domingo, 27 de maio de 2007

Charles Aznavour - Comme Ils Disent

Uma música à parte. Notável. Aznavour, heterossexual indesmentível, como provam à saciedade as cinco vezes que passou pelo altar – no final dos anos 60, o seu casamento com uma sueca mais nova do que a sua própria filha fez correr rios de tinta – veste a pele de um travesti, canta na primeira pessoa (nunca será de mais lembrar que música e poema são dele), num tom repassado de melancolia, uma história que nos nossos dias começa a ser aceite mas que, na época (1972!), era absolutamente revolucionária. 

Tive há anos um namorado odiosamente homófobo. Graças a Deus, tinha um excelente francês. Um dia pus-lhe esta música, exigi que ouvisse a letra com atenção. O que lhe faltava em aceitação dos outros, quando menos enquadrados em esteótipos absurdos de dever ser, sobrava-lhe em bom gosto e em sensibilidade musical. Ouviu este Comme Ils Disent até ao fim. Pediu para ouvir novamente. E depois mais outra vez. Acabou por se confessar espantado com a enorme dignidade que perpassava em cada frase. Obrigada, Charles Aznavour. Comme Ils Disent fez o Pedro pensar, fê-lo sentir que há realidades que, por mais diferentes da nossa, não são menos dignas de respeito. O que fez dele uma pessoa melhor. Isto até poderia remeter-nos para outros assuntos, mas prefiro cingir a coisa ao essencial: esta música fez nele o que nenhuma manifestação Gay Pride poderia ter conseguido.

Tenho uma pena imensa de que poucos entre os tão poucos que me lêem conheçam o francês, pelo menos ao nível que esta música merece. Pela subtileza, pelos pequeninos apontamentos, por este ou aquele adjectivo que desenham uma realidade a beirar o trágico. A personagem é tão verdadeira que comove. Só um grande artista poderia ter escrito isto.

Encontrei a música no Youtube. Aqui fica. Para não colidir com o ficheiro audio, é só ir ao topo da barra lateral e parar a reprodução. Vale a pena, confiem em mim.
Fiquem com os versos finais:
Nul n'a le droit en vérité de me blâmer, de me juger et je précise
Que c'est bien la nature qui est seule responsable si
Je suis un homme oh! ... comme ils disent...

 
COMME ILS DISENT (1972)
J'habite seul avec Maman dans un très vieil appartement Rue Sarasate
J'ai pour me tenir compagnie une tortue, deux canaris et une chatte
Pour laisser Maman reposer très souvent je fais le marché et la cuisine
Je range, je lave et j'essuie à l'occasion je pique aussi à la machine.
Le travail ne me fait pas peur, je suis un peu décorateur un peu styliste
Mais mon vrai métier c'est la nuit que je l'exerce travesti je suis artiste
J'ai un numéro très spécial qui finit en nu intégral après strip-tease
Et dans la salle je vois que les mâles n'en croient pas leurs yeux
Je suis un homme, oh! ... comme ils disent





Vers les trois heures du matin on va manger entre copains de tous les sexes
Dans un quelconque bar-tabac et là on s'en donne à coeur joie et sans complexe
On déballe des vérités sur des gens qu'on a dans le nez on les lapide
Mais on le fait avec humour enrobé dans des calembours mouillés d'acide.
On rencontre des attardés qui pour épater leur tablée marchent et ondulent
Singeant ce qu'ils croient être nous et se couvrent, les pauvres fous, de ridicule
Ça gesticule et parle fort, ça joue les divas, les ténors de la bêtise
Moi les lazzi les quolibets me laissent froid puisque c'est vrai
Je suis un homme oh! ... comme ils disent




À l'heure où naît un jour nouveau je rentre retrouver mon lot de solitude
J'ôte mes cils et mes cheveux comme un pauvre clown malheureux de lassitude
Je me couche mais ne dors pas je pense à mes amours sans joie si dérisoires
À ce garçon beau comme un dieu qui sans rien faire a mis le feu à ma mémoire
Ma bouche n'osera jamais lui avouer mon doux secret mon tendre drame
Car l'objet de tous mes tourments passe le plus clair de son temps au lit des femmes
Nul n'a le droit en vérité de me blâmer, de me juger et je précise
Que c'est bien la nature qui est seule responsable si
Je suis un homme oh! ... comme ils disent...



