quinta-feira, 27 de junho de 2013

S.N.V.N.A.


É a minha velha muito velhinha sigla para "se não visse não acreditava". que também pode ser alterada para S.N.O.N.A. ("se não ouvisse não acreditava"). Acreditem que as tenho empregado muitas vezes ao longo da vida, tamanho o calibre de algumas parvoíces que frequentemente vejo e oiço.

Graças a Deus, a via sacra dos dentes está a chegar ao fim, com um bocado de sorte na sexta-feira da próxima semana vejo-me quase livre dela, com a extracção de dois dentes perfeitamente sãos que a estomatologista considera perdidos e que em breve me darão problemas: já começaram a abanar. Pois é, a quimioterapia não me levou o cabelo, só mo enfraqueceu muito (e está em franca recuperação, aliás está a crescer a toda a velocidade), não me levou unhas, não me trouxe as dolorosíssimas aftas que costuma provocar, não me deu náuseas de me deixarem como um pato moribundo, apenas uma vaga sensação de perpétuo enjoo que eu suportava bem, feliz por ser só aquilo. Mas arruinou-me os dentes. Por algum lado a cabra tinha de se infiltrar, e foi justamente por ali, no terreno do meu maior pavor. Como quem me conhece melhor muito bem sabe, tenho duas fobias absolutas e inelutáveis: ratos e dentistas. Ainda há dias, a subir a rua vinda do supermercado, voou de baixo de um carro, passando-me à frente dos pés, um papel cinzento. Um salto de terror, acompanhado de berro histérico em som agudo que a minha voz de contralto profundo  jamais conseguiria repetir em circunstâncias normais (e notem que eu pego em cobras, aranhas e baratas sem qualquer problema, ratos é que são o meu terror, são o meu Quarto 101). Quando hoje contei a cena à Tina ela riu a bandeiras despregadas e rematou que também podia ser um dentista. E podia, acho que a reacção seria igual, apanhando-me desprevenida.

Por tudo isto, atrevo-me a afirmar que há nesta vida pelo menos uma coisa melhor do que um orgasmo: levantarmo-nos da cadeira do dentista. O alívio que sinto daria para pôr a flutuar uma armada inteira. 

A Tina, que sabe as angústias que sofro, como mal consigo pregar olho na véspera de uma consulta, faz-me companhia, sentido maternal e compaixão a funcionarem a todo o vapor, não vá eu sentir-me mal, impressionada com a nervoseira em que me vê, a tentar controlar a respiração, a inspirar fundo e a exalar depois o ar todo, a beber copos de água uns atrás dos outros, seguros numa mão trémula.

Quando saio de lá, ó meus amigos, venho com uma alma nova! Rio do calor excessivo (tive frio durante tanto tempo!), a vida ganhou novo sabor e já vou toda atenta às coisas a acontecerem em volta. Dia de greve geral, não se avistava um autocarro, o trânsito parecia o de uma manhã de sábado. Lugares para estacionar é que eram mentira — sendo a Clínica na esquina da Gomes Freire com a Conde Redondo, tivemos de parar o carro já no princípio do Campo de Santana.

Na caminhada de regresso, eu já toda risonha e bonacheirona, apontei à Tina o nome de um híbrido de restaurante e pastelaria do outro lado da rua: Massa Dançante. WTF? Que raio quereria aquilo dizer? Ela começou a falar-me de uma coisa chamada Empresa na Hora que, não obstante ter vindo facilitar enormemente as insuportáveis burocracias de criar uma empresa (e ela sabe do que fala, porque criou uma muito recentemente), põe amavelmante à disposição dos aspirantes a empresários os nomes disponíveis mais inacreditáveis.

Já estávamos perto do carro, numa esquina ela dá-me uma cotovelada. «Que é que eu te dizia? Olha! Não é lindo?" 

À nossa frente estava o Ginásio Corpanzil. Fiquei em êxtase, só vos digo. «Desculpa, Tina, isto tenho de fotografar!»

E assim fiz. De caminho criei também para eles um slogan que podem usar completamente grátes, não vou cobrar: «Ginágio Corpanzil é do baril.»

9 comentários:

  1. Isto é delicioso. Morei muito perto do Corpanzil e geralmente passava por lá todos os dias. Imagine a fina flor da frequência, de acordo com o nome... E agora imagine que a banda sonora até tinha mais a ver com a Priscilla, a Rainha do Deserto...

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  2. Pedrinho, juro que da próxima vez que ali passar vou ter de entrar, sob um pretexto qualquer e, se possível, fazer uma ou outra fotografia sorrateira. É que eu e a Tina ficámos justamente a imaginar a frequência. E não, Priscilla, a Rainha do Deserto, não me parece nada desajustado, antes acho que encaixa na perfeição.
    Viva o riso! :)

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  3. Essa comparação entre o orgasmo e o levantar-se da cadeira do dentista foi a melhor que já li... ;-)

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  4. A ver pelos braços que aparecem na imagem do Corpanzil, aquilo promete.

    Bom fim de semana

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  5. Na Paiva Couceiro, topo da Morais Soares, há uma lojinha que me põe sempre a sorrir: a Boutique dos Parafusos. É a bricolage féchion!

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  6. Izzie,
    Conheces o Talho Francês, na Rua de S. Sebastião da Pedreira? Nem sei se ainda existe, teria de perguntar à Nusha (que costumava dizer que sabia sempre como estavam as relações das criadas com o homem do talho pela qualidade de carne que lhe aparecia em casa, as criadas dela eram umas namoradeiras incorrigíveis), mas abastecia casas de grandes figurões, Mário Soares e outros assim, gente habituada ao melhor. O querido Rui Guedes, que Deus tem, com a sua exuberância única, explicou-mo uma vez como sendo "uma boutique de carne". Deves imaginar o que eu ri na altura, e o que voltei a rir agora, ao ler o teu comentário.

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  7. P.S. A minha irmã não resiste à montra de uma casa de ferragens. Pára sempre para ver.

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  8. Pois é, Helena.
    Vou ter de arranjar uma desculpa qualquer para me infiltrar (logo eu que faço tudo menos o género atlético e estou com 46 kg).
    Bom fim-de-semana! :)

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