sábado, 21 de julho de 2007

A incomparável Florence Foster Jenkins

Se os vossos conhecimentos de Ópera (com maiúscula, se não se importarem) não vão muito além de saber trautear o Va Pensiero ou o La Donna È Mobile, sem lhes saber o nome e muito menos sabendo que o primeiro é o coro dos escravos hebreus do Nabucco e o segundo uma ária do Rigoletto (duas óperas do grande Verdi)... então é mais do que certo que nunca ouviram falar desta senhora.

Vai uma apostinha em como, a partir de hoje (e do momento em que lhe ouvirem a voz) nunca mais lhe esquecem o nome?

A inefável Florence Foster Jenkins foi-me apresentada pelo meu querido amigo João Navarro, teria eu vinte e poucos anos, num jantar em casa dele. Ainda em vinil. Foi igualmente num desses jantares que conheci Sandy Denny, e essa é uma dívida de gratidão igualmente eterna, mas bem diferente. Uns anos mais tarde, talvez seis ou sete, encontrou o disco já em cd numa viagem a Londres, e trouxe-mo de presente. O Victor ficou verde de inveja: "E não sabias trazer outro para mim, meu anormal?" O João desculpou-se frouxamente com um "A Teresinha é que é tarada pela ópera... não pensei que pudesses querer isto..." A verdadeira razão era bem outra: a forretice do João é proverbial. E desde sempre motivo de graçolas recorrentes nem sempre simpáticas do nosso grupo de amigos.

Seja como for, o cd foi durante muitos anos impossível de encontrar. Sabíamos que existia (eu já o tinha), mas não aparecia em parte alguma. Lembro-me de estar em Londres com o Victor, numa das nossas muitas idas lá, julgo que em 1995, e de o termos procurado na Tower Records, ou na His Master's Voice. O separador, naquela secção de música clássica que nos punha em êxtase, estava lá, indesmentível. Florence Foster Jenkins. Mas vazio. Neste momento, é facílimo encontrá-lo, e até é bem baratinho.


Com tudo isto, ainda não vos expliquei quem é (foi) a senhora. Tem a muito discutível honra de ser, provavelmente, a pior cantora de todos os tempos. Quando falei dela à minha amiga Paulinha, autêntica enciclopédia de música clássica e de ópera e que, estranhamente, não a conhecia, ela levantou uma sobrancelha desconfiada: "Pior do que a Natália de Andrade?" Esta é uma das melhores coisas de falar com quem sabe mais do que nós: estamos sempre a aprender. Eu nunca tinha ouvido falar da senhora. A Paulinha explicou-me quem era, percebi ser uma versão nacional e em pequena escala da nossa Florence. Era horrenda, concordo (está no Youtube, podem confirmar). Mas Florence deu novos significados ao adjectivo horrendo, como a Paulinha concordou, quando finalmente a ouviu: "Safa! E achava eu que a Natália era má! Volta, Natália, estás perdoada!"

Façam um insignificante investimento (o disco está muito barato, como já disse). No dia em que tiverem convidados em casa e a coisa estiver um bocadito a atirar para o murcho, ponham o disco da nossa Florence a tocar. É sucesso assegurado! Fazem um brilharete e as visitas divertem-se como doidas.

Estou neste momento separada de quase todos os meus livros (o que me corta o coração em fatias muito fininhas), fechados que estão em caixotes por tempo incerto. Gostaria muito de transcrever aqui o relato hilariante de um recital de Florence Foster Jenkins por Enrico Caruso Jr. (filho do grande tenor, há quem diga ter sido o maior de sempre) numa óptima biografia do pai, como gostaria de igualmente de poder transcrever a entrada sobre ela, de uma ironia deliciosa, no Dictionnaire des Interprètes (Bouquins). Terão de confiar em mim.

Fiquem com esta homenagem que lhe é prestada no Youtube. Para não vos traumatizar demasiadamente os ouvidos, decidi pôr aqui a mesma ária da minha Flauta Mágica (entre todas a ópera por mim mais amada) por uma grande cantora. É a segunda ária da Rainha da Noite (eu sempre preferi a primeira). Florence assassina-a desapiedadamente, há momentos em que mais parece um cão a ganir, nem mesmo eu conseguiria cantar isto TÃO mal, e olhem que sou contralto...

Noutro dia vos falarei de dois outros grandes vultos: Mrs Miller e Mary Schneider.

Agora riam comigo a ouvir Florence Foster Jenkins. Incomparável, repito.


