sábado, 1 de janeiro de 2011

O sortilégio de um olhar

Na história dos grandes maestros, cada caso é um caso.  Maestros afáveis e bonacheirões como Beecham, que tinha um irresistível toque de excentricidade e irreverência  («There are two golden rules for an orchestra: start together and finish together. The public doesn't give a damn what goes on in between.»). Maestros irascíveis de personalidade explosiva como Toscanini, de quem vi registo a praguejar num ensaio, a vociferar impropérios ininteligíveis a uma das mais celebradas orquestras do mundo, perfeitamente muda, encolhida e acabrunhada. Maestros que preferem batutas muito compridas, maestros que preferem batutas curtas, maestros que dirigem só com as mãos. Maestros que dirigem quase sempre de olhos fechados, como Karajan.

E depois há uma outra categoria,  a que mais me fascina, a dos maestros que usam hipnoticamente o olhar para insinuar, para sugerir, para comandar e para subjugar  a orquestra, levando-a na direcção de uma construção musical perfeitamente coesa e previamente existente nas suas cabeças, naquilo que consideram ser a intenção do compositor. É o caso de Nikisch, o senhor da imagem acima. 

No fabuloso documentário The Art of Conducting, de que já falei aqui, que graças a Deus tenho (comprado em Março de 2006, informa-me a sempre obsequiosa Amazon), e que agora não se encontra em parte alguma, há imagens poderosas de Nikisch, ainda no tempo do cinema mudo (morreu em 1922), a dirigir uma orquestra. Não conseguimos desviar o olhar do dele, hipnotizados, tamanho o domínio, tamanha a autoridade. Um flautista de Hamelin do olhar.

Mais tarde, muito mais tarde, viria outro mago do olhar, o meu muito amado Claudio Abbado, entre outras imensas coisas um grande rossininiano (e eu tenho esta paixão por Rossini).

Vejam o vídeo abaixo, que diz muito melhor o que tentei explicar em palavras canhestras. Um aparentemente muito jovem Claudio Abbado (na verdade já tinha 40 anos, as imagens são da produção filmada que Jean-Pierre Ponnelle fez em 1973 do seu Barbeiro de Sevilha, mas... céus! como parecia novo!), eternamente o meu favorito, o único que oiço. Entre várias outras razões porque Figaro é o meu também muito amado Hermann Prey, o senhor que tinha um sorriso na voz, definição linda do Raul que nunca mais esqueço.

Podem saltar directamente um minuto, são os créditos iniciais. O resto é pura magia. Garanto que o sortilégio do olhar do grande Claudio Abbado, se o vosso amor pela Música for nem que seja um décimo do meu, será suficiente para vos deixar siderados.

Grazie tante, Maestro!

A todos vós, um feliz 2011. Alegre, se possível. Sereno, principalmente — um princípio de paz vale mais do que uma alegria de má qualidade. Estamos todos nas mãos de Deus. Entrego os meus medos e confio. Vai ser um bom ano.

19 comentários:

  1. Olá, Teresa. Apesar de nunca ter comentado, já há algum tempo que sigo o seu blogue. Não, não me vou pôr a escrever elogios, mas não posso deixar de dizer que é sempre um enorme prazer ler os seus textos, tal a qualidade dos mesmos. Hoje, não resisti. Decidi partilhar consigo uma informação que, provavelmente, desconhece. O grande Arhur Nikisch, em Maio de 1901, esteve em Portugal com a Filarmónica de Berlim para uma série de concertos no Teatro Nacional de S.Carlos. Esta iniciativa foi da responsabilidade de um melómano português de ascendência italiana, Michel'angelo Lambertini, o grande ideólogo da criação de um Museu Instrumental em Portugal.

    Quanto a Abbado, não há palavras que o descrevam. Já senti a magia do seu olhar e a força da sua direcção ...
    Um Beijo, Margarida

    ResponderEliminar
  2. Margarida, é um grande prazer dar-lhe as boas vindas nesta minha casa, mais ainda numa época em que tive de fechar os comentários anónimos porque estava a ser atacada de forma atacada de forma abjecta por gente que deve ter pouco que fazer. Muito obrigada pelas palavras tão amáveis.

