segunda-feira, 29 de julho de 2013

Nunca falei do novo Papa

A razão de nunca o ter referido (e esqueçamos que os momentos em que aqui escrevo são cada vez mais raros, o cansaço continua presente, isto é uma SOB de uma doença em que os pecados antigos projectam sombras compridas) é a intuição imediata que tive, aquando da sua eleição para a cadeira de S. Pedro, de que este homem estava marcado para a santidade. Igual à que tive aquando da elevação do Santo Padre João Paulo II, que pouco tempo depois me levou a proclamar «este Papa vai ser canonizado ainda em dias da minha vida.»

Afirmação categórica agora de risco, ao contrário da segurança exultante de quando temos 18 anos. Era mais fácil afirmar tal coisa então, tão nova era e tinha em teoria pelo menos uns 50 a 60 anos pela frente. João Paulo II ainda não foi canonizado, só foi beatificado. Para mim já é santo há muito, e converso com ele e peço-lhe coisas que ficam só entre nós, peço-lhe muitas coisas para muitas pessoas, todos os dias. Os anos que me restam já são uma coisa de trabalhar no arame, desconfio muito desta SOB, a minha vida nunca mais será a mesma. Ainda assim, tenho a mesma intuição sempre que vejo imagens do novo Papa: um homem marcado para a santidade.

Confesso-vos agora  que nunca percebi a razão pela qual, ao fim de sete séculos, nenhum Papa tinha ainda adoptado o nome de Francisco, logo para mim a figura mais perfeita da história da humanidade. Uma vez, há muitos anos, levei à igreja para que fossem abençoadas duas imagens de santos. Foi a seguir à Missa, na sacristia, o padre a despir-se dos paramentos. «Que imagens são?», perguntou ele. Mostrei-lhas, muda, a cara ainda marcada de lágrimas da Missa.

«E porquê estes santos, minha filha?»

Consegui dominar a voz, expliquei que tinha por eles uma enorme devoção. Santa Teresinha do Menino Jesus, a quem devo o nome, porque também era a grande devoção da minha Mãe. «Je veux passer mon ciel à faire du bien sur la terre.» A santa, Doutora da Igreja (e são muito poucos), que tinha como grande ambição fazer bem as coisas pequeninas de todos os dias, a santa que morreu com apenas 24 anos e que ultrapassou uma grande crise de fé que nos mostra que é depois das grandes tempestades que saímos mais fortalecidos. E S. Francisco de Assis, aos meus olhos a figura mais perfeita da história da humanidade, como disse atrás, e nunca conseguirei deixar de dizer.

O padre, bastante idoso, diria que andava mais perto dos 80 do que dos 70, teve um sorriso de infinita bondade e fez-me uma festa suavíssima na cara devastada pelos restos das lágrimas da Missa que tanto me tinha comovido. E foi ainda mais terno e paternal:

«Sabe, minha filha, eu tive no Seminário um professor que costumava dizer que primeiro era S. Francisco de Assis e depois Jesus Cristo.»

Foi aí que não consegui conter o choro que havia muito (talvez anos, tamanha a minha dificuldade em chorar por coisas minhas) não me visitava. Um choro silencioso, o pior de todos, lágrimas que descem abundantes pela cara sem que consigamos detê-las.

«Está a viver um momento muito difícil na sua vida, minha filha, não está?»

Assenti só num gesto de cabeça, que de mais não seria capaz. Fossem todos os padres assim! A expressão entristecida, uma pressão no meu braço. «Quer que a oiça em confissão?»

Ponderei, pesei, uma vontade-necessidade imensa. Explodi na resposta que me vinha das entranhas: «Não posso, não consigo, não sou capaz! Ainda não sou capaz!»

E aquele padre idoso, daquela igreja pequenina do Martim Moniz que nem me lembro como se chama, abençoou as imagens dos santos tão amados com palavras lindas, teve compaixão de mim e assegurou-me que Deus nunca desistiria de mim, que estaria sempre presente na minha vida, tal como aqueles dois grandes santos.

Lembrei-me desta história antiga quando vi aquela imagem, S. Francisco de Assis por trás do Papa Francisco. Tenho até hoje uma grande mágoa: nunca ter encontrado uma imagem de S. Francisco de Assis com o irmão lobo. O Manel, querido assessor de um tempo morto, sabia disso, nas suas inúmeras viagens encontrou uma em Itália, trouxe-ma. Ainda não recebi, ainda não vi, há muito que não vejo o Manel, sistematicamente a ter de declinar convites dele para festas com significado: casamento, baptismo do filho, anos dele (já dois). Ele bem sabe que a minha falta de comparência não quer dizer falta de afecto. E trouxe-me, algures de Itália, uma imagem de S. Francisco de Assis com o irmão lobo, a mais ardentemente desejada.

2 comentários:

  1. Olá T, sem desprimor para o novo papa, nem desrespeito para com a religião católica, vim só exprimir algo que sinto de muito forte acerca de João Paulo II. Um homem, na sua posição e influência, ir a África, praguejada por milhões de casos de hiv e sida e declamar contra o uso do preservativo, é mais do que um infeliz incidente, é homicida por negligência.

    Não esqueçamos que 25% da população da África subsariana e 30% da população da África do Sul é seropositiva. Tenho muito orgulho nos valores católicos e muita vergonha dos actos da sua igreja.

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  2. Não sou crente nem tenho devoções mas também gosto muito de São Francisco de Assis. É uma figura muito especial, está para além da religião, foi um Homem extraordinário. Há muito tempo que não visitava o teu blogue. Gostei de ver que ainda não desististe. Um beijinho.

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