domingo, 16 de março de 2014

Uma questão de perspectiva


Apresento-vos o meu primeiro computador, o histórico Apple IIc, ainda com disquetes de 5 ¼ (espreitem aqui esses objectos jurássicos). 

Felizmente o tempo do nosso convívio foi muito curto, porque a Apple lançou em Janeiro de 1986 o Macintosh Plus com disco rígido e uma novidade espantosa: um rato! Ora o Rui foi um verdadeiro pioneiro, andava sempre muito à frente de qualquer pessoa que eu tenha conhecido, e o belo Macintosh veio fazer as nossas delícias, maravilhando-nos com o seu incrível desempenho.

Em 1986 estávamos a começar a preparar três livros que foram um trabalho monumental, fotobiografias do Porto, do Benfica e do Sporting. A pesquisa de informação era simultânea, e o nosso Mac foi um amigo inestimável para organizar e ordenar todos os dados, com outro bicho qualquer teríamos levado uns bons quatro anos para coligir tudo. A única decisão a tomar era qual dos livros sairia primeiro, e foi uma enorme sorte o Rui ter optado pelo do Porto, porque em 1987 o clube foi campeão europeu pela primeira vez e o livro, bastante caro , saiu... (tcharan!) dois ou três dias depois, com vendas espectaculares.

Dou agora a palavra ao Rui, no prefácio do livro, para vos contar como a coisa foi feita.


«A PESQUISA E O CRITÉRIO DE PUBLICAÇÃO

Quando pensei fazer esta Fotobiografia do F.C.P. não sonhava as dificuldades que me iriam surgir pela frente. Estava convencido de que tudo tinha já sido dito e redito, escrito e reescrito, publicado e republicado, e que o computador com que faço outros trabalhos de investigação seria o modo de reunir toda essa informação, arrumá-la e ordená-la à minha conveniência.
Estava enganado. Afinal, o jornal A Bola (eventualmente o maior armazenador de dados concretos) só apareceu em 1945; a História do Futebol Clube do Porto, de Rodrigues Teles [três volumes gigantescos, bem me lembro], se bem que reunindo preciosa informação (até 1952), está desarrumada por ter sido publicada em fascículos e perigosamente envolta num mar de gralhas, omissões e sobretudo de contradições de datas e de factos de página para página; e, ainda para maior desespero, o próprio Clube não tinha quase nenhum documento ou informação que não fossem muito recentes.
Tinha pois de começar pelo princípio.
Com um total de doze colaboradores, procurámos na Biblioteca Nacional todos os jornais e publicações desportivas desde 1890, contactámos e entrevistámos particulares que possuíam documentação, lemos todos os livros sobre futebol e sobre o Futebol Clube do Porto e, página a página, extraímos dados dos jornais A Bola, O Século, Diário de Notícias, O Primeiro de Janeiro, Jornal de Notícias e O Comércio do Porto. Vasculhámos ainda o Clube, os «ferrenhos portistas», velhos coleccionadores, antigos jogadores, etc. [foi assim que conheci dois dos lendários Cinco Violinos, Vasques e Travassos, podem invejar-me, sportinguistas]

[e agora podem pasmar e rebolar a rir com a informação que se segue. Discordei do Rui, achei que era desnecessário pôr isto no prefácio, e não fui a única, ainda bem que ele levou a sua avante, ou teríamos perdido para sempre o prodígio que se segue]

Toda a informação recolhida em mais de um ano de intensa pesquisa foi então informatizada e tratada num novo computador mais ágil e mais potente (um Apple Macintosh Plus com 20 megabytes de memória), o que permitiu fazer este trabalho em tempo recorde, ordenando, comparando e analisando os dados constantes em cerca de dois milhões de caracteres.»

Para finalizar, apenas alguns apontamentos divertidos que me vêm irresistivelmente à memória. As pesquisas na Biblioteca Nacional (só até 1960, depois tivemos de passar para a Hemeroteca Municipal) tiveram aspectos caricatos. Nos primeiros anos, quando farejávamos as primeiras notícias sobre futebol em jornais ainda do século XIX foram difíceis para mim, tamanha a dificuldade em concentrar-me no que interessava, os olhos a fugirem-me gulosos para outras notícias e, principalmente, para os anúncios. E sim, li todos os números de A Bola entre 1945 e 1987. Quase todos os dias via Vasco Pulido Valente sentado a uma mesa perto da minha na sala de leitura, bem percebia que ele deitava olhares intrigados para os enormes volumes abertos que eu consultava e de que tirava apontamentos — fingi sempre que não o via, tinha sido meu professor (extraordinário, por sinal) e eu embirrava muitíssimo com ele. Num dia qualquer encontrei o Pedro Oom, então a acabar o curso, que pasmou para a minha leitura, entre o atordoado e o invejoso, «Você está a ler A Bola?!»

A tal equipa de 12 colaboradores era mais ou menos coordenada por mim, que era aliás quem depois passava tudo para o computador, e o Rui chegou a apanhar fúrias. O Francisco, que viria a ser seu cunhado, e um outro, um tal Paulo, passavam mais tempo a fumar na varanda ou na cafetaria do que frente aos jornais, o que redundava depois em comentários cortantes e demolidores que resvalavam por eles como água pelas penas de um pato, «mas como é que a Teresa tem vinte e tal páginas de resultados e vocês têm uma e meia e duas?!» E era isto quase todos os dias, foram ambos delicadamente dispensados ao fim de um ou dois meses.

Foi também na Biblioteca Nacional que um dia comecei a reparar que demasiadas pessoas me olhavam disfarçadamente para os pés. Quando percebi o motivo fiquei gelada até à medula: tinha um sapato azul e outro preto (eram de pares iguais), e tive de andar muitas horas naquela penosa figura.

5 comentários:

  1. Viva, D. Teresa.
    Já comentei na caixa do / blogue, mas quero transmitir-lhe igualmente aqui:

    Grato pela mensagem colocada no meu blogue "Lôngara...", que realmente muito me interessa, quero dar-lhe conhecimento, também que, depois desse, criei um outro blogue de continuação, no qual, "Memória Portista", publiquei mesmo um artigo dedicado ao Rui Guedes. E nisso faltou-me uma foto ou algo mais... como pode verificar em
    http://memoriaporto.blogspot.pt/2013/09/rui-guedes-heroi-portista-da-

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  2. Caro Sr. Armando Pinto,
    A filha mais nova de Rui Guedes já leu o seu artigo, que muito a sensibilizou, e vai disponibilizar-lhe com todo o gosto algumas fotografias, que depois lhe enviarei.

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  3. Pacman! Pacman! Pacman! Ai que o Ernesto já nem conseguiu ver ou ler mais nada!

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    1. Confesso que tive de ir ao Google. Deduzo que seja portanto o jogo que aparece na imagem do Apple IIc. Nunca joguei nada nele. :)

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