    E muito mais obrigada lhe fico ainda pela informação que acaba de me dar. Desconhecia em absoluto que o grande Nikisch tivesse dirigido em S. Carlos a Filarmónica de Berlin,da qual esteve à frente de 1895 atè à sua morte (fui verificar, claro,há coisas que é impossível saber de cor). A informação é fascinante e, por outro lado, reforça a tristeza de confirmarmos como a nossa casa nacional de Ópera anda Agora longe das glórias passadas. Onde o dinheiro para pagar os cachets astronómicos de hoje?
    Devo dar-me por muito feliz por ter podido ver John Eliot Gardiner duas vezes em Lisboa, Edita Gruberova outras duas, Kraus, ou Juan Diego Flórez (que conseguiu a proeza de me arrebatar numa ária que detesto, a célebre Ah, Mes Amis) ou omais meia dúzia de nomes. Porque esses grandes nomes, em boa verdade, só consigo vê-los no estrangeiro.
    Sendo entendida na matéria como se percebe de imediato que é, provavelmente vou recomendar-lhe um fascinante livro que já deve ter lido: Who Killed Classical Music?, de Norman Lebrecht.

    Por último, um pedido: tem alguma ideia do programa desses concertos de Nikisch em Lisboa? ADORAVA saber. Acho que amanhã vou telefonar à minha querida amiga Paulinha, a ver se ela me descobre isso (é assistente de cena em S. Carlos).
    Um beijo.

    P.S. Ah, e quanto a Abbado... estamos conversadas, não é verdade? :)

    ResponderEliminar
  3. Teresa, antes de mais, muito Obrigada pelas Boas Vindas :)

    Quanto ao que me fala em relação aos comentadores anónimos que a têm assaltado ultimamente, fico estupefacta com a falta de carácter que prolifera por essa blogosfera. E acredite que fico triste ...

    Em relação à forma como anda a nossa casa de Ópera, prefiro não comentar publicamnete para evitar que me escapem alguns impropérios bem cabeludos, que eu sou uma Senhora.

    Quanto ao pedido que me faz, consigo fazer melhor. Tenho digitalizados um prospecto anunciando esses concertos e uma foto da Filarmónica de Berlim com Nikisch à frente :D Posso enviar-lhe esses registos. Contudo, deixo já algumas informações: foram executadas obras de Bach, Beethoven, Wagner, Liszt, Tschaikowski, entre outros. Camarotes a 36 mil réis e plateia a 3 mil réis. Todos os pedidos de bilhetes deveriam ser feitos à Casa Lambertini. Uma delícia!

    Tem ideia de como lhe posso enviar os registos sem divulgar publicamente os seus contactos?

    Quanto ao livro que me aconselha, não, não li mas vou ler :) Vou já encomendá-lo. Fiquei cheia de curiosidade. Muito, muito Obrigada pela sugestão.

    Quanto a Abbado... é claro que estamos conversadas :D
    Um beijo

    ResponderEliminar
  4. Margarida,
    Uma delícia, mesmo! Fiquei a salivar. E fico-lhe muito grata!
    Na barra lateral encontra o endereço aqui do blogue, gotaderantanplan@gmail.com. As mensagens são reencaminhadas para o meu endereço pessoal, de onde respondo.

    Entretanto, receio ter más notícias para si.Há tempos quis oferecer o livro de Norman Lebrecht a um amigo e tive a desagradável surpresa de já não ser fácil arranjá-lo, e muito menos a preços simpáticos, coisa que confirmei agora, porque fui às duas Amazon, a britânica e a americana. Claro que há mais vendedores, talvez se consiga encontrar mais barato.