10 comentários:

  1. Soube tão bem ouvir 'Comme Ils Disent'! Tenho grandes pérolas da música francesa à tua conta e oiço-as muitas vezes :) Adorei a cara nova do blog! Beijo grande, Teresa querida :)

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  2. queridas Teresa e Teodora

    só para assinalar a minha leitura deste post e para dizer que não conhecia a caricatura do homenageado. Está uma graça!

    também não conhecia esta canção...

    très touchante!

    beijinhos.

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  3. Passa pelo meu blog. Curiosoamente, através de uma música do Aznavour, disseste o mesmo que eu.

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  4. Eskisito,
    Parece-me que estávamos a trocar comentários ao mesmo tempo. Sintonias.
    Um beijo.

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  5. Carlinha,
    A música francesa tem mesmo grandes pérolas, hoje em dia desconhecidas de quase toda a gente. Nos anos 60 ainda se ouvia-se muito em Portugal, e foi desaparecendo lentamente. Do que se faz hoje não sei absolutamente nada...

    Kuska,
    Também eu desconhecia a caricatura, encontrei-a quando procurava fotografias dele para ilustrar os posts.

    Beijos grandes às duas.

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  6. Querida Teresa,
    este escapou-me há pouco mas ainda venho a tempo. Depois de ler todo o post fiquei a conhecer um pouco mais do artista e a reflectir um pouco sobre a obra que nos legou. Não sou grande apreciador da música francesa, também porque conheço muito pouco, talvez mais os amplamente divulgados, mas reconheço ser uma lacuna na minha formação musical. Talvez procure preencher essa falta num futuro próximo.
    Beijos

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  7. Querido António,
    Como esta já não está aqui disponível, se quiser eu envio-lha por mail. Ou qualquer uma das outras.

    Ah! Estou sem netcabo, isto é, não consigo abrir a caixa postal, estou a usar a do Gmail.

    Um beijo.

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  8. "Aterrei" aqui, vinda do Rafeiro Perfumado.
    Foi bom! Muito bom mesmo!
    O Aznavour era e é um artista que eu adoro ouvir. Não sei porquê mas muitas das suas canções ainda me conseguem fazer arrepiar.
    Uma voz espectacular, melodiosa e que canta como ninguém.
    Tal qual o Vinho do Porto: quanto mais velho melhor!
    Lembro-me de ouvir esta canção vezes sem conta.
    E tenho uma amiga em Paris que , a última vez que esteve uns dias aqui em minha casa me disse:" Ele já está muito velhote! Não pode deixá-lo morrer sem o ver ao vivo. Quando ele cantar no Olympia de Paris vamos as duas vê-lo"
    E eu espero que me telefone para apanhar o primeiro avião e ir, finalmente, ver e eouvir, esse grande senhor da música
    bom fim de semana

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  9. Turbolenta,

    (com "o"? Que engraçado! Tem algum significado especial?)

    As visitas aqui são sempre bem-vindas. Se vêm do Rafeiro, que eu considero uma espécie de meu padrinho nos blogues, são duplamente bem-vindas. E se gostam tanto de Aznavour como eu, mais ainda!

    Avise-me quando souber de yum concerto dele, sim? É que até tenho facilidade em arranjar bilhetes... Também eu não queria deixar de o ver cantar ao vivo. Mesmo velhote... quero lá saber!

    Volte sempre, um beijo.

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  10. Ganda post! Do Aznavour nem é preciso falar, sabes que eu o amo tanto como tu. Só não lhe perdoo a sueca...
    ;-)
    Beijo

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