Algumas reflexões...

Depois do café de há dias com o Rafeiro e do chá nocturno com a Excomungada e a Famosa, dei comigo a pensar numa coisa em que se fala recorrentemente quando o assunto é a Internet: o muito que se mente online.

Quando dois ou mais bloggers se juntam é praticamente impossível que não comentem a blogosfera, pelo menos nos primeiros encontros. Afinal, foi isso que os aproximou, e foi a primeira coisa que tiveram em comum.

No jantar em que as quatro Cangalheiras finalmente se conheceram falou-se bem mais de blogues, das pessoas que os escrevem, daqueles de que gostamos e dos que nos irritam. Já no segundo encontro, a conversa foi-se desviando para assuntos nossos, pessoais, como é natural entre pessoas em que há uma amizade nascente.

Quando surgiu a oportunidade de um encontro, quer com o Rafeiro, quer entre nós quatro, ele foi acolhido com toda a naturalidade e tranquilidade. E porquê? Porque, pura e simplesmente, somos exactamente aquilo que dizemos ser nos nossos blogues (se bem que, por razões compreensíveis, a Diabba se veja obrigada a recolher a cauda, a camuflar os chifres e a ocultar o pezinho bifurcado).

Mais frequentemente do que gostaria, encontro blogues que me dão que pensar. Dou comigo a franzir a testa e a resmungar com os meus botões «isto cheira-me a aldrabice». E há muito que aprendi a confiar nos meus instintos. Eu e o Rafeiro até comentámos um blogue muito específico, que ambos visitamos de quando em quando, e descobrimos, surpreendidos, que pensamos sobre ele exactamente o mesmo. Mais ainda, psicólogos eméritos que somos, reparámos nos mesmos pormenores, que não fizeram senão confirmar as nossas desconfianças.

Cria-se uma persona. Inventa-se uma personagem à qual se dão atributos muito atraentes. Passa-se a ser tudo mais do que na realidade: é-se mais bonito, mais bem sucedido, mais novo, mais... Não penso que haja verdadeira intenção de dolo, no fundo não se prejudica ninguém, é inocente e inofensivo. Talvez para os outros o seja, concordo. Para o próprio parece-me um jogo perigoso. É inevitável lembrar-me de O Diário de Edith, de Patricia Highsmith, escritora de quem gosto imenso: a protagonista, a pouco e pouco, vai criando num diário toda uma vida imaginária que se vai tornando para ela, progressivamente, mais real do que a sua própria vida. Principalmente porque infinitamente mais satisfatória.

Claro que daqui não vem grande mal ao mundo, apenas a quem cria estes universos fantasiosos. E se uma dessas pessoas se vir de repente numa situação como a que nos surgiu, ao Rafeiro e a mim? Um dos seus amigos da blogosfera está afinal a poucos metros, uns andares mais acima ou mais abaixo, propõe naturalíssimamente um encontro. Que faz ela?

Banda Sonora: My Father's Favorite - Patrick Doyle