    Por sua cauda (fique-lhe este peso na consciência) já me meti em mais despesas. Sabe como é a Amazon, ao procurar o livro ela deu-me logo outras sugestões. E encontrei este livro. Aguça ou não o apetite? :)

    http://www.amazon.co.uk/Theyll-Never-About-Music-Business/dp/0823084450/ref=sr_1_4?ie=UTF8&qid=1294179087&sr=1-4

    Apressei-me a encomendar, é uma hardcover e encontrei usada por £ 2,82. Só ao segundo vendedor consegui fazer a compra, o primeiro não vendia para fora do Reino Unido.

    Na Amazon britânica não tem críticas, mas na americana tem 20, e a média é de cinco estrelas, veja:
    http://www.amazon.com/Theyll-Never-About-Music-Business/dp/0823007081/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1294179220&sr=8-1

    Um grande bejinho.

    P.S. Ah! Os comentadores anónimos. Quer-me parecer que neste momento grassa na blogosfera uma onda de maldade que me impressiona. Se soubesse as coisas que tenho visto em blogues e em caixas de comentários.

    ResponderEliminar
  5. Teresa,

    Já lhe enviei as imagens prometidas via e-mail. Espero que as tenha recebido.

    Aproveito para a informar de que tive alguma sorte. Consegui encomendar o livro do Norman Lebrecht através da Amazon UK, a um preço razoavelmente simpático (em 2ª mão, é certo).

    Dar-lhe-ei, mais tarde, as minhas impressões sobre o mesmo.

    Um beijo,
    Margarida

    ResponderEliminar
  6. Margarida, não recebi qualquer mensagem. :((
    Quanto ao livro, tenho comprado muitos livros em segunda mão em estado primoroso. Mandou vir a edição encadernada?
    Fico curiosa quanto à sua opinião sobre ele.

    Um beijo.

    ResponderEliminar
  7. Teresa, acho estranho não ter recebido a mensagem; enviei-a ontem à tarde. Vou reenviá-la através de outro endereço.

    Um beijo.

    ResponderEliminar
  8. Tenho também grande apreço por Abbado e custou-me muito saber do que lhe fizeram quando,já doente,regia a Filarmónica de Berlim.
    Gostaria de saber a sua opinião sobre Furtwangler e Carlos Kleiber.Tudo isto é subjectivo,em especial para mim que não sei ler uma partitura e me limito a comparar e escolher interpretações...Aprecio os dois maestros que citei e não sou um "devoto" de Karajan.
    Desejo-lhe saúde.
    José

    ResponderEliminar
  9. José, aquela orquestra (isto é, quem a dirige) tem a triste e firmemente estabelecida reputação de tratar muito mal nomes que a levaram a momentos de extraordinário brilho.

    Sei da doença que o nosso querido Abbado combate há obstinadamente há quase 15 anos desde o princípio, um grande amigo meu é íntimo da Eliette, a viúva de Karajan, e é convidado frequente das casas dela em Salzburg e em St. Moritz (já contei aqui uma história sobre ela, outras há que não posso mesmo contar, deixe cá ver se a encontro.
    Cá está: http://gotaderantanplan.blogspot.pt/2011/02/viuva-alegre.html

    A primeira vez que jantou com Abbado, na casa de St. Moritz da Eliette, no meio de um dia de trabalho infernal, o A. telefonou-me incontáveis vezes a consultar-me quanto às diferentes toilettes que ia experimentando. «Achas bem?» E eu, com uma paciência evangélica, o telemóvel entalado entre o ouvido e o ombro, enquanto dava instruções para um lado e gesticulava mudamente para outro, opinava que sim, mas não com aquela gravata, ou com aqueles sapatos, ou com aquele cinto, sei lá eu. Colaborava, pois claro, tão excitada como se fosse eu a estar presente no jantar. Sim, que uma coisa é ser íntimo da viúva de um grande maestro (maestro esse que nunca ligou grande coisa ao meu amigo, viúva essa que não percebe nada de música, como pude comprovar por perguntas que pedi ao A. para lhe fazer), outra muito diferente é um jantar para seis pessoas em que uma delas se chama Claudio Abbado, não é?

