nada', i.e., a partir de sobras que muitos destinariam ao caixote do lixo. Eu tento, no dia-a-dia, aproveitar tudo e o meu truque passa quase sempre por fazer uma espécie de empadas recheadas com as sobras :)
    E agora isto fez-me lembrar uma amiga que costuma apelidar estes pratos de «résdon» :) uma forma simpática de dizer que vai servir os 'restos de ontem' com outra apresentação ;)

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  2. Ah, os restos. Mas ainda alguém aproveita restos? A rica sopinha de cozido, e o arroz à Valenciana (modificado) do dia seguinte eram um clássico, lá em casa. Eu faço tartes ou, com o frango, aproveito para saladas.
    (este post terminaria lindamente com a tal receita!)

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  3. ah o moinho de ferro! foi uma das coisas que meti na sacola no saque que fiz a casa da minha vó após o seu falecimento.

    lembro-me particularmente da amêndoa que ela moía ali e que deixava a cozinha com um cherinho tão pré-bavaroise de morango com molho de doce de ovos e amêndoa!

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  4. Ai ai, ler isto à hora em que começa a apetecer o almoço...

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  5. Este post é de um sabor especial e revi-me nele quase totalmente. Digo "quase" porque em minha casa quem cozinhava era o meu pai (alentejano de Portel). E como ele cozinhava!!! A minha mãe (algarvia de S.Brás de Alportel), tocava piano...
    Em comum, Teresa, para além do nosso amor incondicional pelos bichos, somos ambas arrozeiras e queijeiras! E eu acrescento que não poderia viver sem pão. Bom pão! Alentejano de preferência. E umas azeitoninhas britadas:)
    xxx

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  6. Lembrei-me da roupa velha. Uma coisa que eu simplesmente odiava quando era miuda e que hoje em dia comeria de bom grado...

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