sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Um certo MG descapotável

O namorado das cassetes de vídeo com capas de óperas forneceu-me histórias caricatas para o resto da vida. A do MG foi uma das mais estúpidas.

Da primeira vez que me levou a casa ele não podia adivinhar que não tenho nem nunca tive qualquer interesse por carros, que para mim são meramente um meio de transporte. E aturei uma estucha das piores com ele a mostrar-me fotografias do seu MG descapotável de colecção. Ele ao volante do MG em lugares diversos. Ele ao lado do MG em lugares diversos. Ele sentado no capot do MG em lugares diversos. E eu a tentar disfarçar os bocejos e com comentários vagos e delicados. Pormenor importante: o MG estava na garagem do irmão, com o motor partido. Dois ou três dias depois convidou-me para almoçar e foi buscar-me ao escritório. Num carro (um Mercedes) que não era o que eu lhe conhecia. Vim a saber pela mãe dele, meses mais tarde, que tinha ido de propósito pedi-lo emprestado ao pai. Parece que há mesmo homens que acham que nos impressionam com os carros, nada a fazer. 

Entretanto chegou Agosto, e chegaram os nossos anos (ele é mais velho do que eu um dia e uma hora). Escolher presentes para homens nunca é coisa fácil, e eu sou pessoa que gosta de pensar cuidadosamente nos presentes que oferece. E tive uma ideia luminosa. Ele tinha um talento fora de série para o bricolage (não era só defeitos, não) e desde miúdo adorava construir miniaturas de carros. Era só comprar uma réplica do MG dele, e até sabia onde, graças ao Zé e à sua paixão por Ferraris, muitas vezes tinha ido com ele a uma certa loja do centro comercial S. João de Deus. O problema, o grande problema, era não saber qual o modelo, evidentemente.

Dois ou três dias depois, num jantar, consegui apanhar o melhor amigo dele a jeito e perguntei-lhe qual o modelo do MG. Talvez eu devesse ter sido alertada pela cara estranha com que ele ficou a olhar para mim e a perguntar para que queria eu saber. Lá lhe expliquei, e ele em troca deu-me a informação pretendida. Sempre com uma cara estranha, agora que penso melhor nisso.

O modelo não estava disponível na loja, teria de encomendar e só chegaria depois da data desejada. A ideia era boa, mas teve de ser posta de lado, concentrei-me na busca de outro presente. E passaram meses.

Deve ter sido lá por Fevereiro, numa noite de Inverno inusitadamente amena. A caminho do Bar do Rio, parámos num semáforo do Cais do Sodré. Ao nosso lado pára um MG branco descapotável, a capota descida.

— Olha um MG! Não é igual ao teu? 

Não fazia ideia, claro; e acrescentei com a maior das canduras. «A propósito, ainda nunca vi o teu MG.»

E foi então, e só então, meus amigos, meses depois, que ele me confessou que o MG tinha sido vendido havia muito. Na verdade já nem sequer o tinha quando me conheceu.

9 comentários:

  1. Que tristeza; já passei por situações semelhantes e não sei o que é pior. Se a mentira, se o materialismo, se a falta de amor próprio, se o pretensiosismo, se o nos quererem tomar por parvos (até podem uns meses, mas a verdade vem sempre ao de cima).

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  2. É isso mesmo, Pedrinho. Uma tristeza. E tão constrangedor. Não imagina como me senti desconfortável, como se a aldrabice tivesse sido minha.

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  3. Mas desde quando um homem ter jeito para "bricolage" não é um defeito? É pelo menos suburbano!

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  4. Mas que grande disparate, João!
    Um homem quer-se desenrascado e com jeito de mãos, que saiba instalar uma tomada, pendurar um candeeiro, arranjar uma torneira e que não fique a olhar como boi para palácio quando se levanta o capot do carro para ver o motor.
    Qualquer mulher lhe dirá o mesmo.

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  5. Jeito de mãos acho essencial. Mas para electricista, mecânico (de mecânica ainda percebo) e canalizador existem especialistas...

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  6. Claro que sim, mas discordo, mais uma vez. Acho tão útil saber fazer pequenos trabalhos em casa sem ficar dependente de terceiros, à espera de marcações incómodas que não são respeitadas, de gastar dinheiro desnecessariamente. Até eu sou uma bricoleuse bastante razoável, acredite. Sei mudar os fios de um interruptor de candeeiro que se queimaram (vai contratar alguém para lhe fazer isso? ridículo!), sei usar um berbequim (e tenho um), sei fazer furos na parede para fixar coisas e ficam direitas.
    E depois há a minha irmã. A mais feminina das criaturas e, em simultâneo, a única mulher que conheço que pára a ver a montra de uma casa de ferragens. E nem queira saber como é talentosa. Faz e pendura cortinados (sanefas incluídas), faz estores japoneses, forra paredes, é o que se queira. :)

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  7. Infelizmente sei, que já estive desse lado ;)

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  8. Teresa, lojas de ferragens? Mais depressa fico especada na montra de uma que de uma boutique. A mim calhou-me um rapaz muito jeitoso para outras coisas (passa a ferro e cozinha), mas que para a bricolage é uma negação. Ainda não perdi a esperança, e até planeio cravar umas aulinhas ao sogro (o meu querido paizinho, o melhor técnico para assuntos do lar de que há memória, até máquinas de lavar o vi arranjar).

    Quanto a descapotáveis, fico caladinha, que tenho uma história lamentável no meu CV. O carro existia, e era um caso de amor (crise de meia idade) que muito me vexava.

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  9. Pedro,
    E quem não esteve já deste lado que atire a primeira pedra.

    Izzie,
    Eu também adoro bricolage e só tenho pena de não ter mais talento. Bem sabes o que eu babo com o Chez Larsson e com o Young House Love (com este agora menos, a casa antiga era bem mais bonita; e estou cada vez mais preocupada, a miúda continua sem cabelo e vai em quê? Dois anos?).

    Quanto ao descapotável, não fiques caladinha. Conta! Conta!

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