The Big C
É uma lotaria. E
eu, que sempre fui uma rapariga cheia de sorte, fui contemplada. O
tipo escolheu-me.
Sim, sim, é isso.
Estou com um filho da puta de um cancro. Bem sabem que odeio
palavrões, mas não há mesmo nomes amenos para dar ao bicho. E não
há dúvida que um palavrão bem puxado, se não resolve nada, às
vezes sempre alivia um bocadinho.
Hesitei muito antes
de contar isto, já que sempre tentei controlar bastante o grau de
exposição das coisas que aqui escrevo. Mas mensagens diversas e
enternecedoramente carinhosas que tenho recebido, algumas de pessoas
que me lêem há anos sem que eu desconfiasse, por não deixarem
comentários, mensagens a indagar as razões pelas quais nada escrevo
aqui há tanto tempo, fizeram-me reconsiderar.
De resto, devo dizer
que este hiato pouco habitual no blogue, mesmo estando eu longe de
ser daquelas pessoas que acham que têm de publicar todos os dias,
nada tem que ver com este bicho que só agora me foi confirmado.
Problemas muitos, problemas sérios, têm-me impedido ou tirado a
vontade de publicar, é tão simples como isso.
O blogue continua na
linha de sempre, quando, como e se eu puder, não vai haver aqui
registos de coisas que toda a gente já sabe como são, infelizmente.
No dia em que o comecei, há quase seis anos, tentei
definir no cabeçalho aquilo que pretendia fazer dele; nunca alterei
o que então escrevi, e julgo que consegui ser consistentemente fiel
a essas linhas-mestras: «Um sítio para partilhar histórias antigas
e recentes. Música e livros. Filmes. E a rir, se possível.»
Por isso, meus
queridos amigos, isto não vai passar a ser um diário de
quimioterapias (lá se me vai o meu rico cabelo, a melhor coisa que
tenho, digam lá que não sou uma sortuda?), mal-estares, desânimos
e todos os medos que me assaltam. Porque eu estou transida de medo,
vamos lá chamar os bois pelos nomes. Sei o que me espera e como é
duro, sei também que daqui nem toda a gente sai viva. E a verdade é
que não me apetece nada morrer com os 52 anos que faço em Agosto,
com tanta música nova ainda por ouvir e tanta que é de sempre e à
qual volto sempre como a um colo maternal, com tanto livro para ler,
com tanto livro tão amado para reler, com tantas viagens por fazer (o verso lindo de Moon River que há anos me obceca: «there's such a lot of world to see!»),
tantos sítios por descobrir, tantos sítios aos quais o coração só me
pede que volte.
A Gota de Ran Tan
Plan continua. Como eu. O resto logo se vê.