17 comentários:

  1. Teresa,
    sabes o quanto sou dura de ouvido, mas acho que já não me ria assim há uns tempos!! É mesmo muito má!!
    A minha Maria canta (ladra) muitoooo afinidinha, comparada com isto...

    Beijo d'enxofre

    ResponderEliminar
  2. a cadela, ou o cão (não sei)... dos meus vizinhos consegue cantar bem melhor...

    beijo grande

    ps: perdi o link das fotos (andei a inventar no meu pc!), ainda não tinha visto metade... desculpa... envias-mo novamente? obrigada

    ResponderEliminar
  3. Claro que o canídeo dos vizinhos só pode cantar melhor... ;)
    Eu vou ouvir muitas vezes, a ver se consigo não me rir quando o meu dono começa a cantar...

    ResponderEliminar
  4. Delirante!!

    O que eu e o Thunder já nos rimos aqui!

    Apesar de tudo não deixei de ficar com uma certa pena da senhora, especilamente pela informação que estava contida no vídeo, em especial a de ela ter morrido a pensar que tinha sido um sucesso.

    MAs não só morreu "feliz" como satisfez o seu sonho!

    E vivam os sonhos, certo?

    Beijos

    ResponderEliminar
  5. Ri a bom rir!

    Não conhecias a grande Natália de Andrade????

    ResponderEliminar
  6. Mais uma vez a História pode funcionar como escola, nesta difícil agonia: um raminho de salsa ( no caso dos suíços dois pedacitos de queijo ) nos ouvidos será a solução; em espectáculo ao vivo, poder- se- ía aplicar a imparável táctica que acompanha a expressão " NÃO CANTARÁS! NÃO CANTARÁS!". Eu, por mim, estou safo: tenho a placa de som com providencial avaria! Que sorte!

    ResponderEliminar
  7. Diabba, Maria Cunha e Van Dog,
    Estamos todos de acordo: um cão, qualquer cão (até mesmo um cão com pouco ouvido musica) canta melhor do que ela!

    Beijos.

    Thunderlady,
    Os raros concertos que ela dava esgotavam sempre, os bilhetes eram disputados.
    Actuava nos preparos que vês na capa do disco, e havia uma canção (Clavelitos, que cantava vestida de florista, com um cesto de cravos no braço. Ia atirando os cravos ao público e, quando se acabavam, desatava a recolhê-los para poder continuar a tirá-los!

    Um beijo.

    A4,
    Está enganado, quanto aos suíços. As situações com queijo são na orgia, quando se deixava cair um pedacinho de pão na fondue, com penas sucessivamente mais graves. O batão para o 1.º, o chicote para o 2.º e, para o 3.º... (Oh! Deixei cair o meu 3.º pedacinho de pão!, diz um cretino com ar deliciado)... o lago, com um peso amarrado aos pés.

    ResponderEliminar
  8. Querida Teresa,
    Tenho pena de não conhecer a senhora pois contratava-a para um dueto com o Zé Cabra e seria o duo sucesso deste Verão, eu ficaria rico e teria dado a oportunidade ao duo de massacrar mais uns milhares desta vez em conjunto.
    Beijos

    ResponderEliminar
  9. Alf,
    Pois não conhecia mesmo a Natália de Andrade!
    Imperdoável, não é?

    Querido Afgane,
    Não é o primeiro a associar a senhora ao Zé Cabra... :)
    O que é feito da Kuska, está fora? Tenho saudades dela!
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  10. Caramba! Não passa nenhuma...! Mas está bem, pronto, eu chicoteio- me!

    ResponderEliminar
  11. Ainda estou a chorar de tanto rir.
    É no que dá ter dinheiro: quem quer,pode!

    Bjufas!

    ResponderEliminar
  12. Eu, para me animar a festa, basta sair...hehehe. Obrigado pela dica, e vou procurar a senhora.
    Beijos

    ResponderEliminar
  13. Azul,
    Lembro-me bem da primeira vez que a ouvi, e nem sei o que era maior, se a vontade de rir ou a incredulidade - acho que ao princípio achei que ela estava a brincar...
    Beijoca.

    ResponderEliminar
  14. Eskisito,
    Podes crer que é uma inestimável aquisição para qualquer discoteca...
    Beijos.

    ResponderEliminar
  15. Prefiro e acho mais cómico a Natália de Andrade, que não era milionária e não tinha o inglês como língua-mãe.
    Raul

    ResponderEliminar
  16. céus... meus pobres ouvidos...
    as coisas que tu descobres...

    ResponderEliminar