Friends e uma certa nostalgia
Comentava ontem aqui a Wallis que achava que Friends não envelhece. É com um enorme e enternecido sorriso que discordo. Envelhece, sim. Mas envelhece com um enorme encanto, trazendo até nós imagens que eu, sendo bem mais velha do que a maior parte dos meus leitores, tenho bem presentes na memória.
Agora que me pus (mais uma vez) a rever a série, convido-os a acompanharem-me numa breve digressão. E lembremo-nos de que a primeira temporada começou em 1994. Seria interessante tentar atribuir idades a todas as personagens, com a premissa de que Ross e Chandler são os mais velhos: foram colegas de universidade (quando Rachel e Monica estavam ainda no liceu), ambos têm trabalhos estáveis e bem pagos, Ross tem um doutoramento e acaba de se separar da mulher. Joey e Phoebe talvez andem pela mesma idade, ficando a meio entre os outros.
Comecemos pelos telefones. Os telefones sem fios são coisas descomunais, até o meu primeiro Panasonic (comprado em 1995, quando o fixo com gravador de chamadas se avariou pela segunda vez e não valia a pena gastar mais dinheiro a arranjá-lo, porque entretanto já tinha telemóvel) era mais pequeno. O que nos traz uma outra questão muito curiosa, precisamente a dos telemóveis. Encontrei na página do Banco Mundial estatísticas muito interessantes quanto ao à sua utilização per capita entre os anos de 1994 e 1998. Os países nórdicos como a Noruega, a Dinamarca, a Suécia ou a Finlândia, muito destacados, bem à frente do Japão ou dos Estados Unidos, o que não deixa de ser um bocadinho estranho. Sabemos como os japoneses sempre foram taradinhos por novas tecnologias — foi a Sony a criar o walkman, e o meu primeiro telemóvel era precisamente dessa marca, um saudoso e robusto Sony 1000 que me foi oferecido. Nos Estados Unidos a coisa tem contornos bizarros, e as imagens das séries de televisão desses anos confirmam-no. Em toda a primeira temporada de Friends vemos um único telemóvel, no episódio do apagão, quando Chandler e uma manequim da Victoria's Secret ficam fechados numa caixa de multibanco. Nas primeiras temporadas de Sex and the City (1998) ou de Ally McBeal (1997) também mal damos pela sua existência, numa época em que nenhum dos meus amigos do Liceu, por exemplo, já dispensava o seu. Mas só isso seria matéria para extensas cogitações, prefiro ficar-me pela teoria de um outro amigo meu, a ligar-me de Nova Iorque lá por 1998: muita gente tinha telefone no carro, era estúpido andar ainda por cima atrelado a um telemóvel.
Outra questão ainda mais curiosa é a das mensagens de texto, nas quais os miúdos americanos parecem hoje viciados. Eu devo ter sido pioneira na sua utilização, que começou em 1996, quando ainda só eram possíveis dentro da mesma rede e só havia Telecel e TMN. Não me lembro ao certo quando puderam ser transmitidas para operadoras diferentes, mas o meu palpite vai lá para 1999, quando eu e os meus amigos já comunicávamos imenso por essa via. E nos Estados Unidos? Estão sentados? Preparem-se, minhas queridas crianças, para uma enorme surpresa e leiam este excerto de Buzzmarketing, de Mark Hughes (2005) — e só sei disto porque fiz a revisão da edição portuguesa.
«Text Messaging Meets American Idol
It's January 2003, season two of American Idol, and the audience is given the opportunity, for the first time, to cast votes by text message. In one request, American Idol did for text messaging what the biggest and best ad agencies couldn't do.
American Idol taught America how to text. Big time. In 2003, 7.5 million text votes were sent in to the show, and 33 percent of those people had never before sent a text message in their lives. In 2004, 13.5 million text votes were cast. In those two seasons, more than 7 million people learned how to text message because of American Idol. Jupiter Research Analyst Avi Greengart stated that "American Idol probably did more to popularize SMS than anything else."
According to technology research from InStat/MDR, overall U.S. text message rose from 11.9 billion messages in 2003 to a projected 30.2 billion in 2004.
Single-handedly, American Idol exploded the text message marketplace and taught America how to text.»
Isto é ainda mais interessante quando sabemos pelo mesmo livro que a AT&T Wireless já tinha estoirado ingloriamente 120 milhões de dólares em duas tentativas para promover as mensagens de texto (que estavam a ser vendidas como pãezinhos quentes na Europa e na Ásia), a segunda das quais na edição de 2003 da Super Bowl, terreno lendário para lançar novos produtos.
Mas voltemos a Friends. E os computadores? Ah, os computadores são outra delícia! Na primeira temporada, vemos apenas dois enormes caixotes sobrepostos na secretária do gabinete de Chandler, o disco e o monitor cicóplico. Lembremo-nos de que o sistema Windows foi lançado apenas em 1993. Eu trabalhava com Word, Excel e PageMaker desde 1986, e fazia uma cara muito intrigada — e ignorante — quando me perguntavam que linguagem usava. Linguagem? Hã? E falavam-me em Descartes, e em Cobol, e MS-DOS e outras coisas que para mim, que usava o Macintosh da Apple, eram chinês (e estou a ver que tenho de voltar a este assunto).