    Furtwangler e Kleiber? Também os venero, evidentemente. No documentário de que falei neste post há um momento absolutamente arrebatador em que comparam Toscanini e Furtwangler e as suas abordagens do primeiro andamento da 9.ª de Beethoven. Céus! Que diferença abissal! E o coração foge-me todo para a de Furtwangler. Conta-se que uma vez, Toscanini a dirigir e ele na plateia, ele se levantou furioso e saiu porta fora às primeiras notas, a soprar entredentes um exasperado "Maldito marcador de tempos!"

    Quanto a Kleiber, há muito que persigo a sua Bohème lendária (mas a de Karajan com Pavarotti e Freni continua a ser para mim a definitiva, note), que só tenho em VHS e está por preços obscenos na Amazon, uma frioleira a rondar as 200 libras, ainda nem investiguei quanto custa o DVD. Mas acho que a sua 7.ª de Beethoven (a minha sinfonia favorita de Beethoven, confesso)está empatada com as minhas outras grandes execuções favoritas, a de George Szell e a de Furtwangler.

    E depois, ainda quanto a Kleiber, e aqui confesso sem pudor a minha parcialidade, como não adoptarmos como grande favorito alguém cujo pai se recusou a pactuar com o nazismo e fez as malinhas quando foi convidado para dirigir a Filarmónica de Berlim? Nestas questões o sentimento é bem capaz de me toldar o discernimento auditivo, garanto-lhe. :)

    ResponderEliminar
  10. Entretanto,cara Teresa,precisei de desabafar no "2 Dedos de Conversa" e
    algo do que aqui deveria ter escrito lá ficou.Não me consigo repetir mas talvez acrescentar.O tema do seu postal era um certo olhar de Nikisch
    e o modo como dirigia a orquestra.
    Também Furtwangler,que confessava ser
    Nikisch o seu ídolo,tinha um jeito próprio na regência,totalmente
    percebido pelas "suas" duas orquestras--a de Berlim e a de Viena--e que incluía monossílabos e murmúrios...Conta um jornalista americano que o entrevistou depois
    da 2ª Grande Guerra ter pensado estar frente a um atrasado mental que pouco ou nada respondia...o
    maestro que escrevera reflexões sobre Música,tivera uma formação
    clássica sólida,que era compositor,
    que desprezava os nazis que precisavam dele e o idolatravam,que fazia milagres
    com orquestras "de província"como
    a da RAI em 1953 interpretando O ANEL do NIBELUNGO e se tornou numa
    audição obrigatória para um vagneriano que se preze.Um maestro
    sobre quem foi escrita a peça "Tomar Partido" e apenas revela a nossa perplexidade perante a decisão de
    permanência no país sob o 3º Reich
    quando outros regentes e músicos
    saíram ou fugiram(Walter e Klemperer)porque já tinham a cabeça-a-prémio.Percebo plenamente
    a sua posição,estimada Helena,e é
    a posição "normal",nossa,que
    abominamos facínoras a governar um país(lembremos,de passagem,Shostakovich "aconselhado"
    pelo "pai dos povos").Recordemos que Furtwangler tivera as portas abertas,por indicação de Toscanini(!)para Nova Iorque,ainda
    a tempo de se raspar do novo Reich.
    Decidiu ficar,nunca aderindo ao nazismo,e dizia ele que "para preservar a cultura alemã e os seus
    músicos".Isto não lembra a suspeita
    do periodista americano de estarmos
    em presença de um atrasado mental?
    Essa suspeita só desaparece depois
    de nos inteirarmos,o melhor possível,da história de vida do
    maestro e suas concepções românticas,superiormente idealizadas do que fosse arte musical,artista e preponderância
    da Música sobre todas as artes.Só
    considerando Furtwangler o último
    grande maestro romântico(que apreciava Hindemith)que defendeu
    músicos judeus,nunca aderiu ao
    partido(ao contrário de Karajan e
    outros que nunca foram molestados)
    e teve de fugir quando o regime
    desabava e se preparava para,enfim!,ajustar contas com
    quem os desprezava e considerava
    bárbaros e ignorantes.Se os ex-colegas expatriados não o defenderam depois,percebe-se e aceita-se.Outros logo o defenderam
    (Menuhim)e lhe prestam homenagem
    --Sviatoslav Richter,Barenboim,
    Szell,Abbado,...
    Exorbitei,se houver tempo voltarei
    às gravações.
    Acima de tudo desejo-lhe saúde!
    José




