terça-feira, 27 de maio de 2008

Farewell, Mr Pollack

É como se me tivesse morrido um velho amigo.


O primeiro filme de Sydney Pollack que me lembro de ter visto — na televisão, aos 14 anos — foi o extraordinário Os Cavalos Também se Abatem (They Shoot Horses, Don't They?), adaptado do romance de Horace McCoy, que eu já tinha lido. Não se surpreendam, sempre li indiscriminadamente tudo o que me passava ao alcance, li o Diário de Anne Frank... aos nove. O livro tinha-me impressionado vivamente, e o filme não lhe ficou atrás. Aliás fez com que Jane Fonda, durante os anos seguintes, e até ao aparecimento da inigualável Meryl Streep, fosse a minha actriz favorita. Mais ainda depois de ter feito Coming Home (O Regresso dos Heróis)...

Vi The Way We Were (O Nosso Amor de Ontem — ai, títulos portugueses!), lembro-me bem, numa reposição do cinema Vox, no fim da Primavera de 84. Até fui sozinha, ao fim da tarde, não queria perdê-lo. E depois, mais tarde, já no princípio de 86, surgiu Out of Africa, indiscutivelmente um dos meus filmes (e, ao que parece, também de muito boa gente...).

Mas Sydney Pollack não foi apenas realizador. Aliás, acho que na sua imagem há qualquer coisa que denuncia flagrantemente uma pessoa muito especial, um ser humano de enorme riqueza. Foi também produtor. E actor. E até cantou.

Encontrei estas imagens da gravação de um álbum de Barbra Streisand que guardo como coisa preciosa, The Broadway Album. Podem ver Sydney Pollack na faixa de abertura, Putting It Together, de um musical, Sunday in the Park with George, do génio absoluto que é Stephen Sondheim.



Podem revê-lo também aqui, ainda sobre a mesma gravação. Não é a música que escolhi para pôr a tocar, pela simples razão de não ser uma música fácil. Stephen Sondheim raramente se deixa desvelar à primeira audição. Mas podem ouvi-la aqui — e se vale a pena! Escolhi uma outra música, na voz única de Barbra Streisand — e por estar ligada a ele, que realizou o filme. The Way We Were. Que pena não ter encontrado no Youtube a cena de Sex and the City em que o final do filme é evocado!



E , claro, deixo para o fim a inesquecível cena, incontáveis vezes revista, de Out of Africa. Que já aqui pus, naturalmente. Choro sempre, tamanha a beleza, tanto me comove a música sublime de John Barry, um nó na garganta a desfazer-se num soluço com aquelas duas mãos que se apertam em comunhão, a de Meryl Streep, esmagada, atordoada, exausta daquela visão do mundo segundo o olhar de Deus, a estender-se para trás (e no seu rosto estão todas essas emoções), para a mão de Robert Redford, em mudo agradecimento, em gritante necessidade de partilha. «A glimpse of the World through God's eye...» Os ouvidos mais sensíveis, como os do Vítor ou da Ana, repararão imediatamente que as primeiras notas de música que se ouvem, no início da cena, são as notas de indescritível beleza do Adagio do Concerto para Clarinete de Mozart, o grande Karl Böhm a dirigir. Justamente a versão que aqui pus anteontem, um dia antes da morte de Sydney Pollack, como o Huckleberry Friend fez notar. Não era premonição, era simplesmente um imenso amor pelo filme. E pela música. E Denys Finch-Hatton tinha por Mozart uma paixão exacerbada parecida com a minha...



Adeus, Mr Pollack. Obrigada, Mr Pollack.

4 comentários:

  1. Numa entrevista que vi dele há muitos anos atrás ele confessava que a forma que ele mais gostava de aprender a realizar era com os grandes mestres, como o Kubrick, daí muitas vezes fazer pequenos papeis secundários nos filmes dos outros que ele admirava (eyes wide shut, por exemplo, Hubands and Wifes do Woody Allen, etc) para ser dirigido pelos "mestres" e com eles aprender.

    Um homem de facto memorável, cuja obra e personalidade muito me marcaram.

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  2. Eu sei, eu sei, querida AEnima...
    A mim também. De outra forma... porquê um post tão extenso?
    Beijo enorme.

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  3. I'm speachless... como sempre que vejo esta cena do Out of Africa. Quem é que resiste a isto?
    Chuif, chuif... buááááááááááááá!

    Beijo, obrigada.

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  4. Acordei com a notícia da morte deste grande senhor. Curiosamente, pensei em ti. Pela forma como tão bem ilustraste a tua paixão pelo 'África minha', ao longo de vários posts, imaginei que te sentisses um pouco mais vazia ao saber de mais este desaparecimento... o Homem foi, a obra essa ficará para sempre.
    Beijinho e bom fim de semana

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