Na segunda temporada (1995), Chandler aparece excitadíssimo com o seu potentíssimo portátil. Fiquem com a cena:
WOW!!! 12MB de Ram, 500MB de disco, built-in spreasheat capabilities e um modem de 28 K Bps!
Não concordam que é de enternecer? A minha primeira pen, comprada nove anos mais tarde, no princípio de 2005, e que guardo carinhosamente, tem 512MB. E o meu iPod tem 160GB. Pois.
1994
2004
É engraçado as mensagens terem demorado a pegar nos EUA... Por outro lado, uma coisa que nunca pegou cá foi o atendedor/gravador de chamadas nos telefones fixos, omnipresente nos filmes americanos. Porque será?!... :-)
ResponderEliminarA questão é engraçada, sim. Eu tive um, da Panasonic, com telefone incorporado e que permitia (luxo revolucionário!) 12 teclas de marcação directa, devo tê-lo usado durante uns sete ou oito anos, mas de facto não me lembro de muito mais gente que também tivesse. Mas dava um jeitão, e cheguei a guardar algumas cassetes por conterem mensagens muito especiais. Nem sei para quê, as cassetes eram minúsculas, nem tinha maneira de as ouvir fora do telefone. E aliás só o comprei quando fui viver sozinha, em parte por graça, em parte por sair quase todas as noites e, como tal, passar muito tempo fora de casa.
ResponderEliminarUma coisa que me esqueci de referir no post é que Ross, na primeira temporada, aparece com um pager, para poder ser informado onde quer que esteja quando Carol entrar em trabalho de parto. Em Portugal nunca conheci ninguém que tivesse um, deduzo que não tenha havido nenhuma companhia a lançar o serviço cá, mas lembro-me de, em 1985, ter conhecido na Suíça várias pessoas que o usavam, e encontrei informação aqui: Pager.
Na Anatomia de Grey vemo-los sempre de serviço, condiz com a informação e faz todo o sentido: um circuito fechado em que há restrições sérias para a comunicação por telemóvel.
Eu tive um atendedor de chamadas, Teresa, e lembro-me bem da decepção de chegar a casa e não ter nenhuma gravação.
ResponderEliminarTambém tive um pager (guardei-o até há pouco tempo, mas já o devo ter deitado fora).
E a minha teoria é que nos países com bons serviços telefónicos fixos os telemóveis tiveram mais dificuldade em entrar.
Em relação às linguagens de programação, achei muita graça à brincadeira com "descartes" em vez de "pascal"...
ResponderEliminarO serviço de pager também chegou a existir em Portugal! O meu pai teve um, por volta de 1995/96... além dele, acho que conheci no máximo 2 ou 3 pessoas que também tinham. Telefonava-se para um número e deixava-se a mensagem falada, que depois era convertida em texto e enviada para o pager. Acho que o serviço não resistiu ao boom dos telemóveis que se deu logo a seguir...
ResponderEliminarO meu era sofisticadíssimo, Gi! Tinha um comando que permitia ouvir as chamadas de outro telefone, era só encostá-lo ao bocal e marcar o código (quando ainda eram quase todos analógicos, o atendedor identificava os sons e disparava as mensagens). Muito à frente! Infelizmente, como ainda é dos anos 80 já nem encontrei imagens dele, que pena!
ResponderEliminarQuanto à brincadeira... ai valha-me Deus! Não foi brincadeira, foi mesmo erro! Troquei os filósofos!! O que demonstra à saciedade (como se fosse preciso) a minha ignorância. Mas acho o erro tão divertido que estou hesitante em corrigir. Que lhe parece? :)
:)
ResponderEliminaré que, que passado tanto tempo, continuo a achar muita graça a esta série: já vi e revi tantas vezes e rio-me (muito, até às lágrimas), como se fosse a primeira vez. Achei muito curiosa esta perspectiva, a minúcia... (por acaso sempre reparei mais nas mudanças físicas das personagens) visto assim, envelheceu, é verdade :)
Conheço uma moça da minha idade que fala nesse tal pager, que usou na adolescência. Fazendo as contas, terá sido em 96-97... por aí.
Agora vou ficar a lamentar-me um bocadinho, porque só tenho a 1ª temporada aqui em casa :'(
Eu também rio até às lágrimas, isso não muda.
EliminarPor causa deste post houve discussão acesa na minha página no Facebook. Uma amiga começou a ver tudo outra vez nessa mesma noite, outra que também tem a série completa cheira-me que vai pelo mesmo caminho. Eu já despachei a primeira temporada e três quartos da segunda. :)
Se só tem a primeira pode ver com certeza em muitos sítios na net, aqui, por exemplo:
http://www.free-tv-video-online.me/internet/friends/
E a Sic Mulher recomeçou na semana passada a passar tudo ou tra vez.
Obrigada, Teresa.
EliminarEntretanto, conto obter as restantes temporadas, mas tem de ser pouco a pouco :)