    ResponderEliminar
  11. A Helena ainda não publicou o meu desarrazoado e se calhar fez bem,o
    tema era o retomar dos concertos da
    Filarmónica de Berlim e uma somítica
    oferta dum Banco ou (e)da mesma filarmónica e eu,lembra-se dos miúdos
    pobretanas com o nariz esborrachado
    a espreitar nas vidraças das lojas de
    brinquedos? Eu,à porta da orquestra,
    escapei-me para um mundo que já não
    existe e dentro dele outro mundo que também já então não existia--o de Furtwangler.
    Tenho então dele:
    --7ª de Bruckner,Filarmónica de Berlim,1951
    --9ª de Beethoven,Fil.Berlim,1942
    --excertos de várias óperas de Wagner,com a de Bayreuth e de Berlim com datas de execução
    anteriores ao 3ºReich
    --9ª de Beethoven,Orquestra de Bayreuth,1955
    --O Anel do Nibelungo,com a orquestra da RAI,1953.
    --Tristão e Isolda,Philharmonia Orchestra,Coro da Royal Opera House-Covent Garden,Suthaus,Flagstad,Greindl,
    Dieskau,1952.
    E por ora chega.
    Saúde!

    ResponderEliminar
  12. Meu querido José,
    Desconfio que entre si e a Margarida este post tem das caixas de comentários mais ricas de um blogue que está quase a fazer sete anos.

    Fala-me do 2 Dedos de Conversa. Um dos meus blogues de eleição. Acresce que a Helena é uma muito querida amiga virtual, uma das melhores e mais completas pessoas que tive o privilégio de encontrar. Amanhã irei ver o que se passou por lá, agora estou exausta e nem vou abrir o feedly que, para variar, já deve ir em mais de mil posts por ler.

    Mas deixo-lhe entretanto um presente, aliás dois presentes. Que partilhará com a Margarida (mas que é feito de si, Margarida? Os seus comentários fazem-me falta), caso ela ainda os desconheça.

    Acabo de encontrar no YouTube os dois documentários aqui referidos, apressem-se a ver e a gravar, que nunca sabemos durante quanto tempo estas coisas ficarão disponíveis, é só alguém reivindicar direitos e lá temos o caldo entornado. Este blogue está pejado de vídeos entretanto desaparecidos.

    The Art of Conducting: Great Conductors of the Past
    http://www.youtube.com/watch?v=LYnqU4AJvtA

    The Art of Conducting: Legendary Conductors of a Golden Era
    http://www.youtube.com/watch?v=Crfs0yJWC8s

    Amanhã respondo-lhe com o carinho que os seus comentários merecem.

    ResponderEliminar
  13. Já irei ver os vídeos que nos enviou e desde já agradeço.Assim eu tenha
    tempo e ânimo para corresponder,uma
    quimiterapia deixou-me sequelas físicas profundas a juntar às da
    terceira bancarrota nacional que tenho de gramar na minha vida de adulto(não haverá um pingo de vergonha nas diversas gentes governantes ao longo de três décadas?Isto é caso único na Europa e se calhar no Mundo...).Adiante.
    Por razões de história pessoal mas
    não de menosprezo eu não me abeirei
    da Ópera,especialmente da italiana,
    pelo que aproveito tudo o que a Teresa tem escrito por aqui.As audições sempre me foram de repertório sinfónico,de câmara,algumas "canções".E tudo mitigado pelas citadas tróikas...
    Do afável e competente Abbado estarão por cá:
    --7ª Sinfonia de Mahler,com a Sinfónica de Chicago,1984.
    --O 20ºe21ºConcertos para piano de
    Mozart com Rudolf Serkin e a Orquestra Sinfónica de Londres,1982.Da Maria João Pires tenho Beethoven,Trios para piano de
    Mozart e nem sei que mais...quando
    penso em Maria João o cérebro faz uma ponte para Furtwangler,não sei porquê.

