sexta-feira, 18 de junho de 2010

A morte de Saramago

Não foi for falta de tentativas que não gostei da sua escrita. A primeira foi com Memorial do Convento, quando foi editado, há quase trinta anos. Comecei com todo o entusiasmo, aquela abertura é digna de ombrear com as maiores de todas na Literatura universal, à cabeça vêm-me sempre as suas competidoras mais directas, as aberturas de Pride and Prejudice e de A Tale of Two Cities. A menos de meio do livro já me arrastava, eu que sou leitora compulsiva. Chegar ao fim foi um exercício de tenacidade. Novo livro, nova tentativa gorada. Ainda fui ao terceiro, com os mesmos resultados. Uns bons anos mais tarde voltei a tentar. A mesma coisa, nada a fazer.

Ainda assim, lembro-me bem de como soube do Nobel. Foi a 9 de Outubro, tinha acabado de telefonar ao Zé para lhe dar os parabéns (John Lennon também fazia anos nesse dia), ia a entrar no Colombo para almoçar com uma amiga quando o Pedro (que venera Saramago) me telefonou do Cartaxo, acabado de acordar de uma noitada: «Teresinha, é verdade que o Saramago ganhou o Nobel ou eu sonhei?»

O Pedro não tinha sonhado. Saramago tinha mesmo sido laureado com o Nobel, e eu fiquei muito feliz, só por ele ser português e por ser em português que escrevia. Também é verdade que não consegui afastar o pensamento um bocadinho amargo de que Vergílio Ferreira e Miguel Torga teriam sido mais merecedores.

Não digo que não volte a pegar num livro seu. Talvez na História do Cerco de Lisboa, que o Pedro tanto insistiu para que eu lesse, com a certeza de que daquele eu gostaria. Talvez, não prometo.

Hoje li muito disparate sobre Saramago na blogosfera, aposto que três quartos do que li foram escritos por pessoas que nunca lhe leram uma página.

Do que li ficaram-me dois testemunhos, pela autenticidade. E por tão simples e sentidos.

Este, do Robene, no seu quase sempre hilariante Xarope Pá Tosse:

Quando tinha 15 anos tentei ler um livro de Saramago que o meu pai me ofereceu. Ao fim da primeira página tinha desistido.
Dois anos depois, naqueles Verões que duravam de Junho a Setembro e não apenas 15 dias de Agosto como agora, voltei a pegar no livro. Em duas noites tinha lido o Ensaio sobre a Cegueira. Nessas férias, na praia, à noite, no café, ao almoço, ao jantar, despachei a Jangada de Pedra, o Memorial do Convento, o Homem Duplicado, a Caverna, o Todos os nomes e o Evangelho segundo Jesus Cristo. Na faculdade, sempre que poupava uns trocos no álcool e me sobrava dinheiro comprava mais uns livros dele. E não exagero ao dizer que a escrita deste homem me tornou um pouco naquilo que sou hoje.

E este, da Belota, no seu Guia das Mulheres para Totós:

Hoje é um dia triste

Tenho doze livros autografados pela sua mão, memórias de uma conversa onde partilhámos confidências sobre o Cão das Lágrimas, uma admiração enorme, e apesar de me restarem ainda alguns livros por ler, aflige-me a ideia de que quando terminar esses, não existirão mais.

Por último, o olho crítico e certeiro da Catherine Linton, no Walking in High Heels:

Dos abutres

A notícia de última hora interrompeu-me a garfada. Era hora do almoço. Morreu José Saramago. Eu, que nunca fui fiel seguidora do homem, assaltei-me de consternação. O volume da televisão aumentou e seguiu-se o carnaval previsível: ao telefone, a Ministra Canavilhas deixava o seu pesar, depois seguiram-se as declarações do Primeiro Ministro, depois as da bancada do PSD. As perguntas que se esperavam "Saramago terá feito as pazes com Portugal?", "Na sua opinião, Saramago sentia Portugal como a sua casa?", obviamente. E juro que isto é verdade, imediatamente a seguir, uma peça longa, demasiadamente longa para ter sido feita em 10 ou 15 minutos, sobre a vida e obra do Nobel.
Ocorreu-me imediatamente que a comunicação social está pejada de abutres. De profissionais que mascaram a necessidade urgente de informar segundo a segundo, e que chegam a antecipar acontecimentos, como a queda das bolsas, a detenção de um dirigente desportivo ou a morte de uma figura incontornável. Aquilo foi preparado. Levou tempo. Havia muitas imagens de arquivo, empilhadas sabe-se lá onde, que não se desencantam em dois dedos de conversa. A SIC previu a morte de Saramago e preparou-a com carinho, na sede de se antecipar à concorrência e ganhar percentagens preciosas no share.
Compreendo que seja serviço público. Não entendo é o conceito mórbido alojado nesse princípio.
Por esta ordem de ideias, os canais nacionais têm preparada a "notícia de última hora" que dá conta da morte de Manoel de Oliveira há pelo menos 20 anos. Pois então que viva muitos mais ainda, e com toda a sua vontade de trabalhar, de fazer mais, de viver como se a morte jamais fosse uma crónica anunciada. 

