sexta-feira, 1 de julho de 2011

Otto Frank, o pai de Anne

Passou anteontem, no canal História, um excepcional documentário de hora e meia sobre Otto Frank. Tive a sorte de o apanhar quase no princípio.

Otto Frank, Father of Anne, de 2010, de produção holandesa e realizado por David de Jongh, foi exibido em Maio deste ano no Festival de Cinema  Judaico de Toronto. E é, de facto, um notável exercício. Numa muito completa colagem de testemunhos recolhidos ao longo dos anos junto de pessoas que tinham conhecido os Frank antes, durante e depois da guerra (só estranhei não encontrar entre eles o de Miep Gies, que morreu em Janeiro do ano passado, com cem anos), o documentário fala-nos da complexa personagem que foi o pai de Anne, a pessoa que lhe era mais querida e de quem se sentia mais próxima.

De uma grande isenção, não recorre à sentimentalidade lamechas, não oculta opiniões de quem achou que Otto Frank era um oportunista a lucrar com o diário da filha morta, dos que acharam que o diário e Anne se transformaram para ele numa obsessão. A própria enteada, que o adorava (Otto Frank viria a casar novamente em 1953, a mulher também tinha passado por Auschwitz e lá tinha perdido o primeiro marido e um filho), confirma que era impossível falar com ele durante mais de cinco minutos sem que Anne e o diário fossem arrastados para a conversa. Se o assunto não interessava o interlocutor, Otto desinteressava-se dele. Anne e o diário tinham-se tornado a razão de existir para este homem que era o único sobrevivente do grupo de oito pessoas escondidas durante mais de dois anos na casa de Amsterdão que é hoje o Museu Anne Frank, este homem que transpôs os portões de Auschwitz com 55 anos (só isso já é um milagre, não ter perecido logo na primeira selecção) e que viria a descobrir, depois da libertação, que a mulher e as filhas já não eram deste mundo. Viram-se pela última vez a 5 de Setembro de 1944, o dia em que o comboio passou por baixo da terrífica torre de Birkenau para entrar no campo.

Muitas coisas me comoveram profundamente neste documentário. Mais do que quaisquer outras, a confissão de culpa de Otto por nunca falar da filha Margot, três anos mais velha do que Anne. Os lugares das duas filhas estavam bem estabelecidos nas preferências do casal Frank. Margot, brilhante, exemplar, mas calada e discreta (os amigos são unânimes em considerá-la muito mais dotada do que a irmã), era a menina da mamã. Anne era a menina do papá. E essa é a segunda coisa que mais me comoveu no documentário: a confissão de Otto de ter descoberto, ao ler o diário, que afinal não conhecia a filha adorada e de quem era tão próximo e cúmplice.

Encontrei a primeira meia hora do documentário no YouTube, segmentada em várias partes — encomenda já feita à Amazon, vem a caminho, não brinco em serviço. Para quem quiser ver, aqui ficam, só não sei por quanto tempo, sabem como é o YouTube. O que posso garantir é que vale mesmo a pena. E reservo uma surpresa para o final.










E foi aqui, aos 23 minutos de Otto Frank, Father of Anne, ao minuto 2:16 deste segmento, que os olhos se me arregalaram e se encheram automaticamente de lágrimas. Lembro que o documentário é recente, lembro que há filmagens feitas há pouco tempo. E também em Auschwitz. E lá estava ele, o meu gato de Janeiro cuja história contei pela primeira vez no Delito de Opinião e que afinal é uma gata. A gatinha a quem insistem em chamar Bruno e que para mim é agora Messalina. A câmara, a filmar na zona da entrada do campo, a zona em que está sempre, captou-a por acaso. E o coração fez-se-me muito pequenino.



(Karajan, Filarmónica de Berlim)


2 comentários:

  1. Excelente post, Teresa!
    Não sabia que o pai de Anne Frank sobrevivera à família.

    "afinal não conhecia a filha adorada e de quem era tão próximo e cúmplice" - pois é, os pais pensam sempre que sabem tudo sobre os filhos...

    O post vale também pela Messalina, claro.

    P.S. Só agora soube que é a Teresa do Delito de Opinião :)

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  2. Cristina,
    Para alguém com a sua paixão por História recomendo também (e muito) o comentário que já referi, Anne Frank Remembered, que aliás ganhou o Oscar na categoria.
    Ando há séculos para comprar a edição final e definitiva do diário, depois de ter sido submetido a severo escrutínio pelo Instituto Holandês da Guerra(houve acusações de que seria uma fraude).

    http://www.amazon.com/Diary-Anne-Frank-Revised-Critical/dp/0385508476/ref=sr_1_2?s=books&ie=UTF8&qid=1309525059&sr=1-2

    Só não o fiz ainda por ser bastante caro (há que juntar ao preço IVA, portes, e a possibilidade de ter de pagar alfândega).

    Ontem encontrei uma página de um alucinado brasileiro que nem vou divulgar aqui, se quiser envio-lhe o link por mail (está no seu blogue, não está?) que me deixou de cabelos em pé. Há gente que ainda vive mesmo noutro mundo.

    Não sou a Teresa do Delito de Opinião, só lá escrevi daquela vez a convite da Ana Vidal e do Pedro Cordeiro. :)

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