domingo, 7 de março de 2010

Tempus fugit

Porque sinto sempre as dores dos que me são queridos como se fossem minhas, foi um dia duro.

Missa de corpo presente e enterro do Pai do meu querido Pedro, do grupo do Liceu. Mais tarde, já no Cemitério dos Prazeres, e porque o pensamento é coisa muito caprichosa, e porque a minha memória é muito feita de imagens (de cheiros também), recuei a esses anos tão distantes que só o grande afecto que quase todos temos uns pelos outros persiste em continuar a fazer uma coisa viva (outros quaisquer já nem saberiam, já nem se lembrariam. Não os meus amigos, e também por isso me são tão queridos). Revi a imagem do Pedro lá pelos nossos 15, 16 anos, os anos em que já éramos crescidos e éramos do Pátio Sul. Revi o menino lindo de arrebatadores olhos azuis que todas as meninas do Liceu sabiam quem era. Até porque cavalgava uma refulgente Yamaha verde-mentalizado (julgavas que te livravas da minha ironia, não?) que punha muita catraia a suspirar. Eu, que nunca liguei a motores, fossem eles sobre duas ou quatro rodas, fiquei imune a esse fascínio. Mas lá que ele era bonito, um dos mais bonitos do Liceu... ah, isso não posso negar!

Não quero dispersar-me, Pedrinho. O que me veio à cabeça esta tarde, na tristeza sem fim que é aquele cemitério no qual já nem sequer me resta a esperança de ficar enterrada perto do homem que melhor me percebeu, com aquela estúpida ideia de o levarem para os Jerónimos (não se faz!) ,foi a estranheza que é esta vida. Que o menino lindo de olhos azul-pervinca viria a ser um amigo muito querido, anos, muitos anos mais tarde. Um indefectível do nosso grupo, membro de pleno direito do núcleo duro, como tão bem o definiu o João Viegas. Que eu, aquela miúda insignificante, sempre a mais baixinha da turma (a meias com a querida Vanda, um dos cérebros mais brilhantes que conheço), eternamente infantil, viria a estar, trinta e tal anos depois, no enterro do teu Pai. E a olhar de longe, ou nem tanto (eram só uns quatro ou cinco metros), para o teu sofrimento, e a doer-me com ele.

O teu Pai, Pedro, só pode ter sido uma pessoa extraordinária. Oh, sim, eu sei como é costume nestas coisas enaltecer qualidades às vezes imaginárias. Só que tenho a certeza de que não foi o caso.  O teu Pai foi uma pessoa muito amada. Eu vi o choro contido de uma sobrinha tua mesmo à minha frente junto ao jazigo, embalada pelo namorado que a abraçava sem saber como a confortar, lágrimas que não paravam de correr. Eu chorei como uma Madalena na Missa, quando todos os netos foram falar do Avô. E não fui só eu, sabes?

Pedro, meu querido Pedro... tenta chorar. Assisti de longe e aflita. E só me lembrava de uns certos versos de Rostand: «Il faut craindre surtout les orages sans pluie et les chagrins sans larmes

Sei muito bem, por também ser assim. Faz como eu digo, não faças como eu faço!

Estou sempre aqui, e tu sabes. Os outros do nosso Grupo também, e também sabes. Já pensaste que este teu tão forte estar presente no nosso Grupo também pode ser herança do teu Pai? :)

Uma última coisa, Pedro: a Missa do teu Pai foi das coisas mais comoventes que vivi em muito, muito tempo. Foi uma coisa VIVA. Entrámos atrasados (desculpa!|) e fui logo colhida pela música, e já sabes como reajo à música. Era esta que agora está a tocar, que nunca tinha ainda ouvido num cântico de igreja. Chorei muito, conversei com Deus, fiz promessas que sei que terei dificuldade em cumprir, humana e frágil que sou, mas comunguei de consciência limpa e coração inteiro.

E agora só te peço mesmo uma coisa, Pedro. Chora, por favor. Por ti, porque precisas. Por mim, por nós, todos os amigos que sabes quem são e se preocupam contigo tanto como eu, porque não aguentamos ver-te nessa aflição.

A seguir vem a Paz, meu amigo. 

2 comentários:

  1. Teresa,
    Vai permitir a intrusão desta miúda parva num episódio que não lhe diz respeito, mas não posso ler, ficar com as lágrimas a bailar-me nos olhos (e eu que raramente choro, ao ponto de ser apelidada tantas vezes de insensível), engolir em seco, e não lhe dizer que este é dos textos mais bonitos em que alguma vez tive o prazer de tropeçar.
    Acho que é por momentos destes, assim, cheios de beleza, daquela que nos magoa, mas ainda assim, tão sublimes, que tomamos as dores dos outros. Vemos nas lágrimas dos outros, as lágrimas que já derramámos e todas aquelas que não conseguimos expelir.
    Agora lembrei-me de um namoradinho de Liceu que tive, que me escreveu no caderno,

    Lacrimae amarae sed amariores quae non versatur

    e são, Teresa, são muito mais amargas aquelas lágrimas que não conseguimos chorar.

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  2. São sim, Catherine, são as mais amargas de todas.

    Houve um amigo do Liceu que me telefonou uns dias depois de eu ter escrito isto, quando leu. Só para me dar um beijinho. E a proibir-me de escrever coisa semelhante, quando chegar a vez do Pai dele, que já não deve vir muito longe. Também ele tem medo de chorar.

    Beijinho.

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