Os discos da minha vida #19: Pet Sounds
Se não fosse o Ié-Ié, há três dias, nem me teria dado conta dos 45 anos de Pet Sounds, um dos (tantos) discos da minha vida. Já estava quase a desligar o computador para ir para a cama quando dei um salto ao Google Reader e vi a notícia. Um sorriso deliciado ao ver a capa que há tantos anos habita cá em casa, primeiro em vinil e mais tarde em CD, e um propósito: «Amanhã tenho de escrever sobre isto!»
Viu-se. Pet Sounds fez 45 anos no dia 16 e eu só hoje falo dele. Culpa do demasiado trabalho e do muito cansaço que vou acumulando, mas culpa que não é desculpa quando, como neste caso, se trata mesmo de um grande amor.
O meu conhecimento dos Beach Boys foi tardio, já ia nos 15 anos, e chegou-me pela mão do D. O D. que viria a ser o meu primeiro amor, um dos dois amores e meio da minha vida, e que nessa altura era para mim só um menino loiro muito giro e muito simpático e com um grande sentido de humor, sem sonhar que para ele eu já era aquela pessoa especial que os olhos procuravam mal chegava ao pátio do Liceu. Cedo o D. percebeu a minha paixão pelos Beatles e capitalizou o assunto, já que também os adorava — aqui a memória prega-me uma partida e lembra-me a querida Dr.ª Maria Teresa Monteiro, nossa Professora de Inglês do ano seguinte, já desaparecida. Deus é grande e permitiu-me reeencontrá-la e agradecer-lhe o tanto que lhe devo. Mais de trinta anos depois, lembrava-se muito bem de mim e do D. Éramos os seus melhores alunos, éramos um casalinho giro e simpático, mas quantos outros lhe terão passado pelas salas de aula numa vida inteira devotada ao ensino? Lembrava-se até, pormenor que me enterneceu, de que eu era mais Beatles e o D. mais Rolling Stones.
Depois de um longo suspiro, refeita da tristeza que me volta tantas vezes de saber que não mais poderei telefonar à Dr.ª Maria Teresa a saber dela e acabar por ficar mais de uma hora à conversa, a debater séries britânicas ou Meryl Streep, uma paixão comum, volto aos meus 15 anos. Um belo dia, nas recorrentes conversas sobre Beatles, o D. surgiu com um nome para mim desconhecido: Beach Boys. Confessei a minha ignorância, que o escandalizou. E no dia seguinte foi para o Liceu com um disco deles para me emprestar. Seria bonito que o disco fosse Pet Sounds, era de grande efeito para esta narrativa. Infelizmente, era apenas uma colectânea, um greatest hits. Pouco importa. Foi o suficiente para fazer nascer o amor que continua vivo, e para a seguir querer conhecer-lhes toda a obra.
Nas duas semanas seguintes, seria capaz de jurar, quase não se ouviu outra coisa no meu quarto, tamanha a paixão logo aos primeiros sons. A alegria e a frescura daquela sonoridade da costa Oeste, as praias e o sol da Califórnia, o surf, a candura, as maravilhosas harmonias vocais (os coros dos Beach Boys, ai!, os coros dos Beach Boys!), tudo me deslumbrou. E a paixão ficou-me para o resto da vida.
Esse disco emprestado pelo D. algures no fim de 1975 começava com Surfin' USA. Seguia-se Surfin' Safari e depois Sloop John B. E é Sloop John B. que escolho para banda sonora, porque me apaixonei perdidamente por ela logo à primeira audição e porque old loves die hard.
Também o Gato Maltês homenageou Pet Sounds, com um valioso aditamento: o comentário deixado pelo Pedro de Freitas Branco no Ié-Ié:
"Nunca antes de "Pet Sounds" um LP de música Pop formou um todo artístico tão coerente e consistente, tão belo e complexo. Aquilo que Brian Wilson, com pouco mais de 20 anos, conseguiu captar no momento "Pet Sounds" foi a verdadeira essência do sentimento Rock - onde se mistura uma certa melancolia adolescente com o desejo de transgressão (rebeldia). Brian foi ao fundo da questão. Como ninguém. E isso lhe custou a sanidade. Musicalmente, como afirmou George Martin numa homenagem no Radio City Hall, o jovem Brian, em "Pet Sounds", fez sozinho o trabalho dos Beatles e do seu produtor. Compôs, orquestrou, cantou, tocou, e produziu..."
(Pedro de Freitas Branco - músico)
É com autorização do Pedro que aqui publico o seu comentário. Não nos conhecemos, mas somos próximos. Somos parceiros convidados no livro do Abel, que nos pediu que escrevêssemos sobre os Beatles (e, por falar disso, o Abel ofereceu mais dois livros para leilão num projecto que muito acarinhamos, o da Maria e do Gato, podem licitar aqui).
Informação final: em Novembro de 2003 a mítica Rolling Stone fez uma lista dos 500 melhores discos de sempre. Pet Sounds surge em segundo lugar. Aqui a honestidade obriga-me a dizer que, por mais que adore o disco, acho que outros mais merecedores de tão cimeiro lugar haveria. De Simon & Garfunkel, por exemplo (o único problema é saber qual, tamanha a qualidade de todos — Cecilia continua a ser a única música deles de que não gosto).
Já agora, não resisto à gabarolice de referir que, nos 500 melhores discos de sempre, o primeiro lugar é dos Beatles (who else?), com Sgt. Pepper's, que conseguem a proeza de ter mais três álbuns nos dez primeiros lugares. Meus queridos meninos!
Pos. | Album Name | Artist | Release date |
---|---|---|---|
1 | Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band | The Beatles | June 1967 |
2 | Pet Sounds | The Beach Boys | May 1966 |
3 | Revolver | The Beatles | August 1966 |
4 | Highway 61 Revisited | Bob Dylan | August 1965 |
5 | Rubber Soul | The Beatles | December 1965 |
6 | What's Going On | Marvin Gaye | May 1971 |
7 | Exile on Main St. | The Rolling Stones | May 1972 |
8 | London Calling | The Clash | December 1979 |
9 | Blonde on Blonde | Bob Dylan | May 1966 |
10 | The Beatles (also known as The White Album) | The Beatles | November 1968 |
Que história bonita. curiosamente é também um dos da minha vida, também me foi dado por alguém chamado D., que também foi meu amor de escola.(E ainda hoje é)
ResponderEliminarUma história muito bonita. Adorei o pormenor de o D. ser mais Rolling Stones e a Teresa ser mais Beatles. Comigo e com o meu namorado é mais extremado: ele é mais pop, eu sou mais heavy metal. E vamos juntos a concertos. Ao contrário do que diz Rui Veloso, pode-se amar quem não houve a mesma canção.
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