9 comentários:

  1. Faço minhas as palavras do Robene, com a diferença de que não li o "Ensaio sobre a cegueira" quando tinha 15 anos, mas há pouco mais de dois meses. E foi em dois dias que o li. E todos os outros, desculpa dizer-te, me fizeram até discutir para manter a luz acesa até às tantas, logo eu que, com grande pena minha, já leio para adormecer...

    Mad

    PS - Porra mais à verificação de palavras!!!

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  2. http://telemovelgratis.com/index.php?ref=1421

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  3. Confirmo o que referes (de fontes internas na RTP e outros meios de comunicação) que certas personalidades têm o seu obituário já escrito meses e anos antes da morte.

    Basicamente, quando determinado vulto começa a atingir certa idade, é compilado um arquivo de imagens e demais documentos, que é revisto e actualizado periodicamente.

    Acredita que o do Manoel de Oliveira já anda há muitos anos a ser actualizado, para enfado dos obituaristas. :P

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  4. mas que blogs sao/foram esses que disseram mal do senhor nesta ocasiao? ando muito mal informada, nao encontrie nenhum, e bem gostaria de os ir lá desancar...

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  5. Madalena,
    Acredita que tenho pena de não goistar da escrita dele, o defeito só pode estar em mim.
    Mas é uma perda. E grande.
    E qual verificação de palavras? Não há cá disso!!

    Rachelet,
    Eu sei que é assim. Mas quem referiu não fui eu, foi a Catherine. Tenho algures lá em baixo, num post antigo, uma referência a Manoel de Oliveira que me encantou.
    Ah!!! Encontrei!
    http://gotaderantanplan.blogspot.com/2009/04/dustin-hoffman-e-o-questionario-de.html

    (Madalena, aqui tens a prova de que não há cá verificação de caracteres, é neste post que refiro e num outro que vão aterrar todos os comentários de spam)

    Sem-se-ver,
    http://oblogdodesassossego.blogspot.com/2010/06/olha-morreu-o-saramago.html
    E já arranjei por lá lenha para me queimar, que não pude ficar calada.

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  6. Aconteceu-me o mesmo com o 'Memorial do Convento', com a ressalva de Blimunda e Baltazar não me conseguirem manter o interesse para sequer terminar. Nunca mais peguei em nenhum livro de Saramago, mas tenho o 'Ensaio da Cegueira' e 'Caim' para um destes dias. Não posso dizer que estou ansiosa por ler. Talvez ainda não tenha sucumbido ao encanto que tantos lhe reconhecem por falta de atenção ou de esforço. Também gosto pouco de ir em modas, e, se nunca admirei o senhor em vida, não vou agora virar hipócrita e ir a correr comprar tudo o que ele publicou. Também não o achava particularmente simpático. Em suma, lamento a morte do homem como homem, e lamento pela família e amigos. Mas não mais do que isso; sofri muito mais com a morte de Rock Hudson, por exemplo.

    Beijinhos

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  7. Honestamente, só consegui ler o "Terra do pecado" e chegou-me, não me apeteceu repetir.
    Nem Aquilino Ribeiro, qd era miúda, me deu tt sono :P
    ps:tem piada q, agora, gosto de Aquilino :)
    *

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  8. Não li tudo de Saramago.
    Comecei com História do Cerco de Lisboa, há uns bons vinte anos, desisti e recomecei. À segunda tentativa foi de seguida, sem conseguir parar. Seguiram-se Levantado do Chão, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Jangada de Pedra, as peças de teatro, Evangelho e Ensaio Sobre a Cegueira. Umas obras mais fascinantes que outras, mas sempre geniais.
    Depois do Nobel, gostei menos. Entediei-me com Todos os Nomes, não consegui acabar A Caverna. A partir daí fiz greve, até ao aparecimento de A Viagem do Elefante, que nos trouxe o velho Saramago de volta.

    Os abutres das televisões causaram-me náusea, tal como muitas afirmações de desprezo pelo homem e pela obra. Uns pobres de espírito, gente de quem nunca alguém falará, mas que fazem questão de demonstrar o seu regozijo pela morte de um dos escritores mais extraordinários das últimas décadas, pelo menos. Resta-nos que Saramago não há-de incomodar-se com gente tão menor e que a sua obra permanece connosco.

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