sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Obituário

Vale a pena ler estas palavras da minha Rita sobre um blogue que eu nem sequer conhecia, porque nunca fui exactamente uma fada do lar e blogues de cozinha sempre me passaram quase completamente ao lado. Mas o da Elvira, que foi pioneiro e incentivou a criação de muitos outros, parece que era especialmente bom.

A Elvira partiu, mas teve a generosidade de deixar os seus dois blogues de culinária (um em francês) perenemente abertos. A Rita teve a generosidade de connosco partilhar a Elvira e as suas receitas. A Rita, neste curto texto (como lhe admiro a concisão!), mais do que homenagear a Elvira, devolveu-a à vida, e acrescentou-a pelo menos à minha vida. E, de caminho, a Rita discorreu sucintamente sobre a blogosfera como era em anos distantes, quando de facto se criavam laços.

Os mesmos laços que me fizeram receber, no meu primeiro internamento no IPO, há seis anos, um deslumbrante ramo de flores numa sinfonia de branco, enviado por uma então (fisicamente) desconhecida, por acaso até ausente do país, de férias em Itália. Quem? A Rita, pois claro.

Não, a história de "isto são só blogues" não pega connosco, os da velha guarda. Não eram só blogues. A atestá-lo, o próxima que continuo a sentir-me de meia dúzia de pessoas desse tempo antigo, com quem mantenho contacto quase diário.


Comecei a ler este texto da Joana Roque como quem lê uma homenagem a uma pessoa de que gosta – no caso, a Elvira do Elvira’s Bistrot e antes disso da Tasca da Elvira, o primeiro blogue dela que li e que me obrigava a consultar o dicionário para encontrar ingredientes. Nada no título nem nos primeiros parágrafos me preparou para a tristeza enorme de descobrir que o texto era uma homenagem póstuma, que a nossa Elvira tinha morrido.
Nunca tenho paciência para as pessoas do “isto são só blogues”, como se fôssemos menos pessoas quando escrevemos na internet ou nos medíssemos por bitolas diferentes, tal como tenha pouca paciência para blogues pensados de raiz para a sua mercantilização – poderá haver exceções, mas todos os blogues que fazem dinheiro de que gosto nasceram como simples blogues antes destes novos tempos das fotografias profissionais, dos targets, da especialização. Numa altura em que éramos um conjunto de pessoas que se lia entre si e se firmavam cumplicidades, amizades verdadeiras, amores até e, claro, também ódios de estimação. Em que aprendíamos uns com os outros, ríamos com as peripécias de desconhecidos, ficávamos tristes com os seus infortúnios, trocávamos recomendações,  e, no caso dos blogues de cozinha, receitas.
Nunca a conheci pessoalmente nem troquei com a Elvira muito mais do que comentários específicos, sobre cada post ou mensagens curtinhas. Mas ela fez parte da minha vida, acompanhei à distância a sua doença e outros problemas que enfrentava e fiquei tristíssima com a notícia. Se calhar especialmente triste por saber que os seus últimos tempos foram difíceis, que a vida não lhe deu a redenção que sinto que merecia.
Na minha cozinha há um caderninho amarelo – cozinho muito da internet, mas as receitas mesmo boas, as que são para ficar, são passadas para o caderninho amarelo. Lá estão, pelo menos, assim de cor, um bolo de azeite e laranja de Barrancos e uma sopa de grão maravilhosa, duas receitas que adoro, que devo à Elvira e que são parte do meu património culinário e serão parte do património culinário da minha filha.
Este fim de semana vou fazer as duas – mesmo que não tenham nunca lido o blogue da Elvira, recomendo-vos muito que experimentem, para que a forma generosa como partilhava o muito que sabia e que cozinhava continue viva. Acho que ela iria gostar.

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