A Viúva Alegre
São tantas e tão hilariantes as histórias do meu Amigo A. que eu nem saberia por onde começar. Mas esta tinha sido prometida há tempos, e o prometido é devido
O meu amigo A., que me leva uns bons 17 anos de vantagem, nasceu numa família imensamente rica e nunca trabalhou um dia na vida. Antes do 25 de Abril, no tempo das vacas nédias de tão gordas, vivia em Paris na Avenue Foch, com Rolls e motorista. Era (e continua a ser) íntimo do tout Paris, e eu delicio-me com as histórias que me conta dessa época dourada e para sempre morta das noitadas no Régine e no Jimmy's, dos Verões em Saint-Tropez com Brigitte Bardot a jantar na mesa do lado, — o A. ainda hoje diz que a coisa mais deslumbrante que ela tinha eram as costas, o que me deixa um bocadinho desconcertada —, dos caprichos milionários como fretar um avião e convidar uma mão-cheia de amigos para ir passar o fim-de-semana a Veneza (no Danielli, claro). Pensando melhor, o mundo do A. não mudou assim tanto: com incomparavelmente menos dinheiro do que tinha nessa época, continua a movimentar-se nesse mundo de gente obscenamente rica em que vão aparecendo celebridades momentâneas a que acham graça por algum tempo para logo as substituírem por outras. Ainda me lembro do muito que ri há uns 15 anos com a colorida descrição que o A. me fez da entrada deliberadamente tardia e para causar sensação de Joan Collins na Missa de Natal de Gstaad, vestida como se de um episódio de Dinastia se tratasse, num aparato de preto e branco, chapéu de abas a perder de vista e a incomodar toda a gente. Escusado será dizer que nunca uma fotografia do meu amigo A. apareceu numa revista do pseudo-social português.
Tenho às vezes um bocadinho de inveja, que nem inveja chega a ser, do A., por causa de algumas pessoas que conhece e com quem se dá muito. Não, não é da semana que quase todos os Verões passa no barco de Valentino, não é dos grande bailes privados em Versailles: é das pessoas do mundo da Música. Almoçar com Placido Domingo (sobre isso tenho outra história), jantar com Claudio Abbado ou com Sir Georg Solti, santo Deus!
Ora o A. é muito amigo da viúva de um célebre, celebérrimo maestro, um dos muito grandes do século XX. Todos os anos, no Verão, o A. é convidado para o Festival de Salzburg, ficando normalmente no quarto que em vida era o do maestro. Todos os anos, no Inverno, o A. passa algum tempo como convidado no chalet da família em St. Moritz (ainda hoje o A. é um ás no ski).
Foi justamente numa dessas temporadas em casa da célebre viúva do maestro que a história que vou contar se passou. O A. e a E. (a viúva, e francesa) tinham chegado nesse dia e foram jantar fora. Estava-se no princípio da época e ainda não tinha chegado nenhum dos amigos deles nem nenhuma das celebridades que lá costumam arribar, e logo são arrebanhadas para o grupo (que se farta de quase todas em três tempos). Reduzidos à companhia um do outro, o A. e a E. estavam um tanto ou quanto macambúzios e bastante entediados. Convém referir também que nalguns aspectos ambos têm personalidades semelhantes: mimados, birrentos, detestando ser contrariados.
Perante o silêncio embezerrado da E., e sem sequer se dar conta, o A. começou a cantarolar baixinho a primeira melodia que lhe passou pela cabeça. E eis senão quando a E., furiosa, desata a descompô-lo, que estava a fazer troça dela, que não admitia, que... Só então o A. se apercebeu de que estava a cantarolar nem mais nem menos do que... a valsa da Viúva Alegre!
Subiu-lhe a mostarda ao nariz e disparou, em tom de dignidade ofendida:
— Si je ne peux pas chanter La Veuve Joyeuse je veux de la Veuve Clicquot! — e, acto contínuo, levantando o braço num gesto teatral, berrou para o criado: Champagne!!
Até a viúva à mesa se escangalhou a rir. Mas não riu mais do que eu quando mais tarde, nessa mesma noite, o A. me contou a história ao telefone.
