domingo, 16 de janeiro de 2011

Closure

Faz hoje um mês eu jantava com o João Paulo e o Zé ainda era deste mundo. O Zé partiu algures durante essa madrugada, sem que eu soubesse. Sem que soubesse no dia seguinte, em que jantei com o Pedro. É-me doce saber que a minha vida tem destas amizades antigas e profundas, celebradas em jantares demorados regados com um bom vinho, de longas conversas em que não é preciso entrarmos em grandes pormenores para sermos entendidos, tamanha a bagagem comum.

O jantar de sexta-feira com o Carlos fez-me bem, muito bem. O Carlos é, julgo eu, a pessoa mais tremendamente afectada pela morte do Zé. Colegas de profissão, colegas de especialidade. Quantas vezes, no tempo em que eu morava na Rio de Janeiro, foram buscar-me para jantar depois de terem estado a operar na Clínica de S. João de Deus! Nma dessas vezes, lembro bem, o Zé fez uma entrada triunfal na Portugália, de repente percebemos que estava toda a gente a olhar para ele. Seguimos os olhares, que se concentravam nos pés dele, e largámos a rir como doidos: é que tinha-se esquecido de tirar as pantufas do bloco operatório. Só o nosso Zé!

Eu via irregularmente o Zé, o Carlos jantava com ele duas e três vezes por semana, e tinham muitas paixões em comum, a fotografia e as viagens acima de quaisquer outras. E tanto que viajaram juntos! O meu (nosso) querido Carlos, dono de uma das vozes mais bonitas que conheço (mais bonita só a de Jeremy Irons!) está agora órfão deste grande amigo, e falámos longamente deste enorme sentimento de prejuízo a que não sabemos fugir. Como lhe disse, há uma vasta zona de mim que ainda não conseguiu assimilar que nunca mais veremos o Zé nesta vida. Ele percebeu muito bem, porque sente exactamente o mesmo, talvez ainda mais dolorosamente.

A seguir ao jantar fomos para casa dele e a noite transformou-se em noitada. Ao som da Flauta Mágica de Klemperer (delicada atenção do Carlos, que sabe do meu imenso amor por esta ópera), instalámo-nos ao computador para que eu o ensinasse a mexer no blogue que criei há quatro anos para registar as tantas viagens dos dois, de que ele era co-autor desde o princípio, mesmo nunca lá tendo escrito uma linha que fosse.  Hoje, ao ligar o computador, fui surpreendida pela primeira entrada do Carlos no blogue. Ri de lágrimas nos olhos, tanto as fotografias me diziam: fotografias da última viagem, em Setembro passado, viagem para a qual eu tinha sido desafiada.

A fotografia acima, a que ilustra esta entrada, é bem mais antiga. Tem 22 anos, é da viagem que fizemos os três ao deserto e ao Alto Atlas. O Zé limpa diligentemente a máquina fotográfica, o Carlos captura o momento. O Zé veste o forro do meu blusão (é a parte encarnada da vestimenta), de que se apropriou, por o achar muito confortável e quentinho. Lembro-me tão bem daquele acampamento! Fico a olhar, sorrio alagada de ternura, mas já não choro. Estou a começar a lidar melhor com esta despedida.


3 comentários:

  1. Acho que a música escolhida é a ideal e linda... Há sempre que ter os entes queridos que partem bem presentes nas nossas mentes e tudo que fizémos com eles, pois já não vale a pena chorar pelo que não fizémos. E tu, meinha querida, estás cheia do melhor que podias ter feito com ele: viver!

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  2. Dói muito e as saudades são grandes, pois a presença dele ainda é tão forte. Há coisas que só fazem sentido com ele cá...
    Bjs Teresa,
    Ricardo Alves

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