    Há personagens da História que me despertam uma curiosidade infindável,quanto mais sei sobre elas mais preciso de saber.É o caso
    de Alexandre o Grande(não tanto Júlio César),Leonardo da Vinci,Akenaton o faraó,Fernão Mendes Pinto,os maestros Weingartner e Furtwangler(já a vida
    de Karajan não me interessa nada,sim várias das suas interpretações do fim dos anos 50 até meados de 60),outras que agora não lembro.O regente Nikisch,tão admirado por Furtwangler,desperta-me também curiosidade.
    Como dizia Clemens Helberg(lembrei-me agora do nome do antigo 1ºviolino da Filarmónica de Berlim)
    à Gramophone ou qualquer outra revista,dizia ele que já são outros
    tempos,estes,depois de Karajan,eu digo depois de Furtwangler.Tudo o que vinha já desde o Império Austro-Húngaro,de Viena,e se prolongou,na Música,até Karajan,isso acabou e definitivamente,ou ao menos durante a minha vida...restam as gravações e as várias pesquisas que se vão fazendo sobre elas;a net,neste campo,tem já muito material.
    Uma boa noite.
    Saúde!





    ResponderEliminar
  14. Teresa,
    Na tarde de ontem, no final de um almoço semanal e costumeiro, uma Amiga de sempre perguntou-me se havia sido por mim, através de uma publicação no facebook, que soubera da morte de Claudio Abbado.

    - Não …! Respondi em modo automático, tentando refazer-me do choque. Sabia que há muito estava doente. Mas a verdade, é que nunca estamos preparados para o desfecho.

    Veio-me, de imediato, à memória este seu post e as palavras que trocámos sobre a nossa incomensurável admiração por Il Maestro!

    Senti que a Teresa seria, por ventura, das poucas pessoas que “conheço” que entenderia melhor o que sinto, perante esta perda.

    E tive necessidade de revisitar este seu texto, por sentir que é o espaço ideal para dizer o que me vai na alma.

    Entro, e sou surpreendida por uma troca de comentários mais recentes. Leio, que em Agosto passado se questiona sobre o que era feito de mim.

    Não a abandonei, juro! Continuo fiel ao seu blogue, que visito diariamente na esperança de haver mais um texto para ler. Nos últimos tempos venho, igualmente, para ter notícias, suas; saber se continua bem, depois do tremendo susto que nos pregou!

    Não sou muito de comentar, admito. A falta de tempo faz-me ser uma leitora que não resiste em “visitá-la”, mas que guarda para si os comentários que lhe advêm do que lê.

    Mas estou aqui!

    E desculpe, se de alguma forma a desiludi com a minha aparente ausência. Creia que aprendi a gostar de si através do que que escreve. Tantas vezes concordo! Algumas discordo, claro. Mas faz-me sempre muito bem lê-la, Teresa!

    Voltemos ao que me trouxe … o sortilégio daquele olhar …

    Claudio Abbado está ligado à minha história.
    Tive o imenso privilégio de ser dirigida por ele, num concerto memorável, a 10 de Outubro de 1997, no Coliseu do Recreios.

    A Obra, a Sinfonia nº 2, “Ressurreição”, em Dó menor, de Mahler. Que gigantesca e maravilhosa página de música, aquela!
    Orquestra, a Sinfónica de Berlim.
    Coro, o da Gulbenkian.
    As solistas, não me recordo - teria de ir ver ao programa.

    Horas depois do concerto, nascia o meu Filho - um bom par de semanas antes do previsto, diga-se. Pouco faltou para vir ao mundo em pleno palco.

