quinta-feira, 19 de maio de 2011

Os discos da minha vida #19: Pet Sounds

Se não fosse o Ié-Ié, há três dias, nem me teria dado conta dos 45 anos de Pet Sounds, um dos (tantos) discos da minha vida. Já estava quase a desligar o computador para ir para a cama quando dei um salto ao Google Reader e vi a notícia. Um sorriso deliciado ao ver a capa que há tantos anos habita cá em casa, primeiro em vinil e mais tarde em CD, e um propósito: «Amanhã tenho de escrever sobre isto!»

Viu-se. Pet Sounds fez 45 anos no dia 16 e eu só hoje falo dele. Culpa do demasiado trabalho e do muito cansaço que vou acumulando, mas culpa que não é desculpa quando, como neste caso, se trata mesmo de um grande amor.

O meu conhecimento dos Beach Boys foi tardio, já ia nos 15 anos, e chegou-me pela mão do D. O D. que viria a ser o meu primeiro amor, um dos dois amores e meio da minha vida, e que nessa altura era para mim só um menino loiro muito giro e muito simpático e com um grande sentido de humor, sem sonhar que para ele eu já era aquela pessoa especial que os olhos procuravam mal chegava ao pátio do Liceu. Cedo o D. percebeu a minha paixão pelos Beatles e capitalizou o assunto, já que também os adorava — aqui a memória prega-me uma partida e lembra-me a querida Dr.ª Maria Teresa Monteiro, nossa Professora de Inglês do ano seguinte, já desaparecida. Deus é grande e permitiu-me reeencontrá-la e agradecer-lhe o tanto que lhe devo. Mais de trinta anos depois, lembrava-se muito bem de mim e do D. Éramos os seus melhores alunos, éramos um casalinho giro e simpático, mas quantos outros lhe terão passado pelas salas de aula numa vida inteira devotada ao ensino? Lembrava-se até, pormenor que me enterneceu, de que eu era mais Beatles e o D. mais Rolling Stones.

Depois de um longo suspiro, refeita da tristeza que me volta tantas vezes de saber que não mais poderei telefonar à Dr.ª Maria Teresa a saber dela e acabar por ficar mais de uma hora à conversa, a debater séries britânicas ou Meryl Streep, uma paixão comum, volto aos meus 15 anos. Um belo dia, nas recorrentes conversas sobre Beatles, o D. surgiu com um nome para mim desconhecido: Beach Boys. Confessei a minha ignorância, que o escandalizou. E no dia seguinte foi para o Liceu com um disco deles para me emprestar. Seria bonito que o disco fosse Pet Sounds, era de grande efeito para esta narrativa. Infelizmente, era apenas uma colectânea, um greatest hits. Pouco importa. Foi o suficiente para fazer nascer o amor que continua vivo, e para a seguir querer conhecer-lhes toda a obra.

Nas duas semanas seguintes, seria capaz de jurar, quase não se ouviu outra coisa no meu quarto, tamanha a paixão logo aos primeiros sons. A alegria e a frescura daquela sonoridade da costa Oeste, as praias e o sol da Califórnia, o surf, a candura, as maravilhosas harmonias vocais (os coros dos Beach Boys, ai!, os coros dos Beach Boys!), tudo me deslumbrou. E a paixão ficou-me para o resto da vida.

Esse disco emprestado pelo D. algures no fim de 1975 começava com Surfin' USA. Seguia-se Surfin' Safari e depois Sloop John B. E é Sloop John B. que escolho para banda sonora, porque me apaixonei perdidamente por ela logo à primeira audição e porque old loves die hard.

Também o Gato Maltês homenageou Pet Sounds, com um valioso aditamento: o comentário deixado pelo Pedro de Freitas Branco no Ié-Ié:

"Nunca antes de "Pet Sounds" um LP de música Pop formou um todo artístico tão coerente e consistente, tão belo e complexo. Aquilo que Brian Wilson, com pouco mais de 20 anos, conseguiu captar no momento "Pet Sounds" foi a verdadeira essência do sentimento Rock - onde se mistura uma certa melancolia adolescente com o desejo de transgressão (rebeldia). Brian foi ao fundo da questão. Como ninguém. E isso lhe custou a sanidade. Musicalmente, como afirmou George Martin numa homenagem no Radio City Hall, o jovem Brian, em "Pet Sounds", fez sozinho o trabalho dos Beatles e do seu produtor. Compôs, orquestrou, cantou, tocou, e produziu..."
(Pedro de Freitas Branco  - músico)

É com autorização do Pedro que aqui publico o seu comentário. Não nos conhecemos, mas somos próximos. Somos parceiros convidados no livro do Abel, que nos pediu que escrevêssemos sobre os Beatles (e, por falar disso, o Abel ofereceu mais dois livros para leilão num projecto que muito acarinhamos, o da Maria e do Gato, podem licitar aqui).

Informação final: em Novembro de 2003 a mítica Rolling Stone fez uma lista dos 500 melhores discos de semprePet Sounds surge em segundo lugar. Aqui a honestidade obriga-me a dizer que, por mais que adore o disco, acho que outros mais merecedores de tão cimeiro lugar haveria. De Simon & Garfunkel, por exemplo (o único problema é saber qual, tamanha a qualidade de todos — Cecilia continua a ser a única música deles de que não gosto).

Já agora, não resisto à gabarolice de referir que, nos 500 melhores discos de sempre, o primeiro lugar é dos Beatles (who else?), com Sgt. Pepper's, que conseguem a proeza de ter mais três álbuns nos dez primeiros lugares. Meus queridos meninos!

Pos.Album NameArtistRelease date
1Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club BandThe BeatlesJune 1967
2Pet SoundsThe Beach BoysMay 1966
3RevolverThe BeatlesAugust 1966
4Highway 61 RevisitedBob DylanAugust 1965
5Rubber SoulThe BeatlesDecember 1965
6What's Going OnMarvin GayeMay 1971
7Exile on Main St.The Rolling StonesMay 1972
8London CallingThe ClashDecember 1979
9Blonde on BlondeBob DylanMay 1966
10The Beatles (also known as The White Album)The BeatlesNovember 1968

2 comentários:

  1. Que história bonita. curiosamente é também um dos da minha vida, também me foi dado por alguém chamado D., que também foi meu amor de escola.(E ainda hoje é)

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  2. Uma história muito bonita. Adorei o pormenor de o D. ser mais Rolling Stones e a Teresa ser mais Beatles. Comigo e com o meu namorado é mais extremado: ele é mais pop, eu sou mais heavy metal. E vamos juntos a concertos. Ao contrário do que diz Rui Veloso, pode-se amar quem não houve a mesma canção.

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