Old Souls - III
Nos dias bonitos, de manhã, a caminho do Colosso, gosto de ir a pé para o metro. Nos outros, os carregados de chuva como tem sido o caso há já nem sei quanto tempo, apanho um autocarro.
Foi assim que ontem (nem sou de me queixar do tempo, lição aprendida há muitos anos com o meu grande Mestre, Alberto Caeiro, mas já estou TÃO cansada de chuva, TÃO necessitada de sol!) entrei num autocarro. Havia um lugar livre e sentei-me. Na paragem seguinte entrou um senhor de idade. Levantei-me imediatamente e ofereci-lhe o lugar, como é óbvio. O senhor, pelo menos uns 80 anos muito compostos, recusou que se fartou. Eu, de iPod nos ouvidos, lá o convenci com um definitivo e sorridente «saio na próxima paragem». Percebi que ele continuava a falar, resignei-me a tirar o som ao iPod, já só apanhei um «mas se sai mesmo na próxima paragem, agradeço.» (deduzo que o que perdi passava por não querer aceitar o lugar de uma senhora). E continuou, graças a Deus já sentado, enquanto o autocarro dava solavancos e eu me equilibrava como podia: «Que lindo chapéu! É uma pena que as senhoras já não usem chapéu!»
Foi nesse momento que reparei melhor nele, no sobretudo cinzento de corte de alfaiate... e no chapéu cinzento de bom feltro, enfeitado por uma discreta pena cinza, a piscar o olho ao meu chapéu castanho de flamejante pena cor de fogo.
«Adoro chapéus — disse eu, como quem se desculpa —, o do senhor também é muito bonito.»
Sorrimos os dois, numa cumplicidade amiga. A seguir o autocarro deu aquela difícil curva de 90 graus a virar para o Jardim Zoológico, tentei equilibrar-me. Foi quando o vi tirar da algibeira um livro que reconheci imediatamente pela capa, que só vi de relance. Era a edição (muito manuseada) dos Livros RTP da minha infância de O Retrato de Dorian Gray, a que primeiro me deu a conhecer o soberbo romance do meu amado Oscar Wilde, lá pelos meus 14 anos.
Sorri para dentro. Éramos old souls um do outro, tive a certeza.
Há sempre mais uma Old Soul...espero que não muitos mais. AInda guardo esse tesouro...foi com ele que me iniciei no nosso Oscar....Colecção RTP e foi por influência do meu pai.
ResponderEliminarTambém o conheci dessa colecção, que existia (e existe) lá por casa. Pena tenho eu de não ficar bem de chapéu.
ResponderEliminarAbel,
ResponderEliminarTem razão, muitas Old Souls poderiam ser coisa emocionalmente esgotante. Mas não corremos esse risco. São poucas, muito poucas.
Pedro,
Talvez ache que não fica. Olhe para a imagem do seu perfil, que vê o meu amigo? Duias pessoas de chapéu!! (lol)
Give it a try!
P.S. para o Pedro, que tem um apurado sentido estético: gosta deste meu chapéu? :)
ResponderEliminar(sim, a imagem é do meu chapéu da história de ontem).
E eu gosto de chapéus, fico lindamente de chapéu, mas quando o tiro o meu cabelo fica horrível. Por isso não uso :-(
ResponderEliminarE adoro Oscar Wilde. E sol.
Gi,
ResponderEliminarDe acordo. Chapéus não ficam bem a todos os cabelos nem a todos os penteados (tenho a sorte de me ficarem a matar, toda a gente diz).
Mas protegem imenso o cabelo no Inverno! (e se há pessoa esquisita com o cabelo sou eu!)
Já estou como com o Pedro: Give it another try! :)
Também tenho boas recordações dessa colecção RTP...como de quase todos os livros. Ainda ontem fui assaltada por recordações tão doces à simples menção do Papillon!
ResponderEliminarTambém lamento que tão poucas pessoas usem chapéu, aqui "na província" eu, que insisto em usar, por vezes sinto aquela incomodidade dos olhares pousados em nós!
Ah...e a histórias da Olde Souls aparece-me particularmente pertinente na blogosfera!
Cláudia,
ResponderEliminarOusemos o chapéu, é tão bonito! :)
Papillon! Li (devorei) aos 14 anos, devo ter algures em casa da minha Mãe. Gostava de reler, para ver como reajo hoje.
Beijinho.
Julgava-o morto, e qual não foi o meu espanto quando me cruzei com ele no dia 15 deste instável mês de Junho numa loja Fnac em Barcelona.
ResponderEliminarFoi-me apresentado por uma jovem e muito simpática empregada chamada Xerazade. Juro não estou a mentir. Necessitava de algo para ler no avião. Fiquei indeciso e ao mesmo tempo curioso por viajar em tão excelsa companhia. Após algumas reticências acabei por o comprar. A curiosidade foi mais forte. Não queria ficar decepcionado e colaborar numa blasfémia ao seu grande talento, mas a verdade é que me diverti imenso com a sua contagiante e genial personalidade.
Com muita pena minha li a versão em castelhano com uma capa assustadoramente kitsch e com um título (OSCAR WILDE Y UNA MUERTE SIN IMPORTANCIA) que não corresponde em nada título original (OSCAR WILDE AND THE CANDLELIGTH MURDERS) plagiando como muito bem sabe uma das obras do Sr. Wilde.
Provavelmente não lhe estou a dar novidade nenhuma. Mas se não for este o caso e quiser arriscar a leitura, penso que estes livros – e já foram publicados três volumes – apesar de não serem uma grande obra literária ou totalmente conseguidos na sua trama policial são na minha opinião uma simpática homenagem ao nosso bem amado escritor.
http://www.oscarwildemurdermysteries.com/
A se não estou em erro a edição portuguesa é da Europa América.