I ♥ Miami
2004. Key West, o ponto mais meridional dos Estados Unidos (a famosa Mile 0 da U.S. 1,
que acaba em Fort Kent, Maine, quase quatro mil km a norte),
que acaba em Fort Kent, Maine, quase quatro mil km a norte),
Cuba apenas a 90 milhas. E uma private joke deliciosa (so close to Cuba!).
Foi um comentário inquisitivo e interessado da Dulce que me levou a escrever este post sobre Miami e as razões por que me é tão querida. A Dulce confessava a sua curiosidade sobre Miami, queria saber se valia mesmo a pena, se não ficaria decepcionada.
Depende, depende muito daquilo que se procura numa cidade. Não sou a mais ortodoxa das viajantes, principalmente em termos de blogosfera feminina portuguesa. Não faço compras em viagem, não perco tempo enfiada em lojas. Antes da Internet, antes da Amazon, isso sim, perdia a cabeça. Voltava carregada de livros e discos impossíveis de encontrar em Portugal. Tal como, num tempo ainda mais antigo, me precipitava para os balcões da Clinique e da Shiseido, numa voracidade tonta e fútil, só por serem marcas que não se vendiam em Portugal. A Clinique, se não me falha a memória, chegou finalmente em 1990, a Shiseido em 1992 (desta tenho a certeza, porque tinha acabado de ser posta à venda e o presente da minha irmã nos meus 32 anos foi a linha de tratamento completa). Para mim roupa é só roupa, não é coisa que me faça distrair de outras coisas que me interessam bem mais. E em viagem também o tempo é um bem precioso. Para terem uma ideia, numa viagem a Nova Iorque, a Meca de consumismo deslumbrado das bloggers portuguesas, reservo apenas a última manhã para compras. Que se resumem a meia dúzia de lembranças de viagem, talvez um ou dois cheesecakes congelados do Carnegie Deli. Vou sozinha, para me despachar mais depressa. Só no fim entro na Sephora de Times Square para comprar alguns cosméticos. Porque são mais baratos. Porque posso comprar os cremes da Philosophy, tão bons, que não existem em Portugal e que sairia tão caro mandar vir pela Amazon. A seguir é correr para o último grande almoço. Porque esse, sim, é um prazer de que não abdico, confesso: o prazer de conhecer os melhores restaurantes, aqueles que têm grandes chefes na cozinha. E prefiro mil vezes gastar o meu suado dinheirinho numa refeição requintada num grande restaurante que, muitas vezes, mais tarde, virei a reconhecer deleitada num filme ou numa série de televisão, a gastá-lo em trapos que muito provavelmente serão apenas compras impulsivas, ou, pior ainda, em carteiras de imitação (coisa que para mim é um não absoluto e enojado). E depois, claro, há o Teatro, geralmente duas peças por dia, matinée e noite, e acontece que sou muito esquisita com os lugares, só os melhores me servem. E entre Teatro e restaurantes, convenhamos, o dinheiro que sobra não dá para grandes voos.
Tudo isto considerado, também em relação a Miami a minha perspectiva é um bocadinho diferente da mais generalizada. Não posso estar-me mais nas tintas para a sua trepidante vida nocturna (aqui entenda-se South Beach), fui uma única vez a uma boîte, e apenas porque a seguir à reclusão forçada de quatro dias no hotel, por causa do furacão Frances, até isso me apeteceu. E fartei-me em menos de uma hora. Miami tem uma afluência contínua de estrelas de Hollywood, socialites como Paris Hilton ou gente que povoa habitualmente as páginas da ¡Hola!, além, claro, do habitual contingente de brasileiros deslumbrados.
Miami para mim é descanso, descanso abençoado. É aquele clima indescritível, aquela temperatura cariciosa de amplitudes quase inexistentes. O Vítor ri sempre de mim, de cada vez que saímos para jantar. Telefonamos para a recepção a pedir o carro, descemos. Assim que transpomos as portas e deixamos para trás o ar condicionado do lobby (os americanos são doidos com o ar condicionado, mesmo no pino de Agosto não arrisco ir a um restaurante sem um casaco ou uma pashmina, única forma de enfrentar aquelas temperaturas siberianas — uma vez, em Nova Iorque, a jantar na Brasserie, a chocalhar os dentes, por três vezes tive de pedir ao empregado que subissem a temperatura; à terceira até ele, que estava em movimento, concordou comigo, estava um frio desgraçado), sou atingida em cheio por aquele bafo cálido. Abro os braços e fecho os olhos, para melhor saborear. E o Vítor ri. Aliás, como é ele quem trata de todas as reservas, e muitas têm de ser feitas com bastante antecedência, antes de me vestir para jantar há uma pergunta sacrossanta que faço sempre: «Jantamos indoors ou outdoors?» E jantar outdoors tem as duas enormes vantagens de não precisar de levar casaco e de me permitir fumar.
