domingo, 13 de setembro de 2009

Questões de vizinhança

Nunca fui de me dar com vizinhos.


Uma única excepção, os encantadores Nuno e Isabel, que moravam no andar de cima, quando eu vivia em Cascais, e as filhas, a querida Maria de 13 anos que adorava vir para minha casa ouvir música e se deslumbrava com a quantidade de CD que eu tinha, e a lindíssima Francisca de 18 anos, que eu até encontrava nas saídas nocturnas, principalmente no Van Gogo, a dois passos; ambas me tratavam por Tia, claro, como meninas educadas que eram, e para gáudio da minha amiga Paulinha, que uma vez, a chegarmos a minha casa, ela acabada de contar uma anedota de tias, ouve de repente, da janela de cima, a voz da Maria a cumprimentar-me: «Olá, Tia! 'Tá boa?» Escusado será dizer que a Paulinha levou uma canelada que lhe estancou imediatamente o riso.

Aliás, devo dizer que o Nuno é conde de A. (não vou dizer o título, claro). Eu tratava a Isabel, às vezes, a rir, por Senhora Condensa (uma muito antiga piada do Herman José). Ela gargalhava e retorquia à altura: «Ai, Teresa, não me trate por condensa que me põe tensa!»

Não era do Nuno e da Isabel que ia falar, mas faço uma agulha. Brasonadíssimos os dois, eram a simplicidade em pessoa. Muitas vezes, ao sentirem-me chegar (morávamos numa moradia geminada, eu no rés-do-chão, eles no 1.º andar, a casa deles era bem maior , mas a minha tinha jardim e uma lareira que fumava que era uma maravilha, enquanto a deles lhes invadia a casa de fumo), chamavam-me para ir jantar com eles. Lembro-me de, uma vez, num desses jantares, a Isabel estar toda entusiasmada com um aspirador caríssimo (até me mandou um demonstrador a casa), uma coisa chamada Rainbow, que à época custava uns 300 e tal contos (hoje acho que custa mais de 500, isto é... € 2500,00). E de o Nuno, conde de A., com toda a simplicidade, à minha frente, ter dito «Isabel, sabes que neste momento não estamos em condições de ter despesas dessas...» A Isabel, condessa de A., fez um ar tristinho, mas estendeu-lhe a mão e replicou «Eu sei, tens razão. Era só que eu gostava muito...»

Imaginam o que isto me enterneceu, não? Mas a história tem um final feliz: uns meses mais tarde a Isabel teve o seu Rainbow e, graças a mim, até teve direito a mais um acessório (e eu, que não comprei o bicho caríssimo, tive o meu Arraiolos da sala limpo como nunca tinha estado, graças à demonstração).

Tudo isto para vos contar que, tirando este caso único deste encantador casal, nunca me dei com a vizinhança. Só conheço os que têm bichos. No meu prédio conheço a Teresa do rés-do-chão esquerdo e a sua Laika (bem antipática, a cadelinha, lamento confessar), conheço a Catarina da cave e a sua Margarida, uma rafeirinha loira do mais rafeiroso que há e absolutamente adorável, esfuziante de simpatia. Mais ninguém.

Pronto, é aqui que começa a história (e já que me alonguei tanto, deixem que me alongue um bocadinho mais e que revele a aversão que tenho à palavra estória; se falamos do Capuchinho Vermelho, da Bela Adormecida ou do Príncipe Feliz, é uma história, se falamos do ramo do saber, grafamos com maiúscula e é a História. O resto, cá para mim, são tretas de invenção recente, ou brasileirices).

Há dias, fiquei sem uma blusa que adoro (muito mais gira do que a da imagem acima). Ao estender a roupa, e como sou uma trenga sem remédio, a cabra caiu no estendal do andar de baixo. Só hoje a recuperei.

Já exasperada, a meio da tarde escrevi uma carta a todos os moradores dos andares por baixo, e fui enfiá-la debaixo das portas. Nem meia hora depois, toca a campainha. Já não vi ninguém, a pessoa raspou-se. Mas deixou-me a blusa, tenho-a de volta. Wee!!!!

O texto eficaz:

«Boa tarde.

O meu nome é Teresa L. e sou a vossa vizinha do 2.º Esq.º.

Há cerca de uma semana, ao estender roupa à noite, deixei cair uma blusa branca de manga curta no estendal do 1.º Esq.º. Não querendo incomodar as pessoas a essa hora tardia, deixei um bilhete colado com fita adesiva na porta, explicando o sucedido e pedindo o favor de a deixarem no puxador da porta. Quando saí de casa, na manhã seguinte, o bilhete continuava lá, tal como a blusa continuava no estendal. Ao voltar a casa, à noite, o bilhete tinha sido retirado (não me parece que pelos moradores, aparentemente não estão cá) e a blusa já não estava no estendal. Admito que tenha voado e que não saibam a quem pertence.

Muito agradecia que me fosse devolvida. Há coisa de duas semanas deixei cair um par de óculos de sol que foi aterrar no quintal da cave esquerda. A senhora, não podendo adivinhar a quem pertencia, teve a grande gentileza de o pôr no parapeito do rés-do-chão, na escada, e muito lhe agradeço. Caso a minha blusa tenha ido parar a algum dos vossos estendais ou quintais, agradecia o grande favor de poder tê-la de volta.