    Il Maestro, partiu!
    Ficam as gravações em CD e em DVD.
    E ficam as memórias das suas geniais indicações, naquele ensaio de colocação – não precisou de assistentes que lhe preparassem o Coro, antes de chegar. Bastaram-lhe meia-dúzia de palavras, aquele seu olhar e a beleza precisa dos seus gestos para que outro som, outra densidade interpretativa surgissem como que por magia.
    E ficam as memórias daquele Concerto, tão intima e maravilhosamente ligado a um dos momentos mais importantes da minha vida - pouco depois de ter estado em palco, acolhi nos meus braços o meu Bebé menino. Em mim, ainda soava:
    “Aufersteh'n, ja aufersteh'n wirst du,
    Mein Herz, in einem Nu!
    Was du geschlagen,
    Zu Gott wird es dich tragen!!

    São lembranças que o tempo não levará, nunca!

    Deixo-lhe o link para o último andamento daquela maravilhosa Sinfonia. O Coro entra ao minuto 20. Sublime!!!

    http://www.youtube.com/watch?v=N8Mhji_lgCQ

    As lágrimas não param de me cair …

    Como a Teresa escreveu em 2011, "Grazie tante, Maestro!”

    Um grande beijinho,
    Margarida

    ResponderEliminar
  15. Margarida, querida Margarida,
    Só hoje consigo responder-lhe parcialmente. Foi por si que soube (e nunca esquecerei) da partida desse grande senhor que idolatramos, Claudio Abbado. Às primeiras linhas do seu comentário já tinha o estômago embrulhado em desgosto e rejeição. Cada vez tenho menos paciência para o Facebook, tivesse ido lá na véspera, teria visto as sucessivas coisas que o meu querido amigo Paulo, autor do Valkirio (comece a ler, se ainda não conhece, vai gostar tanto!) foi publicando. Estou muito cansada de perdas, diárias e quotidianas. Mas há perdas e perdas. Esta foi das piores. Até porque, infelizmente, sei hoje, como não sabia na altura em que escrevi este post, como é sofrer desta SOB maldita que espero sinceramente que o génio humano consiga erradicar nos próximos 30, 40, 50 anos, sei lá. E já estou a chorar, damn! Ele foi sempre tão importante para mim! E para si, como concordámos desde o primeiro minuto, mas a Margarida foi privilegiada. Quero que me autorize a transcrever aqui o que contou sobre ele, o senhor de olhar hipnótico a dirigir uma orquestra. Só partiu há quatro dias e o sentimento de perda é cada vez mais intrusivo. Nunca mais uma ópera, nunca mais nada. Like one given by God.
    Olho para as minhas estantes, tanta coisa gravada por ele.

    ResponderEliminar
  16. Querida Teresa,
    Tem razão; nunca mais uma ópera, nunca mais nada!

    Ainda dói muito falar sobre esta perda … passei a semana a revisitar as gravações que tenho. Ouvi muito Mahler. Ninguém dirigiu Mahler como Abbado, que tão magistralmente soube compreender o genioso e genial compositor e maestro, perpetuando-o em gravações lendárias. Mas há uma que me é particularmente cara e que nos últimos dias tenho ouvido vezes sem conta. Partilho consigo - Concerto para piano e orquestra em Sol Maior, de Ravel, interpretado por uma Martha Argerich muito jovem, com a Filarmónica de Berlim, dirigida por um igualmente muito jovem Claudio Abbado (CD oferecido pelo meu, então, namorado, hoje meu marido). O primeiro e terceiro andamentos, em termos musicais, não me dizem muito. Aliás, não sou particularmente uma apreciadora de Ravel. Mas aquele segundo, adagio assai, meu Deus … revejo-me, completamente, naquela interpretação; parece o meu retrato, em forma de música. É a banda sonora do momento em que lhe escrevo.