O meu amigo A., que me leva uns bons 17 anos de vantagem, nasceu numa família imensamente rica e nunca trabalhou um dia na vida. Antes do 25 de Abril, no tempo das vacas nédias de tão gordas, vivia em Paris na Avenue Foch, com Rolls e motorista. Era (e continua a ser) íntimo do tout Paris, e eu delicio-me com as histórias que me conta dessa época dourada e para sempre morta das noitadas no Régine e no Jimmy's, dos Verões em Saint-Tropez com Brigitte Bardot a jantar na mesa do lado, — o A. ainda hoje diz que a coisa mais deslumbrante que ela tinha eram as costas, o que me deixa um bocadinho desconcertada —, dos caprichos milionários como fretar um avião e convidar uma mão-cheia de amigos para ir passar o fim-de-semana a Veneza (no Danielli, claro). Pensando melhor, o mundo do A. não mudou assim tanto: com incomparavelmente menos dinheiro do que tinha nessa época, continua a movimentar-se nesse mundo de gente obscenamente rica em que vão aparecendo celebridades momentâneas a que acham graça por algum tempo para logo as substituírem por outras. Ainda me lembro do muito que ri há uns 15 anos com a colorida descrição que o A. me fez da entrada deliberadamente tardia e para causar sensação de Joan Collins na Missa de Natal de Gstaad, vestida como se de um episódio de Dinastia se tratasse, num aparato de preto e branco, chapéu de abas a perder de vista e a incomodar toda a gente. Escusado será dizer que nunca uma fotografia do meu amigo A. apareceu numa revista do pseudo-social português.
Tenho às vezes um bocadinho de inveja, que nem inveja chega a ser, do A., por causa de algumas pessoas que conhece e com quem se dá muito. Não, não é da semana que quase todos os Verões passa no barco de Valentino, não é dos grande bailes privados em Versailles: é das pessoas do mundo da Música. Almoçar com Placido Domingo (sobre isso tenho outra história), jantar com Claudio Abbado ou com Sir Georg Solti, santo Deus!
Ora o A. é muito amigo da viúva de um célebre, celebérrimo maestro, um dos muito grandes do século XX. Todos os anos, no Verão, o A. é convidado para o Festival de Salzburg, ficando normalmente no quarto que em vida era o do maestro. Todos os anos, no Inverno, o A. passa algum tempo como convidado no chalet da família em St. Moritz (ainda hoje o A. é um ás no ski).
Foi justamente numa dessas temporadas em casa da célebre viúva do maestro que a história que vou contar se passou. O A. e a E. (a viúva, e francesa) tinham chegado nesse dia e foram jantar fora. Estava-se no princípio da época e ainda não tinha chegado nenhum dos amigos deles nem nenhuma das celebridades que lá costumam arribar, e logo são arrebanhadas para o grupo (que se farta de quase todas em três tempos). Reduzidos à companhia um do outro, o A. e a E. estavam um tanto ou quanto macambúzios e bastante entediados. Convém referir também que nalguns aspectos ambos têm personalidades semelhantes: mimados, birrentos, detestando ser contrariados.
Perante o silêncio embezerrado da E., e sem sequer se dar conta, o A. começou a cantarolar baixinho a primeira melodia que lhe passou pela cabeça. E eis senão quando a E., furiosa, desata a descompô-lo, que estava a fazer troça dela, que não admitia, que... Só então o A. se apercebeu de que estava a cantarolar nem mais nem menos do que... a valsa da Viúva Alegre!
Subiu-lhe a mostarda ao nariz e disparou, em tom de dignidade ofendida:
— Si je ne peux pas chanter La Veuve Joyeuse je veux de la Veuve Clicquot! — e, acto contínuo, levantando o braço num gesto teatral, berrou para o criado: Champagne!!
Até a viúva à mesa se escangalhou a rir. Mas não riu mais do que eu quando mais tarde, nessa mesma noite, o A. me contou a história ao telefone.
:-D
ResponderEliminarEu também fico com um bocadinho de inveja, Teresa ;-) mas pode contar mais.