Nada contra quem faz tais escolhas, mas eu seria incapaz de embarcar naquelas viagens "pacote completo", uma semana em Punta Cana, Cuba, Varadero, Cancún, ou sítios semelhantes. Para começar, não é uma semana, são cinco dias, que perde-se um dia na ida e outro no regresso. Depois, via de regra, fica-se confinado num resort qualquer (e em redor, geralmente, é só miséria e nada há para ver ou fazer), a ouvir guinchos enervantes de criancinhas o tempo inteiro e a assistir repugnado ao ataque selvagem a buffets de marisco de plástico e a gente que faz provisões para levar para o quarto (está tudo incluído, é aproveitar).
Miami, repito, para mim é acima de tudo descanso, tal como a Quinta da Balaia em Setembro, só que com inúmeras outras vantagens. Uma estada de duas semanas faz maravilhas por mim, repõe-me energias para muito tempo. O meu dia começa muito cedo, no terraço, a saborear um grande copázio de sumo de laranja ou uma grande caneca de Nescafé instantâneo (a cozinha completamente equipada da nossa magnífica suite de dois quartos e duas casas de banho, sala e casa de jantar, nunca serviu para mais do que aquecer água para café ou chá e guardar sumos no frigorífico). Segue-se um lauto pequeno-almoço à inglesa no restaurante do hotel, como eu gosto, ovos e bacon, queijos, outras delícias. Fico abastecida para o dia, a praia espera-me. Sempre à sombra, abundantemente barrada de protector, que com aquele sol não se brinca, mergulho na delícia de estar ali e de não ter de pensar em nada, de ficar preguiçosamente a contemplar a forma das nuvens, embalada pela música e pelo doce rebentar das ondas minúsculas na areia, o livro muitas vezes esquecido no colo. Ainda hoje associo O Código Da Vinci a essas lânguidas horas frente ao mar de Miami, foi lá que o li, que há momentos em que a alma só nos pede leituras levezinhas e inconsequentes. Pára, mundo, que eu preciso de descansar!
Claro que Miami é muito mais. E que a Florida é muito mais, por alguma razão é o destino favorito dos reformados americanos de classe média para viverem os seus golden years, é para lá que se mudam. Miami é Ocean Drive, em South Beach. Mais uma vez, remo contra a maré. Não tenho uma apetência especial pelo News, a dois passos da antiga mansão de Versace (hoje um hotel, Casa Casuarina), onde ele tinha ido tomar o pequeno-almoço quando foi assassinado. Eu gosto mesmo é do Front Porch Cafe, simples, despretensioso, e com o melhor guacamole de todo o estado, tirando provavelmente o de Key West. De ficar na sornice a ver os passantes, o empregado sempre com generosos refills de café e Coca-Cola (não há refills para copos de vinho, o que acho uma injustiça).
Miami é também o fabuloso bairro Art Déco, os hotéis de magnífica arquitectura e pormenores decorativos únicos (visitei-os todos, sim, é coisa obrigatória). Tudo isso esteve em risco de demolição (que crime!) nos anos 80, quando a cidade tinha um nível de criminalidade assustador e ninguém se atrevia a ir lá. A salvação chegou por via surpreendente, uma série de televisão que foi um sucesso estrondoso e que pôs a cidade novamente no mapa: Miami Vice. Confesso que nunca vi um único episódio, saía demasiado nessa época. E pelos esforços conjugados de muitas pessoas (entre elas Gloria Estefan) para preservar aquela maravilha parada no tempo, um tempo alegre e frívolo anterior à Grande Depressão, quando Al Capone ficava no Biltmore e os Invernos em Palm Beach eram obrigatórios para o jet set internacional.
Miami é para mim o meu querido Delano Hotel, que guarda preciosamente o meu restaurante favorito, o Blue Door. Sempre que vamos na Collins Avenue e passamos em frente, largo um suspiro extasiado a ver os diáfanos cortinados brancos da entrada, de muitos, muitos metros de altura, suavemente agitados pela brisa, mando-lhe um beijo e digo «Hello, lover!» E o Vítor ri, porque esta é outra clássica minha.
E podia ficar mais meia hora a falar de Miami, e de como me faz bem à alma. Em vez disso, recomendo-vos que vão conhecer a minha bem-amada. E posso garantir-vos que, tivesse eu muito, mesmo muito dinheiro, e a poder ter uma casa fora de Portugal, seria lá. Mesmo com o risco permanente dos furacões.
Aposto que a Gi, que há pouco tempo pôde matar saudades, ainda que só por 24 horas, é rapariga para concordar comigo.
