quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Update on Giuditta Pasta

Lembram-se da Pasta, a encantadora gatinha a quem tentámos encontrar um lar e afinal prefere viver nas ruas, ao deus-dará?

Pois o Inverno vai avançando e eu e a Teresa continuamos preocupadas com ela. Mais nos preocupámos durante umas semanas em que ela andou muito esquiva, já sem a explosão de alegria a que estávamos habituadas quando nos via, a correr para nós e a miar em resposta aos cumprimentos que lhe fazíamos. Durante uns tempos a nossa Pasta andou muito assustadiça, permanentemente alerta, sem confiar em nós como antes. Deduzimos que alguém poderia ter-lhe feito mal e isso cortou-nos o coração. Com o passar dos dias, lá a fomos reconquistando, e voltou à sua natureza confiante e meiga. 

Na semana passada, ao subir a rua a caminho do restaurante, num  lindo dia de sol, levantei os olhos e foi impossível não me escangalhar a rir, deliciada. A nossa tonta Pasta estava tranquilamente adormecida no estreitíssimo peitoril de uma varanda, saboreando o sol cálido.


E lembrei-me do curto poema de Fernando Pessoa que há muito, muito tempo, tinha eu 15 anos, foi o tema de um ponto (era assim que lhe chamávamos). Vergílio Ferreira mandou-nos dissertar sobre aquele gato que brincava na rua durante os 50 minutos da aula. Eu escrevi e escrevi e escrevi. E Vergílio Ferreira deu-me a melhor nota da turma, dois ou três valores acima da segunda melhor. Quando tocou a campainha para o intervalo (céus, que saudade daquele toque!) e todos nos levantámos, eu da carteira isolada para onde me tinha desterrado tempos antes, farto da minha tagarelice com os vizinhos, chamou-me secamente com um aceno: «Tu, vem cá! Quero falar contigo.» Essa conversa, que durou todos os dez minutos do intervalo, guardo-a comigo como um tesouro precioso.

No ano seguinte viria a almoçar muitas vezes com ele no refeitório e só então, quando já não era sua aluna, passou a tratar-me por Teresa. Conversávamos muito, eu divertia-o. Acolheu a rir os meus desabafos exasperados sobre Viagens na Minha Terra e sobre Amor de Perdição, acolheu também o meu deslumbramento com Os Maias. E com Cesário Verde. E com Antero. Eu era então, como continuo a ser, uma tagarela incurável. E ele achava-me graça, pronto. Provavelmente já achava no tal dia em que me exilou para aquela carteira junto à porta, da qual eu via através do vidro as folhas do plátano em frente.

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.


És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.


Banda sonora: Andy Williams - Born Free
(do grande John Barry. Oscar para a melhor canção, Oscar para a melhor partitura original)

7 comentários:

  1. ]:-D

    como é que ela subiu para aquela varanda? É uma gata alpinista?

    beijo d'enxofre

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  2. É uma gatinha cheia de recursos, como todos os gatos. Não assisti, só a vi já lá em cima, mas aposto que o percurso foi este: saltou para o capot do carro estacionado por baixo, daí subiu para o tejadilho. A seguir um pulo para o aparelho de ar condicionado por baixo da varanda (que não se vê na fotografia) e daí mais um salto para a varanda. :)

    Na sexta-feira a Mad e a Pituxa foram almoçar comigo e lá estava ela outra vez. Fartámo-nos de rir a vê-la descer para vir cumprimentar-nos (a descida é que é o grande problema para os gatos).

    Beijo!

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  3. Que linda bichana e que lindo texto, Teresa.

    Despertou-me as saudades da escola e do tempo em que ainda era a melhor aluna.

    Beijinho

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  4. Essa bichinha é tão linda que dói. E equilibrista, ainda por cima!
    A gatinha que nos costuma visitar faz umas habilidades parecidas, já a vi empoleirar-se na berma da minha varanda e atirar-se para o quintal vizinho, eu aflita a ver a proeza acabar mal, e ela com uma segurança! Coisas mai'boas.

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  5. Essa gata deixa-me preocupada, desde a primeira vez que aqui falaste nela.

    Raça da bicha, pá, se não estava melhor a viver numa casa, com uma família carinhosa, comida da boa e mimo a tempo inteiro. A mania da independência, é o que é.

    beijo


    :(

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  6. Acho que o único gato com medo de alturas é o meu Fígaro. As vezes que tive de pedir uma escada emprestada ao meu vizinho para o ir salvar, meu Deus!

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