sábado, 3 de dezembro de 2011

Incongruências

Por qualquer misteriosa razão, Novembro parece ser um mês em que não tenho qualquer vontade de escrever, nem sequer no blogue. É só ir aos arquivos: no ano passado, 2010, passou totalmente em branco, sem um único post; no ano anterior, 2009, publiquei apenas três, eu que até sou pessoa de escrita regular.

A falta de apetência pela escrita começou este ano, mais uma vez, nos problemas com o site em que alojo a música. Sei que para a maioria isto parecerá estúpido (quando não irritante), mas a música aqui sempre foi fundamental. De que me servia ter um serviço pago? Sim, era pago, coisa de dez dólares por mês, e muitas vezes lá pelo dia 20 a música já estava desactivada, porque havia muita gente a fazer download — a ideia, por mais lisonjeira que fosse, era onerosa, e estamos em tempo de crise. Quando comecei a analisar despesas e a ver onde podia cortar disse adeus à música no blogue. Sei que nem era uma verba por aí além, sei que poucas pessoas lhe sentirão a falta, mesmo sendo para mim uma quase mutilação. Enfim, vão-se os anéis, ficam os dedos.

Mas ainda não era isto que queria dizer-vos, como o título do post indica. Esta tarde acordei de uma sesta ainda cansada e preguiçosa (ando muito cansada e muito preguiçosa). Um rápido zapping pôs-me num filme de acção deprimente a passar no Hollywood com Michael Douglas como protagonista, que fiquei a ver estupidificada, só para não me levantar. Nem sei como se chama nem tenho vontade de investigar, mas fez-me lembrar vagamente O Processo de Kafka, e que talvez, tantos anos depois, devesse dar-lhe uma releitura. Logo a seguir começou outro filme, Legally Blonde, que disparou Reese Witherspoon para o estrelato. Continuava preguiçosa, fiquei a ver. Tinha-o visto no cinema nas Amoreiras, lembro-me bem, tal como me lembro de que o tinha odiado. E não é que dei comigo a rir? Claro que é um filme poucochinho, mas entreteve-me q.b. E sermos entretidos nem sempre é coisa de pouca monta.

Foi aqui que me lembrei de um caso semelhante, também acontecido comigo. Quantas vezes a nossa reacção inicial a um livro, a um filme, a uma música, não será primariamente ditada pelo nosso estado de espírito do momento? Nunca vos aconteceu? O exemplo mais gritante de que consigo lembrar-me é Far From Heaven, a obra-prima de Todd Haynes, com Julianne Moore, Dennis Quaid (o ex-marido de Meg Ryan, cruzei-me com ele em NY, ele a sair do hotel, eu a entrar) e Dennis Haysbert (o presidente das primeiras temporadas de 24, voz maravilhosa). Como foi possível que tal filme me deixasse indiferente da primeira vez que o vi? A segunda... ah! a segunda! Foi um rasgar de horizontes, foi descobrir todas as referências de que não me tinha apercebido, os apontamentos de homenagem aos filmes de Douglas Sirk  (de que eu e o Vítor até fazíamos uma troça dos diabos lá pelos 18 anos, mais que não fosse pelos títulos retumbantes, ainda tínhamos de crescer mais alguma coisa em cultura cinéfila). Hoje ponho Far From Heaven entre os filmes que mais me comoveram em toda a minha vida. A questão da homossexualidade, numa época em que era encarada como doença. A questão racial, antes da luta pelos direitos civis. 

Sou tão incongruente como isto, pronto. De não ligar nenhuma e quase fazer um ar entediado a roer uma cenoura, passei a amar.

Banda sonora (tem de haver uma banda sonora, mesmo que muda!): Far from Heaven - Autumn in Connecticut

E eu que conheço o Connecticut  no Outono, que assisti àquele milagre da Natureza que é o foliage, comovo-me ainda mais. Foi a última banda sonora compots por Emer Bernstein antes da sua morte.

7 comentários:

  1. Essa história da música é muito desagradável. Já o filme, amei logo. Mas eu sou de melodramas dos anos '50 por natureza.

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  2. Talvez lhe possa servir um bocadinho de consolação saber que sem a música o blogue abre muito mais depressa e sem tropeços, e que é mais saudável para quem eventualmente o esteja a ver num local partilhado e deva ser mais discreto...

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  3. Não vi este filme, e deliciei-me com a música. Vai hoje para a minha lista de filmes bem recomendados. :)

    Obrigada.

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  4. Bem-vinda Teresa! O Far From Heaven é um filme maravilhoso, que bom que lhe fez justiça. Um beijinho

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  5. grande filme e óptima lembrança para vasculhar as gavetas dos DVD's nos próximos serões de inverno.

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  6. Este para mim foi amor ao primeiro screening. No cinema. E ficou para sempre. Comprei DVD e ainda a semana passada voltou aos ecrans da TV e eu vi emocionada como da primeira vez.

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