Depende, depende muito daquilo que se procura numa cidade. Não sou a mais ortodoxa das viajantes, principalmente em termos de blogosfera feminina portuguesa. Não faço compras em viagem, não perco tempo enfiada em lojas. Antes da Internet, antes da Amazon, isso sim, perdia a cabeça. Voltava carregada de livros e discos impossíveis de encontrar em Portugal. Tal como, num tempo ainda mais antigo, me precipitava para os balcões da Clinique e da Shiseido, numa voracidade tonta e fútil, só por serem marcas que não se vendiam em Portugal. A Clinique, se não me falha a memória, chegou finalmente em 1990, a Shiseido em 1992 (desta tenho a certeza, porque tinha acabado de ser posta à venda e o presente da minha irmã nos meus 32 anos foi a linha de tratamento completa). Para mim roupa é só roupa, não é coisa que me faça distrair de outras coisas que me interessam bem mais. E em viagem também o tempo é um bem precioso. Para terem uma ideia, numa viagem a Nova Iorque, a Meca de consumismo deslumbrado das bloggers portuguesas, reservo apenas a última manhã para compras. Que se resumem a meia dúzia de lembranças de viagem, talvez um ou dois cheesecakes congelados do Carnegie Deli. Vou sozinha, para me despachar mais depressa. Só no fim entro na Sephora de Times Square para comprar alguns cosméticos. Porque são mais baratos. Porque posso comprar os cremes da Philosophy, tão bons, que não existem em Portugal e que sairia tão caro mandar vir pela Amazon. A seguir é correr para o último grande almoço. Porque esse, sim, é um prazer de que não abdico, confesso: o prazer de conhecer os melhores restaurantes, aqueles que têm grandes chefes na cozinha. E prefiro mil vezes gastar o meu suado dinheirinho numa refeição requintada num grande restaurante que, muitas vezes, mais tarde, virei a reconhecer deleitada num filme ou numa série de televisão, a gastá-lo em trapos que muito provavelmente serão apenas compras impulsivas, ou, pior ainda, em carteiras de imitação (coisa que para mim é um não absoluto e enojado). E depois, claro, há o Teatro, geralmente duas peças por dia, matinée e noite, e acontece que sou muito esquisita com os lugares, só os melhores me servem. E entre Teatro e restaurantes, convenhamos, o dinheiro que sobra não dá para grandes voos.
Tudo isto considerado, também em relação a Miami a minha perspectiva é um bocadinho diferente da mais generalizada. Não posso estar-me mais nas tintas para a sua trepidante vida nocturna (aqui entenda-se South Beach), fui uma única vez a uma boîte, e apenas porque a seguir à reclusão forçada de quatro dias no hotel, por causa do furacão Frances, até isso me apeteceu. E fartei-me em menos de uma hora. Miami tem uma afluência contínua de estrelas de Hollywood, socialites como Paris Hilton ou gente que povoa habitualmente as páginas da ¡Hola!, além, claro, do habitual contingente de brasileiros deslumbrados.
Miami para mim é descanso, descanso abençoado. É aquele clima indescritível, aquela temperatura cariciosa de amplitudes quase inexistentes. O Vítor ri sempre de mim, de cada vez que saímos para jantar. Telefonamos para a recepção a pedir o carro, descemos. Assim que transpomos as portas e deixamos para trás o ar condicionado do lobby (os americanos são doidos com o ar condicionado, mesmo no pino de Agosto não arrisco ir a um restaurante sem um casaco ou uma pashmina, única forma de enfrentar aquelas temperaturas siberianas — uma vez, em Nova Iorque, a jantar na Brasserie, a chocalhar os dentes, por três vezes tive de pedir ao empregado que subissem a temperatura; à terceira até ele, que estava em movimento, concordou comigo, estava um frio desgraçado), sou atingida em cheio por aquele bafo cálido. Abro os braços e fecho os olhos, para melhor saborear. E o Vítor ri. Aliás, como é ele quem trata de todas as reservas, e muitas têm de ser feitas com bastante antecedência, antes de me vestir para jantar há uma pergunta sacrossanta que faço sempre: «Jantamos indoors ou outdoors?» E jantar outdoors tem as duas enormes vantagens de não precisar de levar casaco e de me permitir fumar.
Nada contra quem faz tais escolhas, mas eu seria incapaz de embarcar naquelas viagens "pacote completo", uma semana em Punta Cana, Cuba, Varadero, Cancún, ou sítios semelhantes. Para começar, não é uma semana, são cinco dias, que perde-se um dia na ida e outro no regresso. Depois, via de regra, fica-se confinado num resort qualquer (e em redor, geralmente, é só miséria e nada há para ver ou fazer), a ouvir guinchos enervantes de criancinhas o tempo inteiro e a assistir repugnado ao ataque selvagem a buffets de marisco de plástico e a gente que faz provisões para levar para o quarto (está tudo incluído, é aproveitar).