    Transcrevo o que li no The Independent, acerca da sua última aparição em frente a uma orquestra: “His last appearance was a performance with the LFO of Bruckner’s Symphony No.9 at the Lucerne Festival in August 2013. The festival’s chief executive, Michael Haefliger, recalls: “There was a sense in the hall that it might possibly be his final concert, so far removed and deeply transfigured did Claudio Abbado seem to all of us on this unforgettable evening, in this moment of unfathomable silence.” …

    E pode transcrever o que lhe contei sobre aquela mágica noite. São memórias minhas que lhe ofereci. São suas, use-as como entender!

    É bom, muito bom, saber que, desse lado, alguém entende e partilha o que sinto. Bem-haja por isso, Teresa!
    Um grande beijinho

    ResponderEliminar
  17. Margarida, ainda não me sinto capaz de escrever sobre ele. Era um príncipe encantado, eternamente belo, eternamente jovem, e aquele olhar. Partilhemos isto: que música dirigida por ele hei-de pôr quando me atrever a escrever?

    ResponderEliminar
  18. Teresa, a minha escolha é muito pessoal; está intimamente ligada a um dos momentos mais importantes, mais belos da minha vida, como já sabe. Recai no finale do último andamento da Sinfonia nº 2, “Ressurreição”, em Dó menor, de Mahler.
    Porque é assim que O irei lembrar, sempre - a dirigir-nos com o olhar. O rosto marcado pela emoção, magnetiza-nos. Sussurra-nos, num leve sopro, as palavras: ““Aufersteh'n, ja aufersteh'n (…)”. Os gestos, tão elegantemente perfeitos, tão precisos, sem um rasgo de exagero, sem vedetismos, indicam-nos o caminho. Ali, a poucos metros de nós, com a humildade própria dos grandes, dá-nos tudo! (Já choro, outra vez …)
    E porque é a Ressurreição. Il Maestro partiu fisicamente. Renasce em forma de lenda, como O príncipe encantado, eternamente belo, eternamente jovem, como diz!

    http://www.youtube.com/watch?v=cIkCcJIqUeI

    Partilho alguns excertos (a tradução, retirei-a do Programa de Sala)

    “Aufersteh’n, ja aufersteh’n wirst du,
    mein Staub, nach kurzer Ruh!
    Unsterblich Leben
    wird der dich rief, dir geben.”
    Ressuscitar, sim, tu ressuscitarás,
    Meu pó, após breve repouso!
    Aquele que te chamou
    Vida imortal te dará.

    “O glaube:
    Du wardst nicht umsonst geboren!
    Hast nicht umsonst gelebt, gelitten!”
    Ó acredita, não nasceste em vão!
    Não foi em vão que viveste, sofreste!

    “Mit Flügeln, die ich mir errungen,
    in heissem Liebesstreben
    werde ich entschweben
    zum Licht zu dem kein Aug’ gedrungen!!
    Com asas, que para mim ganhei,
    No ardente esforço do amor
    Desvanecerei
    Na luz, nunca vista!

    (O poema original é de Klopstock, que Mahler alterou, completando-o com versos da sua autoria)
    Um terno beijinho

    ResponderEliminar
  19. Teresa, acabei de ler na página do facebook da Antena 2, que a sua obra de eleição era a Sinfonia nº 3, A Heroica, de Beethoven.
    Para o caso de ainda não ter lido, transcrevo o que a Antena 2 escreveu e deixo-lhe o link da homenagem que o La Scala lhe prestou:

    "Desde a morte de Arturo Toscanini, o Teatro La Scala de Milão criou uma tradição - quando morre o diretor, é interpretada a sua obra favorita. O momento, já de si emocionante, ganha outro peso porque a sala está vazia e as portas estão abertas.

    Daniel Barenboim dirigiu ontem a marcha fúnebre da Sinfonia Heróica de Beethoven, obra de eleição de Claudio Abbado. Eis a homenagem do teatro e do povo de Milão.
    nota - o áudio do vídeo é o do teatro, pelo que de início não há som. A música começa por volta dos 4'00'' "

    http://www.youtube.com/watch?v=QIY-3-EjxtA&feature=share

    ResponderEliminar