sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

De passar ao bronze

De vez em quando gosto de ir aos arquivos do Facebook, de reencontrar momentos vividos e comentários que voltam a fazer-me rir. 

Também há fotografias que me impressionam, como esta, de 2 de Outubro de 2012, num almoço com o Abel. Descontemos que sou a menos fotogénica das criaturas, descontemos o ângulo nada favorecedor da objectiva: ainda assim, o que vejo é uma excessiva magreza (por aquela altura devia estar com uns 43 quilos), o que vejo é uma cara terrivelmente envelhecida e marcada, uma cara que o SOB atingiu em cheio. Vejo também os efeitos da quimioterapia, o cabelo ralo, baço, sem volume, o meu rico cabelo que era um cabelão. Não me queixo, antes estou grata por, miraculosamente, não me ter caído, coisa para a qual nem o meu médico da quimio conseguiu encontrar explicação. Só a Leninha, num jantar do grupo do Liceu, aventou a rir resposta para o enigma: «Tu és tão ruim, mas tão ruim, que nem a quimioterapia pôde nada contigo!» Só desejo que a minha amiga Cristina, que agora inicia esta penosa jornada, possa ter a mesma sorte que eu tive, e que possa conservar intacta a sua lindíssima cabeleira loira.

Não é futilidade, acreditem. A queda do cabelo funciona para o doente oncológico (e isto acontece a homens e mulheres, sem distinção) como um estigma, como uma marca visível de que estamos doentes. Não queremos olhares compadecidos de estranhos, não queremos curiosidades mórbidas de «o seu cancro é de quê?» Sinceramente, acho que essa pergunta, de tão invasiva, pode chegar a ser grosseira. Nunca, em meses e meses de muitas horas passadas no IPO, alguém teve o mau gosto de ma fazer. Também nunca a fiz. Cancro é cancro, já é suficientemente mau. E este blogue, se não tem milhares de leitores diários, tem coisa muito melhor, tem leitores de grande qualidade. Nas centenas de mensagens que me foram chegando privadamente, a esmagadora maioria de desconhecidos, homens e mulheres, de todas as idades, nem um só fez essa pergunta que violenta.

Se hoje ponho aqui este retrato é porque estou reconciliada com tudo, bom e mau, que a doença me trouxe, mesmo detestando a imagem que vejo; é porque, ao encontrá-lo há pouco, dei com um hilariante comentário do Pedro, um comentário de passar ao bronze: «Teresa, wasabi não é puré de batata. Sabes isso, não sabes?»

Pois é. Durante os meses mais críticos do SOB, a única coisa que eu comia com genuíno prazer — e em quantidades que deixavam os outros comensais espantados — era comida japonesa. E carrego sempre valentemente no wasabi, que vou acrescentando até chegar ao ponto em que aquilo me bate em cheio entre os olhos e quase me parece fumegar pelas narinas. Como dizia uma personagem hilariantemente boçal de Herman José há muitos anos, «ganda flash!»

Outro comentário que nessa época me fez arrancar uma enorme gargalhada, outro comentário de passar ao bronze, foi do João, muito antigo namorado dos meus 22 anos, quando eu argumentei que até estava mais gorda, já que tinha chegado a pesar 41 quilos. «Isso não é peso, é temperatura!»

1 comentário:

  1. Boa tarde Sra. D. Teresa,
    Comecei a seguir o seu blog já há algum tempo (mas só hoje me registei como sua seguidora), creio que através de um post da Dra. Helena Sacadura Cabral no seu blog.
    Gosto de a ler :-)
    Esta sua publicação tocou-me particularmente...
    Fiquei contente por saber que manteve o seu cabelo durante o tratamento de quimio, eu perdi-o todo. Sim o cabelo é a coisa que mais nos aflige quando tomamos conhecimento que vamos ter de fazer uma quimio, mas ao longo do tratamento já nem queria saber do cabelo, apenas queria livrar-me de todos os efeitos secundários.
    Neste momento tenho o meu cabelo de volta. Ainda hoje de manhã o afaguei com prazer, o meu cabelinho que tanto adoro :-)
    Um beijinho para si, tudo de bom!
    Carla Carvalho

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