Melhores cumprimentos.

Teresa L.»

7 comentários:

  1. Pois é, de facto é aborrecido quando vemos que somos ignorados em questões que para nós são importantes. Os vizinhos se calhar não o fizeram por mal, mas foi preciso uma carta debaixo da porta, bastante explícita,para fazer-se ouvir.

    A minha pergunta é? Qual é o equivalente blogosférico a uma carta debaixo da porta? Porque eu mandei-lhe um mail e comentários a pedir que vá ver o mail e nada. O blog é actualizado, mas de respostas nada, nem ao mail, nem aos comentários.

    Tanta assertividade para os outros e tão pouco consigo própria. Uma desilusão. Pelo seu blog tinha outra ideia de si. Enfim.

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  2. E' engracado que eu julgava que, pelo que rezava a Historia (note-se a maiuscula! eheheh), o titulo de Conde e Visconde era dado a familias burguesas (e nao nobres) por questoes de trocas comerciais e favores financeiros ao rei aquando do estabelecimento das rotas comerciais com a India, Africa e America. Especialmente nos secs XVII e XVIII houve um boom de titulos de Conde e Visconde como nunca antes (nem depois) apreciado. Alias, alguns desses titulos, em vez de dados, eram mesmo comprados pelas familias burguesas que queriam ascender socialmente.

    Infelizmente, nobres de sangue ou nao, a verdade e' que estao todos falidos. Tambem os meus bisavos eram os Duques de Viana, sem qualquer preconceito em identificar, brasonadissimos ao centro, e quem acabou por lhes comprar a quinta, a casa senhorial, todos os terrenos e propriedades e salva-los da miseria foi a filha que eles deserdaram que conseguiu fortuna por merito propria e longe da familia.

    Quanto 'a camisa, tambem eu no Porto vivia no andar terreo e no meu jardim, para alem das migalhas e cabelos dos menos educados que nao conheciam o conceito de aspirador, tambem caiam outras coisas. Se fossem valiosas guardava-as, caso contrario deixava-as 'a porta. Mas nao era eu que as ia levar aos vizinhos de cima... eles e' que as deixaram cair... eles que as venham apanhar!

    Beijinhos T, boa semana!

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  3. Excelente texto... mainada!!

    Um beijinho
    Eduarda
    made in ♥ love

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  4. Margarida,
    Não tenho mesmo tido tempo. E o su mail roeu-me as entranhas, custa-me horrores dizer não.
    Ainda não estou preparada.
    Não seja tão severa a julgar-me, mesmo stando eu tão em falta consigo. Por favor. Acho que não sabe a história toda.
    Veja a etiqueta Popeia Sabina na barra lateral direita. A verdadeira história está esboçada na caixa de comenários. Nunca cheguei a contá-la aqui, mas boa parte dos meus comentadores regulares sabem o que aconteceu.

    Agripina, a minha adorada Agripina esteve à morte, contaminada por um vírus deixado por aquela coisinha adorável que só pude ter por seis escassas horas. Tinha duas semanas de férias marcadas em Miami, das quais desisti, com prejuízo financeiro (avultado).

    Margarida, ainda não estou pronta. Veja a etiqueta Messalina Valéria, partiu a 27 de Janeiro (data do nascimento de Mozart), tente perceber o que foram os meus 15 anos com aquela gatinha única.

    Desculpe, por favor. Mas ainda não sou capaz. Não sonha o que chorei, logo eu, que achava quee já não sabia chorar.

    Um grande beijinho.

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  5. Ó Teresa,

    eu só fiquei triste porque parecia ignorar tanto o e-mail como os comentários, nquanto os posts novos iam surgindo!

    Claro que não fico chateada de não poder ou querer por agora. Aliás, como lhe disse no mail, não o escrevi esperando um SIM inequívoco (mas tinha de tentar :))!

    Não sou rancorosa, por isso, um beijinho grande!

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  6. Isto fez-me lembrar a história do "Eu tinha dois tapetes cor de laranja".

    Estão bem?


    bj

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  7. Os vizinhos...essa raça adorável. Eu ainda estou à espera de saber quem foi o atrasado mental que me deixou um bilhete anónimo na caixa do correio dizendo para ter cuidado com a trela de Sasha Margarida porque 'aquela' hora (não especificava qual) as pessoas estavam a descansar.
    Também tiveram azar, que tenho pouca paciência para cobardolas e colei um catrapázio para o prédio todo saber disso mesmo. Dizia que agradecia à pessoa que teve a amabilidade de me deixar um bilhete favor de se identificar correctamente. Foi o sururu que deves imaginar. Continuo sem saber quem foi, mas acho que a mensagem passou.

    ah, e agora n seguro a trela mais curta, o que implica que tenha de ir a correr com a Sasha pela escada abaixo. Para quem não queria barulho por causa de uma trela que uma vez por outra me escapa da mão, agora levam com os meus saltos escada abaixo. Temos pena.

    Beijos e espero que tenhas recuperado a blusa.

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