domingo, 4 de julho de 2010

Topo Gigio moments

A história tem mais de dez anos, mas ficou-nos, a mim e ao Vítor, a expressão, que ainda hoje usamos recorrentemente para definir aquelas coincidências inexplicáveis, às vezes até inquietantes, quando dizemos em simultâneo a mesmíssima coisa, quando enviamos um ao outro uma mensagem sobre o mesmo assunto. Sorrimos, abanamos a cabeça como quem já desistiu de perceber e dizemos apenas «another Topo Gigio moment...»

Passou-se em Londres, no princípio de Fevereiro de 1999. Tínhamos ido ver uma fabulosa produção de An Ideal Huband com Susannah York como Mrs Cheveley, tivemos a seguir um jantar indescritivelmente extravagante no Nobu, que nos deixou tão empanturrados que tivemos de fazer uma longa caminhada para lhe digerir as consequências nefastas. Estava um frio dos diabos, lembro-me bem, mas ambos adoramos andar a pé. Quando demos por nós, sempre na conversa e a rir, já estávamos no Soho. Íamos a falar do Francisco, o irmão que o segue em idade, pessoa de sentido de humor muito peculiar. De tal maneira que, insensivelmente, ao longo dos anos, adoptámos muitas expressões dele. Uma das nossas favoritas era «Ryan. Ryan O'Neal» (favor imaginar com pronúncia rasca, o R de Ryan bem carregado) a significar nada (o rien francês), nadinha de nada.

Ora o Rui, meu primeiro patrão e grande amigo para o resto da vida, era uma esponja a assimilar vícios de linguagem e expressões dos outros. O Rui foi nos anos 80 pessoa muito conhecida em Portugal, por causa de dois programas de televisão: Rui Guedes ao Piano e, mais tarde, Topo Gigio (comprou os direitos à criadora do ratinho, Maria Perego). Esta parte é importante para que percebam a história: quando se falava em Rui Guedes falava-se em Topo Gigio. Era incómodo ir com ele na rua, toda a gente ficava a olhar, mais ou menos discretamente.

Pois íamos nós, eu o Vítor, Soho fora a falar das saídas cómicas do seu irmão Francisco, quando me lembrei de uma história muito antiga, a propósito do seu Ryan. Ryan O'Neal. Tinha sido uns bons anos antes, num conselho de administração do Montepio, de que o Rui era presidente. Eu, discretamente sentada ao lado dele, tomava notas para a acta. O Rui expunha um projecto com toda a vivacidade que lhe era característica. Os outros administradores ouviam em silêncio. Um deles, mais céptico, cortou-lhe a palavra: «Está bem. Mas quanto é que isso nos vai custar?»

E o Rui, o tal mata-borrão a absorver os meus disparates, respondeu acto contínuo, com toda a firmeza: «Ryan. Ryan O'Neal» A cena seguinte foi composta por quatro administradores de caras perplexas e uma secretária (eu) a rir descontroladamente à gargalhada, logo secundada pelo Rui. E tivemos de explicar o motivo de tamanho riso. O que não foi coisa fácil.

Voltemos a Londres, àquele passeio a pé pelo Soho, numa noite gélida. Acabo de contar a história ao Vítor, rimos como uns tarados. Nisto, levanto os olhos, dou com a tabuleta de um restaurante e estaco. Dou-lhe uma cotovelada muda, a apontar a tabuleta. The Topo Gigio Restaurant, com o ratinho em grande destaque. 

Não encontrei uma imagem frontal dela na Internet. Está assinalada com a seta, na imagem lá em cima, nós vínhamos do lado esquerdo. Desde essa noite a expressão Topo Gigio moment entrou no nosso vocabulário para referir coincidências inexplicáveis.

4 comentários:

  1. Cara Teresa,
    Ha muito que nao a comentava, mas leio-a sempre. Peco desculpa pela falta de acentos e cedilhas, estou fora, numa cidade que lhe eh muito querida.
    Sao historias como estas que fazem do seu blog o meu favorito. Eh um blog com alma. Conte mais. Conte sempre mais.

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  2. P.S. Teresa, estive socialmente uma boa duzia de vezes com o seu antigo patrao e bom amigo, o Rui. Ja depois dos programas de tv, de que eu nao gostava nada. A mulher dele era de uma beleza deslumbrante. Nucha, se nao me falha a memoria.
    Isto para dizer que, mesmo nao gostando dos programas, fiquei conquistado pela personalidade do homem quando vim a conhece-lo. Dominava uma sala, tornava-se sempre no centro das atencoes, era um entertainer nato. Fiz uma pesquisa na Net com o nome dele, ha muito pouca informacao. Sei que morreu, mas nem sei quando.

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  3. Caro A.A.A.,
    É de longe o meu comentador mais simpático. Fico a ronronar com tanto elogio, fico com pena que não comente mais vezes, nem imagina o que os seus comentários fazem pela minha auto-estima (e o último já foi há muito, demasiado tempo).

    Fico sempre com a sensação incómoda de que me conhece, enquanto eu não tenho a menor pista sobre a sua identidade. Há aqui umj desequilíbrio desconfortável para o meu lado.

    Sobre o Rui: sim, era isso tudo e muito mais. Sim, a Nusha (que nós grafamos com sh) era deslumbrantemente bonita e assim continua. Andamos há três meses a tentar alinhavar um jantar, mas ela está perdida de amores pelo neto com menos de um ano. Entre um jantar para pôr a conversa em dia e a oportunidade de ficar a tomar conta do Pedrinho, ela não hesita. E os nossos jantares vão sendo adiados. Valha-nos o Facebook, que nos mantém em contacto, entre os meus horários de trabalho complicados e a recente condição de avó dela.

    O Rui morreu em 2001, logo a seguir ao 11 de Setembro. Foi a enterrar no dia em que a Marta, a filha que ele e a Nusha tiveram, a mãe do Pedrinho, fez 15 anos. E não consigo imaginar coisa mais triste, mesmo tendo o dia dos meus 15 anos sido assombrado por uma revelação perturbadora, nada se compara a isto. Quando a Marta nasceu eu estava à porta da sala de partos, fui a primeira pessoa a vê-la, depois dos pais. E o Rui e a Nusha nunca me deixaram ver o filme do nascimento da Marta, em que parece que eu choro copiosamente.

    Não se admire se a Nusha e a Marta vierem comentar aqui.

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  4. Teresa a sua memória de elefante fascina-me... Acredito que tenha histórias para encher uma enciclopédia e é sempre um prazer revivê-las.
    Fiquei intrigada com o seu Adepto Admirador Anónimo!

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