Miami, repito, para mim é acima de tudo descanso, tal como a Quinta da Balaia em Setembro, só que com inúmeras outras vantagens. Uma estada de duas semanas faz maravilhas por mim, repõe-me energias para muito tempo. O meu dia começa muito cedo, no terraço, a saborear um grande copázio de sumo de laranja ou uma grande caneca de Nescafé instantâneo (a cozinha completamente equipada da nossa magnífica suite de dois quartos e duas casas de banho, sala e casa de jantar, nunca serviu para mais do que aquecer água para café ou chá e guardar sumos no frigorífico). Segue-se um lauto pequeno-almoço à inglesa no restaurante do hotel, como eu gosto, ovos e bacon, queijos, outras delícias. Fico abastecida para o dia, a praia espera-me. Sempre à sombra, abundantemente barrada de protector, que com aquele sol não se brinca, mergulho na delícia de estar ali e de não ter de pensar em nada, de ficar preguiçosamente a contemplar a forma das nuvens, embalada pela música e pelo doce rebentar das ondas minúsculas na areia, o livro muitas vezes esquecido no colo. Ainda hoje associo O Código Da Vinci a essas lânguidas horas frente ao mar de Miami, foi lá que o li, que há momentos em que a alma só nos pede leituras levezinhas e inconsequentes. Pára, mundo, que eu preciso de descansar!
Claro que Miami é muito mais. E que a Florida é muito mais, por alguma razão é o destino favorito dos reformados americanos de classe média para viverem os seus golden years, é para lá que se mudam. Miami é Ocean Drive, em South Beach. Mais uma vez, remo contra a maré. Não tenho uma apetência especial pelo News, a dois passos da antiga mansão de Versace (hoje um hotel, Casa Casuarina), onde ele tinha ido tomar o pequeno-almoço quando foi assassinado. Eu gosto mesmo é do Front Porch Cafe, simples, despretensioso, e com o melhor guacamole de todo o estado, tirando provavelmente o de Key West. De ficar na sornice a ver os passantes, o empregado sempre com generosos refills de café e Coca-Cola (não há refills para copos de vinho, o que acho uma injustiça).
Miami é também o fabuloso bairro Art Déco, os hotéis de magnífica arquitectura e pormenores decorativos únicos (visitei-os todos, sim, é coisa obrigatória). Tudo isso esteve em risco de demolição (que crime!) nos anos 80, quando a cidade tinha um nível de criminalidade assustador e ninguém se atrevia a ir lá. A salvação chegou por via surpreendente, uma série de televisão que foi um sucesso estrondoso e que pôs a cidade novamente no mapa: Miami Vice. Confesso que nunca vi um único episódio, saía demasiado nessa época. E pelos esforços conjugados de muitas pessoas (entre elas Gloria Estefan) para preservar aquela maravilha parada no tempo, um tempo alegre e frívolo anterior à Grande Depressão, quando Al Capone ficava no Biltmore e os Invernos em Palm Beach eram obrigatórios para o jet set internacional.
Miami é para mim o meu querido Delano Hotel, que guarda preciosamente o meu restaurante favorito, o Blue Door. Sempre que vamos na Collins Avenue e passamos em frente, largo um suspiro extasiado a ver os diáfanos cortinados brancos da entrada, de muitos, muitos metros de altura, suavemente agitados pela brisa, mando-lhe um beijo e digo «Hello, lover!» E o Vítor ri, porque esta é outra clássica minha.
E podia ficar mais meia hora a falar de Miami, e de como me faz bem à alma. Em vez disso, recomendo-vos que vão conhecer a minha bem-amada. E posso garantir-vos que, tivesse eu muito, mesmo muito dinheiro, e a poder ter uma casa fora de Portugal, seria lá. Mesmo com o risco permanente dos furacões.
Aposto que a Gi, que há pouco tempo pôde matar saudades, ainda que só por 24 horas, é rapariga para concordar comigo.
(porque foi a música que mais tocou no carro nas últimas férias em Miami)
Teresa, a minha experiência de Miami é de quando lá trabalhei cinco meses, há já uma série de anos. Quando cheguei o calor era tanto e tão sufocante que nos primeiros tempos não visitei nada, nem praticamente a praia!
ResponderEliminarDepois as temperaturas tornaram-se suportáveis: no inverno são perfeitas, a pedir uns belos passeios - às Keys, a Palm Beach - e muita, muita esplanada a ver passar o pessoal.
E é verdade: há lá um terreno em Key Biscayne onde eu construiria uma casa. Penso que ainda existe, e ainda está vago: custava, na época, três milhões de dólares...
Fiquei curiosa, mas à frente de Miami, ainda está Washington (para o final do ano, se Deus e a Sata permitirem), Chicago e o Grand Canyon.
ResponderEliminarCadês
Almofariza
Bonnie Tyler é uma boa pedida.
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