segunda-feira, 5 de julho de 2010

Colchões Lusospuma

As histórias com o Rui são infindáveis, tantos foram os anos que trabalhámos juntos. Lembro-me da tomada de posse dele no Montepio, e da reunião que convocou imediatamente com todos os empregados, para se apresentar e à equipa que levava com ele. Não vou referir nomes, são muito conhecidos, o Rui teve o cuidado de se rodear de sólidas cabeças de enorme competência, três ilustres professores catedráticos entre os assessores. Apresentou-os um a um, apresentou a nossa querida Paulinha (as histórias com a Paulinha são outro assunto inesgotável), deixou-me para o fim. E disse qualquer coisa como isto: «Esta senhora é minha secretária há muitos anos e é o meu braço direito e o meu braço esquerdo, ajuda os meus filhos nos trabalhos de casa, consola as criadas quando os namoros lhes correm mal, resolve-me dramas domésticos, descobre-me um canalizador num domingo, conspira com a minha mulher para eu me alimentar como deve ser, sabe os meus saldos bancários. Não tem horários, está sempre disponível, tem uma capacidade de trabalho impressionante. E temos um entendimento telepático. Ainda estou a começar a abordar um assunto e ela já sabe onde quero chegar, antecipa-se, somos uma linha de montagem muito afinada.»

Escusado será dizer que fiquei sensibilizadíssima com tamanho elogio público, os olhos incomodamente toldados. O que o Rui não disse, nem ficaria bem em momento tão solene, foi o muito que ríamos juntos enquanto trabalhávamos como uns cães. O riso era permanente.

Ora foi pouco depois disto que fui viver sozinha. Fui montando a casa devagarinho, a princípio comprei só o indispensável (o frigorífico foi-me oferecido pelo Rui), a minha Mãe ofereceu-me imensas coisas e foi uma ajuda sem preço, a minha irmã fez incontáveis viagens a transportar caixotes de livros e tralha diversa, até o senhor da mercearia ajudou, levou-me a linda estante antiga de que a minha Mãe  generosamente abdicou, por saber que eu a adorava. Mas, por razões que não são para aqui chamadas, a minha cama partiu-se, e tive de comprar outra. E o respectivo colchão. 

Estávamos num período de trabalho frenético, raro era o dia em que saíamos antes das dez da noite, sendo que à terça-feira, dia de conselho de administração, a coisa ia quase sempre pela madrugada fora. Eu tinha de arranjar um bocado livre para ir escolher um colchão, que no dia seguinte iam entregar-me a cama nova. Saio para almoçar com o Rui (que saudades daqueles almoços no Paris e da sua fantástica açorda de gambas!). Enquanto esperamos pelo elevador começo a dizer-lhe que à tarde preciso de sair por um bocado, pouco tempo. Entramos no elevador, o Rui a concordar, eu a explicar-lhe que preciso de comprar um colchão.

— Compre um Lusospuma —, diz ele seríssimo, a ajeitar a gravata ao espelho.

Eu, sempre pronta a acatar uma sugestão, interesso-me:

— Porquê Lusospuma? São os melhores?

E o Rui, já a dar-me passagem para sairmos, com o mesmo ar imperturbável:

— Porque você dá duas com o esforço de uma.

Suponho que conseguirão imaginar a gargalhada que dei, perante a cara muito admirada do segurança que estava sempre à saída do elevador.

2 comentários: